Título: Há risco de retrocesso, diz especialista
Autor: Grabois, Ana Paula; Salgado, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 15/02/2008, Politica, p. A10

Anna Carolina Negri/Valor Soboll, um dos idealizadores do governo eletrônico paulista: "Basta ter um sistema de inteligência para identificar gastos e saques exagerados. O banco pode indicar" Os cartões corporativos são um dos principais pilares da modernização do controle dos gastos públicos. Limitar seu uso pode significar um retrocesso na apuração das despesas. Essa é a opinião de Walter Soboll, um dos idealizadores do governo eletrônico do Estado de São Paulo.

Ao chefiar a coordenadoria de controle interno da Secretaria da Fazenda, Soboll viu o governo paulista, entre 1995 e 2001, sair do descontrole ao modelo pioneiro de compras com a bolsa e o pregão eletrônicos. "O Estado não tinha idéia do destino do dinheiro", diz Soboll. Hoje como consultor da GV Consult, da Fundação Getúlio Vargas, ele apóia o cartão, mas defende o aprimoramento do controle. "O sistema ainda não é suficientemente ágil."

O sistema de compras por cartões começou em São Paulo em 2000, junto com a modernização das compras, e o modelo serviu como base para o governo federal. O primeiro passo para a melhoria no controle das finanças públicas, porém, veio da União no final dos anos 80, com a criação do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi). O sistema organiza as informações de despesa e de receita e São Paulo passou a usar um sistema semelhante em 1996, com Mário Covas (PSDB).

O cartão de pagamento de despesas, a princípio, era para substituir a verba de adiantamento dada para diárias em hotéis, ajuda de custo em viagens e para substituir licitações para a compra de gasolina. O governo identificava inúmeras falhas no controle dos gastos. Soboll recorda casos de funcionários que gastavam mais do que precisavam só para não devolver o dinheiro recebido. Já na compra de combustível, em muitas cidades o posto de gasolina que ganhava a licitação vendia o combustível por um preço abusivo. "Com a burocracia, o custo aumentava até 40% . Isso acabou com o cartão", diz.

A vantagem do cartão, diz Soboll, é que além de diminuir a burocracia o gasto pode ser detalhado. Entretanto, a falha ainda está no controle. Em uma rápida análise da prestação de contas dos gastos com os cartões é possível encontrar despesas incompatíveis com os fornecedores, com a "Cege Catina", na Secretaria de Educação, cujo gastos foram registrado como "suprimento de informática". Só no 3º trimestre foram R$ 12 mil. "O valor efetivo das compras é muito pequeno. Não justifica o descontrole dos governos", considera Soboll. Outro caso pinçado, na Secretaria de Saúde, mostra gastos de R$ 9,3 mil reais, maiores do que os de R$ 8 mil permitidos sem licitação. A compra, diz a secretaria, foi possível por uma autorização judicial.

Para aprimorar a fiscalização, o consultor sugere maior controle do banco que administra os cartões. No caso do governo paulista, é o estadual Nossa Caixa. "Basta ter um sistema de inteligência para identificar gastos e saques exagerados. O banco pode indicar", considera. No ano passado, os saques corresponderam a 44,5% das operações (R$ 48 milhões dos R$ 108 milhões gastos). No sistema de acompanhamento orçamentário, não há indicações de para onde foi o dinheiro sacado. O governo diz que o cartão é voltado para despesas pequenas e urgentes, como o conserto pequeno de uma escola, ou "para comprar uma agulha, uma aspirina", explica Mauro Ricardo Costa, secretário da Fazenda. Mas é só pegar os gastos em um trimestre, como na Secretaria de Educação, para ver que material de informática é comprado em mercearias e supermercados, em compras unitárias que passam de R$ 2 mil. A compra pela bolsa eletrônica, diz Soboll, poderia gerar mais economia e transparência. A bolsa dispensa licitação para valores de até R$ 8 mil. Em outra modalidade eletrônica, voltada para compra de medicamentos, a dispensa de licitação chega a R$ 80 mil. "Além da concorrência, a compra eletrônica é transparente e ágil."

Depois de os gastos de R$ 108 milhões com os cartões em São Paulo serem amplamente divulgados, Serra suspendeu os saques. "Suspendemos para evitar a desconfiança na aplicação dos recursos", afirma Costa. Também foi colocada na internet parte dos dados que são publicados no Sigeo, sistema de acompanhamento orçamentário.

No Estado são 42 mil cartões de débito, da bandeira Mastercard. No governo federal são 11,5 mil, de crédito e os gastos, R$ 75,6 milhões. "Há mais cartões em São Paulo porque cada um tem uma destinação de despesa específica, diferente do governo federal, que usa um único cartão para tudo", explica Costa. Mesmo com gastos mais elevados do que os da União, os relatórios do Tribunal de Contas do Estado não trazem ressalvas ao cartão. Em nota, o tribunal afirma que "despesas que se desviem (...) têm sido reiteradamente coibidas". O Ministério Público Estadual diz que não abrirá investigação por conta própria "porque não há fato determinado que justifique a atuação do MP". "Gastamos mais porque colocamos o vale-transporte e diárias. No governo federal isso é separado", explica Costa.

Segundo o ex-governador Cláudio Lembo (DEM), que governou por nove meses em 2006, "nunca houve preocupação específica" sobre os gastos com o cartão. "Não vimos nada equivocado", diz Lembo. O problema, reforça o ex-governador, está no controle . "É preciso ter transparência".