Título: Democratas cortejam as montadoras
Autor: Balthazar , Ricardo ; Olmos , Marli
Fonte: Valor Econômico, 15/01/2008, Internacional, p. A11

Não interessa muito aos dirigentes da poderosa indústria automobilística saber quem ganha as primárias de hoje em Michigan. O que mais importa a eles é que tanto Hillary Clinton como Barack Obama, os dois favoritos do Partido Democrata, incluíram em seus programas promessas de subsídios para ajudar as montadoras americanas a pagar as pesadas despesas com planos de saúde dos aposentados. O benefício está atrelado, porém, a uma garantia de aceleração no desenvolvimento de veículos mais econômicos.

O Estado de Michigan, o mais atingido por um desemprego que resulta do fechamento de fábricas de veículos, realiza hoje as primárias coincidentemente junto com a apresentação dos lançamentos dos novos modelos no salão do automóvel de Detroit, o mais importante acontecimento anual para os fabricantes de veículos dos EUA.

Embora evitem falar sobre eleições, os líderes do setor sabem como dar o seu recado. "Não importa se democratas ou republicanos ganhem a eleição, pois a indústria automobilística é, de qualquer forma, muito importante para o país", disse ontem o presidente da General Motors (GM), Rick Wagoner.

Só a GM carrega um passivo de US$ 51 bilhões com os planos de saúde para aposentados. Já faz tempo que as montadoras americanas se queixam de não poder mais arcar sozinhas com o problema que agrava a desvantagem em relação às concorrentes asiáticas. As marcas japonesas e coreanas construíram suas fábricas longe de Michigan justamente para fugir desse tipo de contrato de trabalho.

Recentemente um acordo com United Auto Workers, o poderoso sindicato do setor, reestruturou as regras. Mas a maior parte dos prejuízos que aparecem nos balanços financeiros de GM, Ford e Chrysler ainda é fruto não apenas das despesas com os planos de saúde, mas também, agora, com os acordos de demissão voluntária dos operários que começam a sobrar num mercado de vendas estagnadas.

A ajuda acenada pelos candidatos à Presidência está condicionada a uma pressão para que a indústria automobilística acelere o desenvolvimento de novas tecnologias de veículos mais econômicos. De acordo com a proposta de Obama, o governo poderia cobrir 10% dos custos das montadoras com os planos de saúde se as empresas se comprometerem a aplicar no desenvolvimento de motores mais eficientes pelo menos metade da ajuda recebida.

A indústria de Detroit deve estar atenta também a um anúncio de Obama que começou a ser exibido nos últimos dias e que menciona a história do seu discurso na cidade. Em seus comícios, ele costuma repetir o episódio como exemplo de sua disposição para enfrentar os interesses dos poderosos e dizer a verdade doa a quem doer.

No anúncio, ele diz: "Fui a Detroit insistir que precisamos aumentar os padrões de eficiência de combustível. Agora, tenho que admitir, a sala ficou meio quieta. Não podemos dizer às pessoas apenas o que elas querem ouvir. Precisamos dizer a elas o que elas precisam ouvir. Precisamos dizer a verdade."

A legislação americana obriga as montadoras a manter um padrão mínimo de eficiência de seus veículos no uso de combustível. Atualmente, esse nível corresponde a 27,5 milhas por galão de combustível no caso dos automóveis. No fim do ano passado, esses padrões foram revistos pela primeira vez em mais de duas décadas. Uma lei aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente George Bush estabelece um padrão de 35 milhas por galão para todos os veículos e determina que ele seja atingido pela indústria até 2020.

Os dois principais pré-candidatos democratas defendem a ampliação do padrão. Obama promete adotar um padrão duas vezes mais rigoroso em 18 anos, ou seja, 55 milhas por galão em 2025. Ele oferece subsídios para a indústria se adaptar e incentivos para os consumidores comprarem carros mais econômicos.

O plano de Hillary Clinton é parecido. Ela defende a elevação do padrão para 40 milhas por galão em 2020 e 55 milhas por galão em 2030. De acordo com o seu programa, carros e caminhões leves são responsáveis por 40% do consumo diário de petróleo nos EUA. Hillary promete US$ 20 bilhões em incentivos para a indústria a se adaptar.

Além de mais abalado pela crise na indústria automobilística e pelo desemprego, Michigan, é também um Estado que concentra republicanos. O ex-governador de Arkansas Mike Huckabee e o senador John McCain são os favoritos, dizem as pesquisas.

Os democratas quase não fizeram campanha em Michigan. O Estado foi punido por adiantar as primárias e não poderá enviar delegados à convenção nacional.