Título: Investidor compra US$ 900 mi de risco corporativo do Brasil
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 14/01/2008, Finanças, p. C1

O ABN AMRO acaba de reunir o risco de crédito de 90 empresas brasileiras clientes em uma carteira de US$ 900 milhões que depois foi vendida a um único investidor holandês. O detalhe é que a carteira não foi montada usando empréstimos mais diretamente, como em uma securitização de recebíveis. Trata-se de um portfólio sintético, estruturado com derivativos de crédito, o primeiro de empréstimos externos corporativos da América Latina. Uma segunda carteira com US$ 100 milhões, de estrutura semelhante, está em fase final de montagem para possível venda para um outro investidor externo, desta vez dos Estados Unidos, segundo conta Ignacio Lorenzo, responsável pela gestão de portfólio de crédito do ABN AMRO para a América Latina.

Com a primeira operação, o ABN AMRO conseguiu liberação de capital equivalente a 81% do valor total da carteira para efeitos de Basiléia 2, as novas regras que determinam o nível de alavancagem dos bancos. O ABN AMRO poderá, dessa forma, fazer mais empréstimos com o mesmo capital. "O custo de liberação do capital foi inferior à taxa que vamos conseguir reinvestindo esse capital", conta Lorenzo. "Conseguimos otimizar o uso de nosso capital, oxigenar o balanço para fazer novas operações", conta.

Nos Estados Unidos e na Europa, a estrutura é muito usada: chama-se CLO, do inglês "Collateralized Loan Obligation". É criada uma sociedade de propósito específico que compra os empréstimos do banco e emite títulos lastreados naqueles empréstimos. Em uma CLO sintética, como esta estruturada pelo ABN AMRO, a transferência direta dos empréstimos não é feita. A sociedade de propósito específico (no caso, foram três) vendeu ao banco proteção contra o risco de crédito dos empréstimos no balanço do ABN por meio dos contratos de derivativos de crédito chamados de "credit default swaps". Em troca da proteção oferecida, a sociedade de propósito específico recebe do ABN um prêmio que passa a compor seu fluxo de caixa. A sociedade de propósito específico emite então papéis que são comprados pelos investidores e paga os investidores com os prêmios que recebe.

Se não houver inadimplência, a sociedade de propósito específico e a carteira acabam quando acabar a vida útil do último empréstimo. No caso de inadimplência, porém, a primeira a ficar sem pagamento é a parcela do portfólio de maior risco, chamada de "equity" ou "first loss", em inglês, o equivalente à cota subordinada. Dessa parcela do CLO montado pelo ABN, chamado de "CLO Iguaçu", o banco ficou com 20% e o investidor holandês, com 80%. A segunda parcela, de risco médio, chamada de mezanino, ficou 100% com o investidor. Há também cotas seniores, de menor risco, que serão emitidas depois, se necessário. "Com uso de caixa de menos de 10% do valor total o investidor ficou com os US$ 900 milhões de risco de crédito", explica. "O portfólio se ajusta automaticamente às amortizações e também no caso de inadimplência até 2014", explica.

Essas estruturas de CLOs sintéticas ou semelhantes foram muito usadas com hipotecas de alto risco nos EUA e acabaram ampliando a inadimplência dos mutuários americanos por todo o mercado financeiro. Mas, isso não impediu o investidor holandês de participar do CLO Iguaçu. "Eles acreditaram na capacidade de originação, gestão e recuperação de empréstimos do ABN", diz Lorenzo.

Segundo explica ele, os empréstimos incluídos na carteira estão no balanço da matriz do ABN na Holanda e na filial de Londres. Há pré-pagamentos à exportação, de menor risco, e empréstimos para capital de giro de empresas pequenas, médias e grandes. Os prazos de vencimento são variados, de um, dois, três, quatro anos ou mais. Há operações nas quais é feito apenas um pagamento da dívida no vencimento final e outras com amortizações periódicas. Há empréstimos com e sem garantias.

Até então, os únicos empréstimos de empresas da América Latina a serem incluídos em CLOs eram de empresas mexicanas e chilenas em um total próximo aos 700 milhões de euros. Ainda assim, o crédito à América Latina era uma parte ínfima em portfólios gigantescos com empresas de países desenvolvidos. Nunca nenhum banco havia feito um CLO sintético composto somente com risco de crédito de empresas latino-americanas.

Esta é a primeira vez também que as dívidas das empresas brasileiras são incluídas em CLOs do ABN AMRO. Os bancos negociam amplamente empréstimos de clientes brasileiros diretamente no mercado secundário e ainda participam dos negócios com "credit default swaps" (CDSs) individuais para cada empresa brasileira que são feitos no mercado financeiro internacional. Os CDSs mais negociados são da Vale e da Petrobras.