Título: Aumenta procura por modelos adaptados
Autor: Madureira, Daniele; Olmos, Marli
Fonte: Valor Econômico, 18/02/2008, Empresas, p. B4

Marisa Cauduro / Valor Oliveira Neto, da Cavenaghi, que fornece peças e consultoria técnica, espera que rede atendida passe de 37 para 50 lojas O tamanho do mercado de automóveis para portadores de deficiências é muito maior do que os próprios usuários podem supor. A compra de carros zero-quilômetro sem impostos para condutores e passageiros com necessidades especiais abrange um universo ainda pouco conhecido. De qualquer forma, a demanda tem crescido. O primeiro motivo, também o mais positivo, é o aumento da conscientização de quem têm direito a esse benefício. A razão mais triste dessa expansão é aumento dos acidentes de trânsito e da criminalidade.

Nem todas as mulheres submetidas a uma mastectomia (retirada parcial ou total de mama com câncer) sabem ter direito a comprar um carro novo com câmbio automático e direção hidráulica sem IPI, ICMS, IPVA e liberados de rodízio. É o mesmo pacote de benefícios garantido por lei a deficientes físicos que usam carros adaptados.

Nem todo mundo sabe que há um ano entrou em vigor uma portaria do governo federal isentando de IPI carros destinados a pessoas que dependem de outras para se locomover. Portadores de autismo, cegueira ou outras anomalias podem ter um carro em seu nome - mesmo menores de 18 anos - isento do imposto federal. No caso, uma pessoa habilitada, parente ou não, é designada como condutora do veículo.

Mais certo seria dizer que essa vantagem fiscal destina-se a quem possui qualquer limitação, seja por ausência de um membro ou até mesmo perda de força. Isso vale para quem, por exemplo, possui prótese em uma perna. No caso da mastectomia, a mulher tem o direito porque perde parte da força no braço em razão de esvaziamento das glândulas axilares.

A lógica se aplica até para o idoso com dificuldades de mobilidade. Isso é tão real que na Europa, os carros de pessoas com necessidades especiais representam perto de 40% do mercado, segundo estimativas da Fiat. No Brasil, as vendas desse segmento somaram 12 mil carros em 2007 - menos de 0,5% do mercado total de veículos.

Enfrentar a burocracia para a liberação da documentação dá trabalho. Mas vale a pena. O Brasil tem a maior carga tributária em automóveis do mundo. Aqui, um carro isento de todos os impostos - no caso de o condutor ter a limitação física - tem reduções de preços entre 25% e 30%. Mas o custo das adaptações dos carros podem variar de R$ 600 a quase R$ 50 mil.

Todas as montadoras estão de olho nesse mercado. Para conquistar fidelidade dos clientes, a Fiat oferece desconto adicional de 5% no preço já sem os impostos na troca do carro por outro da mesma marca. É bom lembrar que a isenção de ICMS só vale a cada três anos. Ou seja, o veículo fica intransferível nesse perído.

Em parceria com a Technobras, empresa de adaptações, a Fiat lançou um Doblò com uma solução para o transporte de pessoas em suas próprias cadeiras de rodas. Além de plataforma acionada por controle remoto, kits de fixação no piso e um sistema de cintos de segurança especial, o teto foi levantado e ganhou acabamento panorâmico, em vidro. "O 'cadeirante' vai trocar a posição curva por uma viagem em que ele pode apreciar a paisagem" , diz Paulo de Lucca, gerente de vendas do Autonomy, projeto que a Fiat lançou há 12 anos.

Com programa específico desde 2002, a Volkswagen teve aumento de 36% na venda de carros para pessoas com dificuldades de locomoção em 2007. O mercado de veículos total cresceu 24%. O gerente nacional de vendas da Volks, Gustavo Chmidt, estima crescimento de pelo menos 20% este ano. Não só a indústria está atenta. Há um mês, o Banco Real lançou plano que financia até 100% do valor do carro para pessoas com dificuldades de mobilidade

-------------------------------------------------------------------------------- A Volks registrou alta de 36% nas vendas para o segmento em 2007, enquanto a expansão do mercado total foi de 24% --------------------------------------------------------------------------------

Gente que atua na venda de veículos há anos só se deu conta do potencial desse mercado há pouco tempo. "Em 2006, quando compramos uma loja em Santos (SP), percebemos quantas pessoas portadoras de deficiência (PPDs) visitavam a concessionária: deficientes visuais, 'cadeirantes' e crianças com paralisia cerebral, cujos pais precisam de carro", diz Dreyfus Carmona, diretor da Grand Company, rede multimarca.

Na Grand Special, concessionária recém-inaugurada pela Grand Company em São Paulo, para atender exclusivamente PPDs, tudo é adaptado: dos cartões de visita com inscrição em braile, passando pela disposição dos carros, com espaço para as manobras das cadeiras de roda, até os vendedores, treinados para se comunicar pela linguagem de sinais. O piso é tátil para orientar deficientes visuais. "Esse público era atendido de maneira precária pelas lojas convencionais", diz José Roberto Cardoso, gerente comercial. Carmona prevê que a receita da loja adaptada atinja R$ 40 milhões.

Depois que o cliente tem a isenção aprovada, a concessionária encomenda o carro, que sai da fábrica como um modelo convencional. Às vezes alguns recursos, como direção hidráulica ou câmbio automático resolvem o problema. Mas quando a autonomia do cliente exige algo mais - como o acelerador e o freio em uma única alavanca ou um sensor no câmbio que aciona automaticamente a embreagem - é necessária adaptação em oficina especializada.

"Trata-se de um segmento ainda embrionário, que depende de legislações, mas com muito potencial", diz Renato Baccarelli, diretor comercial da Technobras. O executivo refere-se aos projetos de adaptação de táxis em grandes cidades como São Paulo.

No mercado há 40 anos, a Cavenaghi, em São Paulo, faz parceria com concessionárias e também atende o consumidor que prefere adaptar o carro usado. Uma das intervenções mais caras é em vans como a Kangoo, da Renault, em que um dispositivo "abaixa" a altura do carro e aciona uma rampa automática que permite ao cadeirante entrar sozinho pela traseira do veículo. Uma facilidade que sai por R$ 45 mil. Segundo o gerente comercial, Raul Oliveira Neto, 90% dos clientes usam cadeiras de rodas.

A loja, na zona oeste de São Paulo, funciona como show-room dos itens de fabricação própria ou importados, que abastecem uma rede de 37 lojas, que deverá crescer para 50 ainda este ano. A previsão é de o faturamento subir 33% em 2008, para R$ 10 milhões.

A empresa também atua na venda de equipamentos especiais. Na tarde de sexta-feira, Marilce Chelotti levou o filho Vitor, de 10 anos, à loja. "Vim buscar a cadeira de rodas que mandei reformar enquanto não compro uma maior, já que ele está crescendo", disse Marilce, que pagou R$ 1,5 mil pelo serviço.

O garoto tem paralisia cerebral, o que, por lei, permite que seus condutores - no caso, os pais - tenham isenção de IPI na compra de carro novo. Marilce soube disso no ano passado, quando visitou a Reatech - Feira Internacional de Tecnologias em Reabilitação, Inclusão e Acessibilidade, que terá a sétima edição em abril, em São Paulo. Mas ela ainda não se interessou pelo incentivo. "Para comprar um novo carro, preciso vender o meu", disse ela, que tem um Scénic, da Reanult. "Não posso me dar ao luxo de ficar mais de um mês sem condução", disse, referindo-se ao tempo para conseguir a isenção do tributo. Ela dedica tempo integral ao filho, numa agenda diária que inclui escola, hidroginástica, fisioterapia e fonoaudiologia.

O consultor de empresas Cid Torquato aguarda os avanços dos exercícios de fisioterapia para saber o tipo de adaptação necessária ao seu veículo. "Sofri uma lesão raquimedular há cinco meses, quando mergulhei em águas rasas na Croácia", diz Torquato, que estava de férias na ocasião. Especializado em tecnologia e ex-presidente da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico, Torquato voltou a trabalhar em outubro, um mês depois do acidente, e vem realizando reuniões em casa. Está longe de pensar em aposentadoria. "Não quero ficar na dependência dos outros", disse. Na sexta, foi provar uma cadeira manual e encomendar um modelo motorizado. Pelos dois produtos, pagou cerca de R$ 10 mil. "Espero recuperar movimentos suficientes para voltar a dirigir um carro."