Título: Uso de cartões amplia-se nos Estados
Autor: Grabois, Ana Paula; Salgado, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 15/02/2008, Politica, p. A10

As denúncias envolvendo o desvio de função do cartão corporativo no governo federal não foram suficientes para impedir que o instrumento ganhasse novos adeptos entre os Estados. O governo do Rio planeja implementá-lo sem a possibilidade de saques em dinheiro e com limites de valor para cada compra e de tipo de gasto. "O cartão funciona como elemento de transparência, pode baixar custos e mostra a eficácia dos gastos com clareza", diz o secretário estadual de Fazenda, Joaquim Levy.

Na Bahia, o governo estadual começa em março uma experiência com cartão corporativo exclusivo para passagens aéreas. Foi feito um acordo com companhias aéreas que tirou as agências de viagem da intermediação e a partir do qual o governo espera obter uma economia de R$ 7,8 milhões em 2008. "Defendemos o uso do cartão, ele dá mais transparência ao gasto do dinheiro público. O que é condenável é o mau uso", ressalta Manoel Vitório da Silva Filho, secretário da Administração. A transparência, segundo ele, se dará por meio da fatura do cartão. Na sua avaliação, quando o servidor usa o chamado suprimento de fundos uma verba em dinheiro para gastos extras é mais fácil apresentar notas fiscais frias ou desviar os valores.

Atualmente, o sistema funciona com diárias que custeiam gastos com viagem, alimentação e transporte, totalizando R$ 38 milhões em 2007. A experiência com o cartão para passagens está no escopo de um programa maior do governo para reduzir os gastos com custeio, folha de pagamento e licitação.

No Rio, o cartão deve substituir pequenas despesas hoje pagas por adiantamentos de até R$ 4 mil com cheques, para gastos imediatos como, por exemplo, a troca de uma maçaneta. No ano passado, esta rubrica, em vigor desde 1980, consumiu R$ 11,1 milhões. Os gastos com viagens, diárias e pequenas despesas estão na internet, mas sem descrição detalhada, como no caso federal. Não é possível, por exemplo, saber os funcionários que mais viajaram ou quais foram os maiores gastos realizados com adiantamento. "Não se pode atacar o cartão, tem que se atacar o mau uso", afirmou o secretário da Casa Civil, Regis Fichtner.

Não há limite no número de vezes para o uso do adiantamento e é preciso comprovar a compra por meio de nota fiscal em um prazo de até 30 dias. Fichtner não soube informar quantos servidores têm acesso ao adiantamento, pois o controle é descentralizado nas secretarias. É a esta descentralização que o secretário atribui a alta de 6,7% nos gastos com pequenas despesas em 2007.

Já as diárias com hotéis e passagens aéreas, hoje autorizadas pela Secretaria da Casa Civil passarão por processo licitatório. Até a semana que vem, o governo do Rio deve publicar o edital para as agências de turismo. As diárias de viagens e as passagens aéreas dos servidores são autorizadas conforme solicitadas e não possuem nenhum tipo de limite orçamentário. No ano passado, as viagens de servidores civis somaram R$ 7,2 milhões, montante 1,5% superior ao registrado em 2006, enquanto as viagens dos militares estaduais custaram R$ 2,6 milhões, um crescimento de 63,5% sobre 2006. Segundo o governo, a alta neste gasto deveu-se aos jogos Pan-americanos. Já as passagens somaram R$ 2,9 milhões, 35% acima dos R$ 2,2 milhões gastos no ano anterior. As despesas totais do Estado no ano passado corresponderam a R$ 35,5 bilhões.

No Paraná, um dos Estados que já se utiliza de cartão corporativo, a Secretaria da Fazenda fez, a pedido do governador Roberto Requião (PMDB), um levantamento do uso do instrumento desde 2003 e verificou que no ano passado foram gastos pelos funcionários do Estado R$ 15,8 milhões com diárias para viagens a trabalho e R$ 5 milhões em passagens e táxi. Os valores são semelhantes aos do exercício anterior mas são 408% maior que o verificado cinco anos atrás.

O total teor do levantamento ainda não foi revelado, mas um assessor de Requião disse ao Valor que o governador estava preocupado com esses gastos. Por isso, ele deve pedir aperto ao pessoal. Após as repercussões sobre mau uso dos cartões em Brasília e São Paulo, a oposição paranaense ganhou argumentos para cobrar informações que pede desde 2007. Se não for atendida, promete cobrar explicações na Justiça.

Requião fez defesa do cartão paranaense, que não possui a função crédito e é "carregado" com valores pré-estabelecidos. Ele só pode ser usado para pagar custos com viagens. Os valores creditados variam de acordo com o destino. O coordenador financeiro do Estado, César Ferreira, explicou que, para ir ao interior do Paraná a trabalho, o funcionário recebe R$ 120 por dia. Se o destino é Brasília, o valor sobre para R$ 200, sendo 70% para hospedagem e 30% para alimentação. O Paraná tem 11,8 mil cartões - e 160 mil servidores ativos. Quando eles começaram a ser usados, em 2001, eram 3 mil.

Ferreira disse que os aumentos nos gastos em cinco anos podem ser explicados por reajustes nos valores da diária - ainda considerados baixos pelo funcionalismo - e pela inclusão de funcionários de órgãos como o Departamento de Estradas de Rodagem (DER), campeão em gastos com o cartão. "O DER só tinha cartão na sede e passou a ter no interior", disse. As despesas com viagens do departamento saltaram de R$ 800 mil em 2005 para R$ 5 milhões em 2006 e R$ 6,6 milhões em 2007.

Quando questionado sobre a proporção de gastos do Paraná na comparação com os do governo federal (R$ 20,8 milhões e R$ 75,6 milhões, respectivamente, ou 27,5%), Ferreira alega que quem vive em Brasília não precisa se locomover muito, ao contrário do que acontece no Estado, que precisa enviar pessoas pra lá sempre que precisa tratar de algum assunto importante. Só que no governo federal os cartões não são usados apenas para diárias. E no Paraná os secretários podem adotar a prática do ressarcimento. Além disso, a Secretaria de Segurança não costuma usar o cartão e pede adiantamento para ter agilidade para bancar operações policiais.

O líder da oposição na Assembléia Legislativa, deputado Valdir Rossoni (PSDB), afirma que o portal do governo na internet não é transparente o suficiente para sanar as dúvidas do contribuinte. "O pedido de informações via plenário foi derrubado, então protocolamos esta semana solicitação na Casa Civil, que tem 30 dias para responder. Se não fizer isso, iremos para a Justiça", informou. O deputado argumenta que o site não traz detalhes de quem gastou e "os desvios são muitos". Segundo ele, a oposição focou no primeiro pedido os cartões corporativos, mas tem outros interesses, como verificar os gastos da governadoria e com viagens do alto escalão.

O Tribunal de Contas do Paraná informou que a fiscalização por amostragem não encontrou irregularidades nos gastos com cartões. O tribunal também informou que não tende a aumentar a fiscalização pela pouca relevância do gasto, tendo em vista o uso limitado dos cartões.