Título: Que lições o Brasil pode tirar da instabilidade financeira mundial?
Autor: Oreiro , José ; Missio , Fabricio
Fonte: Valor Econômico, 15/01/2008, Opinião, p. A12

No ano passado, com a queda generalizada das bolsas de valores, a economia mundial observou mais um momento de instabilidade que, segundo as novas projeções do FMI, afetará negativamente o crescimento do PIB mundial. Esta instabilidade global é resultante da crise de confiança sobre o mercado imobiliário dos EUA. Essa crise iniciou-se como decorrência de um aumento inesperado da inadimplência das hipotecas da casa própria. Como este mercado ganhou proporções consideráveis na última década, perdas generalizadas acabam afetando outros setores da economia e atingindo os investidores que estão presentes nas bolsas de valores.

A reversão (parcial) na queda das bolsas foi possível porque o Federal Reserve e bancos centrais de Europa, Japão e Austrália injetaram dinheiro em seus respectivos sistemas financeiros para resolver os seus problemas de liquidez. No entanto, deve-se considerar o fato de que a instabilidade tornou-se uma característica importante das economias de mercado nos anos recentes, especialmente, para os países em desenvolvimento. É verdade que grande parte dessa instabilidade é conseqüência da financeirização das economias, mas é verdade também que grande parte dessa instabilidade depende das políticas adotadas pelos Estados Nacionais. No caso dos países da América Latina, essas políticas tendem a gerar, direta ou indiretamente, sobrevalorização da taxa de câmbio.

Do ponto de vista macroeconômico, deve-se observar que os programas de estabilização colocados em prática nos últimos anos por alguns países da América Latina, tiveram por objetivo principal controlar a inflação. Este controle foi alcançado na fase inicial desses programas, com o uso extensivo de uma política de valorização cambial. A resultante dessa política é a obtenção de déficits crescentes no saldo das transações correntes. Logo, para manter o programa de estabilização, fez-se necessário uma política complementar de financiamento desses déficits, ou seja, de atração de poupança externa e, para tanto, estimulou-se a "entrada de capitais" por intermédio de uma abertura crescente da conta de capitais do balanço de pagamentos.

No caso do Brasil, essa dinâmica é bastante representativa. A estabilização econômica colocada em prática a partir de 1994, com o Plano Real, amplamente estruturada sobre uma "âncora cambial", acabou por determinar o fim do processo inflacionário a partir de uma bem articulada engenharia econômica. No entanto, a política de sobrevalorização cambial trouxe a tona os problemas de ajuste das contas externas e, neste caso, o ingresso de capitais tornou-se fator determinante para a manutenção da estabilidade do programa.

-------------------------------------------------------------------------------- A dinâmica da economia brasileira continua sendo influenciada pelo humor dos mercados financeiros internacionais --------------------------------------------------------------------------------

No período de 1994 à 1999, os fluxos de capitais tinham o objetivo de financiar os déficits crescentes do saldo das transações correntes. Logo, num cenário de elevada liquidez internacional, o crescimento econômico com ampliação dos déficits em conta corrente podia ser suportado desde que o fluxo de ingresso de capitais fosse contínuo. Essa política perdurou até que uma série de crises internacionais acabaram por deflagrar um movimento de saída de capitais e um ataque especulativo contra a moeda nacional. Após o Banco Central queimar as suas reservas na tentativa de conter a fuga de capitais, o governo foi obrigado a desvalorizar o câmbio e a revisar os rumos da política econômica.

A partir de 1999, o governo brasileiro adotou uma nova política econômica baseada fundamentalmente em três pilares: taxa de câmbio flutuante com livre mobilidade de capitais; metas de inflação; e política de superávit primário crescente, para conter o endividamento do setor público. Nesse contexto, a pergunta relevante a ser feita é: esse modelo macroeconômico seria capaz de isolar o Brasil de uma crise financeira internacional?

Atualmente o Brasil não incorre em déficits em transações correntes, de forma que a dependência de capitais externos para o financiamento do balanço de pagamentos é bastante reduzida. As reservas internacionais são elevadas e a taxa de câmbio pode se desvalorizar instantaneamente para corrigir eventuais desequilíbrios na balança comercial. Assim, o que poderia dar errado? Na eventualidade de um aprofundamento da crise financeira internacional recente gerar uma parada súbita dos fluxos de capitais para países emergentes, haveria uma imediata depreciação da taxa nominal de câmbio no Brasil. Isso porque uma parcela significativa da apreciação da taxa nominal de câmbio ocorrida nos últimos dois anos deveu-se a entradas de capitais de curto prazo no Brasil, atraídos pelo enorme diferencial entre a taxa de juros doméstica e a taxa de juros internacional. A depender da magnitude dessa valorização, o BCB seria forçado a reverter o processo de redução da taxa nominal de juros em função dos efeitos da depreciação do câmbio sobre a taxa de inflação. A elevação da taxa de juros atuaria no sentido de interromper o atual estágio de retomada do crescimento da economia brasileira, seja por aumentar o custo do capital, desestimulando assim as decisões de investimento, essenciais para a sustentabilidade do atual ciclo de crescimento; seja por deprimir as expectativas empresariais, ao jogar um balde de água fria nas mesmas, haja vista o efeito sinalização extremamente desfavorável de uma elevação da taxa de juros sobre as perspectivas de crescimento da economia brasileira.

Daqui se segue que a dinâmica de crescimento da economia brasileira continua sendo influenciada pelo humor dos mercados financeiros internacionais. Enquanto não mudarmos o regime de abertura da conta de capitais do balanço de pagamentos, com a introdução de controles a entrada de capitais especulativos, de forma a reduzir a apreciação da taxa nominal de câmbio nos momentos de liquidez abundante nos mercados financeiros internacionais, estaremos expondo a economia brasileira a uma interrupção súbita dos seus ciclos de crescimento, em função de crises financeiras de caráter temporário ocorridas nos países desenvolvidos.

José Luis Oreiro é professor adjunto do departamento de Economia da UFPR e pesquisador do CNPq. E-mail: joreiro@ufpr.br. Página pessoal: www.joseluisoreiro.ecn.br .

Fabricio Missio é professor assistente do departamento de Economia da UEMS. E-mail: fabriciomissio@gmail.com.