Título: Um voto contra a eleição no Paquistão
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 15/02/2008, Opinião, p. A13

Enquanto o Paquistão se prepara para sua eleição parlamentar, em 18 de fevereiro, muitos observadores esperam que o voto prenuncie um período de estabilidade e calma, conferindo legitimidade popular ao governo. Algumas vezes, porém, a democracia é melhor servida pela recusa em participar. A eleição que está por ser realizada sob a Ordem Constitucional Provisória (OCP) ilegal implantada na esteira da decretação do estado de emergência pelo presidente Perwez Musharraf, em 3 de novembro, é um caso assim, o que explica porque meu partido e membros da nossa coalizão estão boicotando a eleição.

Com certeza, a contestação da eleição proporcionará ao meu partido uma grande oportunidade de introduzir temas no debate. Na verdade, o apoio ao meu partido tem crescido e as pesquisas de opinião pública agora indicam que ele é o segundo mais popular na província da fronteira - e vem conquistando espaço em todas as demais.

As eleições por, si mesmas, porém, não produzem democracia. O presidente do Zimbábue, Robert Mugabe, ama eleições. O presidente egípcio, Hosni Mubarak, tem realizado eleições por 27 anos. Islam Karimov, do Uzbequistão, se mantém no poder há 30 anos e acaba de ser "eleito" para novo mandato presidencial de sete anos. As eleições só têm significado se são percebidas como livres e imparciais, o que exige árbitros independentes.

Quando o meu partido foi formado, há 11 anos, nós nos chamamos "Movimento para Justiça". Exigíamos um Judiciário independente, pois acreditávamos que democracia e prosperidade são impossíveis sem o Estado de Direito, e que este Estado de Direito requer um Judiciário que possa atuar como um fator limitador sobre o governo. Por termos freqüentado universidades em países ocidentais, fomos inspirados pelo sistema americano de freios e contrapesos. Por esse motivo, é um choque para nós que o Departamento de Estado dos EUA continue falando sobre eleições livres e imparciais e sobre a abolição do Estado de emergência, porém sem mencionar a reintegração dos magistrados - incluindo o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que Musharraf destituiu ilegalmente. Se os juízes não forem reintegrados, como poderão existir eleições livres e imparciais? Quem decide o que é livre e imparcial? Musharraf?

Este é o ponto em que as linhas da batalha estão delimitadas agora, no qual o futuro do país será decidido. Se o presidente do Supremo e os juízes forem reintegrados, poderemos prosseguir na direção de um sistema democrático legítimo. Mas se Musharraf conseguir que seus próprios juízes nomeados pela OCP sejam confirmados no país, nesse caso nos lançaremos num período de tumulto. Afinal, como pode o partido de um homem que desfruta de menos de 5% de apoio vencer a eleição agora sem fraudá-la?

Infelizmente, a maioria dos partidos políticos fracassou na defesa do processo democrático. Partidos importantes como a Liga Muçulmana do Paquistão (PMLN, ou Nawaz) decidiram participar, seguindo o exemplo do Partido do Povo, da falecida Benazir Bhutto. Além disso, de todos os maiores partidos que estão contestando as eleições, somente o PMLN está exigindo a reintegração dos juízes.

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Felizmente, o povo do Paquistão - estudantes, formadores de opinião e, acima de tudo, advogados - estão apoiando os juízes, fazendo o trabalho que deveria ter sido feito pelos partidos políticos. Vemos advogados marchando, sendo espancados, abarrotando as prisões e, apesar disso, mantendo-se resolutos. Eles estão sofrendo enormes prejuízos financeiros com seu boicote aos tribunais e mesmo assim estão determinados na sua exigência de que o presidente do Supremo seja reintegrado.

Portanto, a linha divisória no Paquistão não é entre liberais e extremistas, mas entre os que apóiam o status quo e os que a ele se opõem. Partidos que se caracterizam como democráticos não estão meramente concordando com Musharraf nessa eleição fraudulenta, estão também ajudando a restabelecer o status quo.

A solução para uma democracia disfuncional não é ditadura militar, mas mais democracia. Os paquistaneses entendem a democracia, pois temos uma cultura democrática. Nosso fundador foi um grande constitucionalista, e o Paquistão foi criado através do voto. O problema tem sido que, por termos carecido de um Judiciário independente, não tivemos uma comissão eleitoral independente. Portanto, todas as nossas eleições, salvo a de 1970, foram fraudadas.

A Índia, com a qual o Paquistão compartilha uma formação semelhante, atravessou 40 anos de democracia disfuncional com um sistema de partido único. Nos 16 anos recentes, porém, o país colheu os frutos da genuína competição política, pois um Judiciário e uma comissão eleitoral independentes transmitem às pessoas a confiança de que seus votos podem fazer uma diferença. Enquanto não tivermos o mesmo no Paquistão, nenhuma eleição será livre ou imparcial.

Por dois anos e meio, eu apoiei Musharraf e acreditei nas suas promessas de trazer democracia genuína ao Paquistão. É preciso ressaltar, porém, que nenhum ditador militar poderá ter êxito onde Musharraf fracassou de forma tão clara. Winston Churchill disse numa ocasião que "A guerra é um assunto sério demais para generais". O mesmo se aplica à democracia.

Imran Khan é presidente do partido político "Tehreek-e-Insaf (Movimento para Justiça)" do Paquistão. Filantropo e esportista (foi capitão da seleção de críquete do Paquistão que conquistou a Copa do Mundo), atuou membro do parlamento do país até sua dissolução, no ano passado. Ele é reitor da Universidade Bradford no Reino Unido. © Project Syndicate/Europe´s World, 2008. www.project-syndicate.org