Título: Droga impulsiona a indústria de lavagem de euros
Autor: Schoofs , Mark ; Prada , Paulo
Fonte: Valor Econômico, 16/01/2008, Internacional, p. A11

Policiais espanhóis apreendem cocaína num navio latino-americano chegando a Tenerife; fluxo de droga vem aumentando Uma explosão no consumo de cocaína na Europa e a força da moeda do continente se combinaram para abastecer uma indústria em plena ascensão: a lavagem de euros.

Com o euro a quase US$ 1,50 e o aumento da demanda por cocaína em países como a Espanha e a Itália, a Europa se tornou um lugar muito mais lucrativo para as atividades dos cartéis latino-americanos.

Para esconder a origem dos fundos e assim escapar da vista do governos, os cartéis usam um sistema complexo para "limpar" seus rendimentos.

Em fins de março, as autoridades americanas prenderam um homem que carregava uma mala de couro e tinha acabado de desembarcar no Aeroporto Internacional de Los Angeles vindo de Santiago, Chile. Dentro da mala havia o equivalente a mais do que US$ 1,9 milhão em dinheiro, a maioria em notas de ? 200 e ?500.

Autoridades chilenas e americanas acreditam que o homem era o elo final de uma corrente de lavagem de dinheiro que começou na Europa. Num período de quatro anos e meio, ele e seus sócios viajaram para os EUA partindo da América Latina cerca de 280 vezes, abertamente levando mais de US$ 244 milhões de euros ao país, de acordo com os documentos de um processo aberto pelas autoridades federais americanas no Tribunal Distrital de Nova York.

Os maços de euros levados por emissários vêm geralmente dos lucros dos carregamentos de cocaína destinados à Europa, que com freqüência transitam pela África, dizem as autoridades.

O consumo das drogas também aumentou em muitos dos países da Europa Ocidental, de acordo com um relatório publicado no ano passado pelo Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC). Uma grande porção dos carregamentos de cocaína que chegam à Espanha espalha-se pelo continente.

Alguns narcoeuros são lavados diretamente na Europa. Mas as autoridades dizem que a maior parte volta para a América do Sul em dinheiro e acaba parando nos EUA.

"Essa ainda é uma atividade de dinheiro vivo", diz Donald Semesky, o chefe de investigações de crimes financeiros da DEA, a Agência de Combate às Drogas dos EUA.

O primeiro passo é converter notas pequenas, acumuladas em dezenas de vendas de ruas, em outras de 500 euros, que são mais fáceis de transportar. Obter uma grande quantidade de notas tão conspícuas não é fácil. Por isso, traficantes de drogas recorrem a quadrilhas especializadas - cujos membros estão freqüentemente envolvidos em atividades bancárias e imobiliárias -, diz José Manuel Álvarez Luna, chefe do setor de lavagem de dinheiro da unidade de crimes fiscais e econômicos da polícia espanhola.

A Espanha está no centro dessas atividades. Um representante de alto escalão dos bancos na Espanha diz que na Espanha circula uma fatia desproporcionalmente elevada das notas de ? 500 euros no continente.

A finalidade da lavagem de dinheiro é disfarçar as origens dos lucros obtidos de forma ilegal para que os fundos pareçam legítimos. Na maior parte dos casos, a lavagem também ajuda os criminosos a escapar dos fiscais de impostos e autoridades da polícia, o que aumenta o valor de sua atividade ilegal.

Especialmente depois dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, as regras contra lavagem de dinheiro ficaram mais rígidas, o que forçou os cartéis de drogas a usar rotas mais tortuosas para circular seus fundos ao redor do mundo.

Para começar, os traficantes não trazem pessoalmente seus narcoeuros aos Estados Unidos. Eles normalmente vendem seus euros a agentes do mercado negro sul-americano ou para casas de câmbio. As atividades de câmbio dessas casas dão uma cobertura natural para a movimentação de grandes quantidades de dinheiro.

Mas na América do Sul há poucos compradores legítimos para as grandes quantidades de euro que as casas de câmbio recebem - direta ou indiretamente - dos traficantes. Portanto, essas casas canalizam a maior parte dos narcoeuros, às vezes via intermediários, por uma cadeia de casas de câmbio em países como Colômbia, Peru, Brasil e Chile, diz Semesky, do DEA.

Freqüentemente, os traficantes de drogas trocam seus euros por pesos colombianos, e então os euros que entram nos EUA não pertencem mais aos cartéis do tráfico, mas às casas de câmbio. Em outros casos, diz Semesky, os traficantes pagam a essas casas para transferir fundos a uma de suas contas bancárias nos EUA. Esses fundos normalmente não são para saque, mas para pagar diversas dívidas. Isso é executado com a remessa de fundos para as contas de quem os traficantes quiserem pagar.

A Espanha tem hoje uma porcentagem maior da população (3%) usando cocaína do que os EUA (2,3%), o campeão anterior de consumo per-capita, de acordo com os dados da ONU. De acordo com a polícia espanhola e o DEA, no primeiro semestre de 2007 o quilo da cocaína era vendido por ? 33 mil euros (US$ 43,9 mil) em Madri - enquanto em Los Angeles a mesma quantidade custava de US$ 12,5 mil a US$ 14,6 mil, ou de US$ 13 mil a US$ 26 mil em Nova York.

As autoridades suspeitam que a crescente venda de cocaína na Europa provavelmente abasteceu de euros a mala de Mauricio Mazza-Alaluf, o homem que foi preso em Los Angeles em março. Ao lado de um primo, Luis Mazza-Olmos, ele dirigia uma casa de câmbio no centro de Santiago, de acordo com autoridades americanas e chilenas.

A investigação dos Mazza começou em agosto de 2004, diz Christian Caamaño, um investigador da Polícia de Investigações do Chile. A pista veio de um passageiro peruano num vôo da Colômbia que desembarcou no aeroporto de Santiago carregando uma mochila com 600.000 euros, de acordo com Caamaño. Alarmadas, as autoridades chilenas começaram a monitorar esses emissários e perceberam que eles levavam suas malas cheias de euros à casa de câmbio dos Mazza.

A rotina evoluiu: um emissário da Colômbia, supostamente levando dinheiro vindo da Europa, entregava dinheiro no aeroporto de Santiago para um serviço de carros blindados. O dinheiro seria conferido num caminhão estacionado e entregue aos Mazza ou um de seus associados, diz Hernán Peñafiel, o promotor-chefe de um processo aberto no Chile contra os Mazza. Os Mazza ou seus associados então embarcariam para os EUA com o dinheiro, diz Peñafiel.

Uma vez em solo americano, segundo autoridades, os Mazza moviam seus euros de maneira surpreendente aberta. Sua tática principal era preencher corretamente os papéis requisitados na alfândega e em instituições financeiras, usando nomes reais, pessoais e de empresas, segundo as autoridades e os documentos do tribunal no processo americano.

Depois que os Mazza ou seus associados passavam pela alfândega no aeroporto de Los Angeles, eles transferiam o dinheiro para o Associated Foreign Exchange Banknotes Inc., uma firma de câmbio de moedas com sede em Encino, Califórnia. A Afex Banknotes então convertia os euros em dólares e transferia os dólares para contas de bancos americanos abertas pelos Mazza, de acordo com autoridades e dois funcionários da Afex Banknotes.

O diretor responsável pelo cumprimento de regulamentos da Afex, Andrew Scherer, diz que sua companhia está "mortificada" por ter ajudado a facilitar atividade ilegal, mas acrescenta que ela tem fortes políticas contra lavagem de dinheiro e que tomou "medidas substanciais" para melhorá-las depois do caso Mazza.

Quando abriam contas nos EUA, os Mazza davam o nome real de sua empresa e abertamente a chamavam de agência de turismo e de câmbio.

Os Mazza movimentaram grandes somas de dinheiro entre essas contas, de acordo com os documentos do tribunal, freqüentemente depois de receberem instruções por fax, interceptadas por autoridades chilenas, de supostos traficantes colombianos.

Quando Mazza-Alaluf desembarcou nos EUA em 31 de março, ele não tentou esconder seu dinheiro. Assim como ele e seus sócios fizeram centenas de vezes anteriormente, ele preencheu os formulários para declaração de dinheiro, nos quais é obrigatória, para qualquer pessoa que chegue aos EUA, a declaração de valores que ultrapassem US$ 10 mil. Mas desta vez ele foi imediatamente preso. O chileno insistiu que era inocente.

Mazza-Alaluf alegou que não é culpado de nenhuma das acusações americanas de conspiração e operação de um empresa de transmissão de dinheiro sem licença. Seu advogado, Bernard Alan Seidler, diz que as acusações são "um caso clássico de extrapolação governamental".

As autoridades chilenas apreenderam membros do clã Mazza e seus parceiros numa operação coordenada. Eles estão agora na cadeia em Santiago, esperando o julgamento sobre lavagem de dinheiro. O advogado deles, Yieninson Yapur, diz que são todos inocentes. Num e-mail enviado via Yapur, Mazza-Olmos diz que ele é um empresário legítimo e que não fez nada ilegal.

A investigação americana do caso Mazza foi conduzida por uma força-tarefa de várias agências com base em Nova York e liderada pelo DEA e pela Receita Federal americana. As autoridades dizem que a operação foi um grande sucesso. Mas provavelmente não vai restringir significativamente o fluxo de narcoeuros.