Título: Bolívia tenta destravar diálogo difícil
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 15/01/2008, Internacional, p. A11

Ontem à noite, pela segunda vez em duas semanas, o presidente da Bolívia e quatro governadores de oposição reuniram-se em La Paz para tentar fazer de 2008 um ano menos explosivo politicamente.

Na pauta, a criticada decisão do governo federal de redistribuir impostos arrecadados nos Departamentos para financiar um projeto de complementação de renda para idosos. Além disso, voltariam a debate os dois assuntos mais espinhosos da agenda política do país: a nova versão da Constituição, aprovada pela bancada governista no fim do ano passado sob críticas da oposição, e os estatutos de autonomia de quatro Departamentos (Estados), elaborados pelos governadores, acusados por governistas de desejarem a divisão do país.

"Por trás desses projetos estão duas visões distintas de modelo econômico: uma, do governo, de que o Estado deve ter um papel empreendedor e que garanta maior integração dos indígenas; e outra, da oposição, que preconiza uma visão mais liberal, de livre comércio e de mais espaço para a iniciativa privada", disse ao Valor Gonzalo Chávez, professor de Economia da Universidade Católica da Bolívia, em La Paz.

Há muitos anos essas visões se chocam na Bolívia. Mas sob Morales, acentuaram-se, diz o analista. "Em 2008, mais do que os dois primeiros anos do governo, talvez vejamos uma super-politização no país", avalia Chávez. Isso em razão dos 11 referendos programados para este ano, nos quais os bolivianos decidirão sobre a nova Constituição, sobre a extensão máxima de terra em mãos privadas, sobre a possibilidade de revogação do mandato de presidentes e governadores, sobre as autonomias departamentais e outros temas.

Se essas consultas ajudarão a mostrar qual modelo - o governista ou o oposicionista - os bolivianos preferem é algo questionável. "Os referendos vão aprofundar as contradições porque nenhum dos lados deverá conseguir ampla maioria nas consultas", diz Germán Gutierrez, comentarista político crítico de Morales.

Num ano de "super-politização", a economia também deve sofrer certo impacto. Com um ano inteiro ocupado por campanhas políticas, é provável que empresários e investidores adiem suas decisões para o próximo ano, diz Gonzalo Chávez. Para um país que viu os investimentos secarem nos últimos anos, principalmente depois da estatização do setor de hidrocarbonetos em 2006, essa é uma perspectiva desanimadora.

Se Morales e os governadores conseguirem costurar algum tipo de pacto que concilie suas pretensões, as disputas eleitorais em torno dos referendos poderão ser mais brandas. Mas apesar de ambos os lados terem adotado um discurso mais pacífico após a primeira rodada de conversas na semana passada, tanto partido de Morales quanto os comitês cívicos, que são o coração dos oposicionistas nos Departamentos Santa Cruz, Tarija, Beni e Pando, continuavam mostrando a mesma disposição para diálogo: ou seja, nenhuma.