Título: Estudo coloca em xeque relação entre aumento de imposto e investimento
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 18/01/2008, Brasil, p. A5

Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) coloca em xeque a idéia de que aumentos da carga tributária prejudicam o investimento privado. Com o uso de modelos econométricos, dois economistas da instituição não encontraram uma correlação direta entre elevações do peso de impostos e o investimento das empresas, analisando o período entre 1995 e 2006. Nos últimos dois anos, a formação bruta de capital fixo (FBCF, que mede o que se investe na construção civil e em máquinas e equipamentos) cresceu a taxas de dois dígitos, mesmo num cenário de expansão robusta da carga tributária - em 2007, a arrecadação federal aumentou 11% em relação a 2006, já descontada a inflação.

O trabalho mostra também uma forte correlação positiva entre o investimento privado e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Segundo os modelos testados, pode variar entre 1 e 1,6. Isso significa que, a cada 1% de expansão do PIB, o investimento privado aumenta de 1% a 1,6%. "Há uma alta elasticidade do investimento ao PIB, que reage muito ao crescimento da demanda", diz o economista do Ipea Manoel de Castro Pires, um dos autores do estudo "Qual a Sensibilidade do Investimento Privado a Aumentos na Carga Tributária?", em parceria com Cláudio dos Santos. Os dois são da recém-criada coordenação de finanças públicas, subordinada à diretoria de Estudos Macroeconômicos do Ipea.

No começo de 2007, Pires e Santos fizeram um estudo sobre a sensibilidade do investimento à carga tributária, que mostrou uma significativa correlação negativa entre as duas variáveis, com uma elasticidade próxima a -1 - elevações da carga tributária equivalentes a 1% como proporção do PIB tenderiam a provocar quedas de cerca de 1% no investimento privado. Com a divulgação da nova série do PIB, eles decidiram revisar os números e os resultados econométricos, de acordo com a nova metodologia do IBGE. Nas novas contas, o PIB ficou bem maior do que era, ao passo que houve uma queda do investimento como proporção do PIB, lembra Pires. No caso dos números de 2006, a FBCF caiu de 19,9% do PIB na metodologia antiga para 16,8% do PIB no cálculo novo.

Ao refazerem os modelos, Pires e Santos não encontraram a forte correlação negativa que o estudo anterior mostrara entre o investimento privado e a carga tributária. Pires diz que os motivos para essa mudança ainda não estão claros. Uma hipótese é que aumentos de produtividade sejam mais importantes para o crescimento da economia nos anos recentes do que se imaginava. A nova metodologia do IBGE indicou que a economia cresce mais com um menor volume de investimentos como proporção do PIB. Mais produtivas, as empresas aumentam o grau de formalização dos trabalhadores e lucram mais. Isso leva a uma expansão da carga tributária - as companhias pagam mais impostos -, e cresce o investimento privado. "Mas são apenas hipóteses."

Os resultados também indicam correlação negativa entre o investimento privado e os preços dos bens de capital, mas ela varia muito, dependendo do modelo: oscila entre -0,08 e -1,09, o que significa que uma alta de 1% nas cotações dos bens de capital pode provocar uma queda de 0,08% a 1,09% no investimento das empresas.

Além disso, Pires e Santos encontraram uma correlação positiva significativa entre a alta da carga tributária e a elevação dos preços de bens de capital. A elevação de 1% como proporção do PIB do sistema de impostos tende a acarretar aumentos de 2,33% a 3,19% nas cotações de máquinas e equipamentos. Esse resultado indica que a expansão da carga tributária pode afetar indiretamente o investimento privado, segundo Pires, pois o estudo também mostrou que o encarecimento dos bens de capital tende a afetar negativamente as inversões das empresas.

A questão é que o trabalho não encontrou uma evidência robusta de que o investimento privado sofra significativamente com a alta das cotações de máquinas e equipamentos. "Não se sabe se a magnitude da elasticidade é grande", diz Pires. Ela pode ser muito próxima de zero ou mesmo elevada. Não há como concluir que a alta da carga tributária prejudica indiretamente o investimento privado.

Pires e Santos usaram técnicas de cointegração para fazer os testes, com o objetivo de separar as dinâmicas de curto prazo das de longo prazo. Numa economia sujeita a choques como a brasileira, essa separação é importante, diz Pires. Mesmo num período curto em termos históricos como o analisado no trabalho, de 1995 a 2006, houve uma mudança estrutural relevante em 1999, quando o câmbio passou a flutuar.