Título: O desafio para 2008 é o gás natural
Autor: Pires , Adriano ; Schechtman , Rafael
Fonte: Valor Econômico, 16/01/2008, Opinião, p. A12
A história recente da indústria do petróleo brasileira pode ser dividida em duas fases. A primeira se deu durante os quase 45 anos após a Lei nº 2.004, de 1953, que criou a Petrobras para exercer o monopólio da União na pesquisa, lavra, refino e transporte do petróleo, seus derivados e gás natural. A segunda fase teve início em 1995, quando a Emenda Constitucional nº 9 permitiu a União contratar com empresas estatais e privadas a realização das atividades antes exercidas unicamente pela Petrobras.
Apesar de todos os benefícios trazidos pelo atual modelo, o governo, parece pretender inaugurar uma terceira fase, ao declarar que a descoberta do campo de Tupi, na chamada camada pré-sal, constitui-se em um novo paradigma para a exploração e produção de petróleo no Brasil.
É evidente, que a descoberta de Tupi é muito importante, tanto para a Petrobras quanto para o Brasil. Negar isso é negar o óbvio. Entretanto, ela não justifica alterar o modelo atual de abertura de mercado. Afinal, a descoberta de Tupi é uma cabal demonstração do sucesso do modelo em vigor e a Lei vigente já possui dispositivos que permitem acomodar este novo paradigma. Trata-se do nível de cobrança das participações governamentais que podem ser calibradas através de Decreto.
Os principais desafios da Petrobras para 2008 são voltar a privilegiar o critério técnico nas decisões, baixar o custo de exploração, retomar o crescimento da produção de petróleo, cumprir as metas de produção doméstica de gás natural e dar início a produção de gás através das plantas de regaseificação. As metas de produção doméstica de gás natural já foram alteradas duas vezes desde 2006. Em 2006 a Petrobras previa uma produção doméstica de 34 milhões de metros cúbicos por dia para 2007, no início de 2007 esse número baixou para 30 milhões e terminou o ano em 28 milhões. A meta para 2008 já foi de 49 milhões de metros cúbicos e agora é de 45 milhões. Essa falta de transparência não ajuda a resolver a crise do gás. Com certeza, o grande desafio para 2008 e para os próximos anos é aumentar a produção de gás natural. Não se deve esquecer que o gás natural ocupa hoje 10% da matriz energética nacional e mais de 20% da matriz da região Sudeste, com grande concentração no eixo Rio - São Paulo, os Estados penalizados duramente com a redução da oferta em outubro do ano passado. Isso demonstra a atual importância do gás na sociedade e economia brasileira. Portanto, em 2008 é preciso rever o atual modelo de despacho termelétrico, incorporando a ele o custo das externalidades causadas pela escassez do gás natural, nos mesmos moldes que hoje se faz ao se considerar a escassez dos recursos hídricos.
-------------------------------------------------------------------------------- É preciso rever o modelo de despacho termelétrico, incorporando o custo das externalidades causadas pela escassez do gás natural --------------------------------------------------------------------------------
O volume de chuvas abaixo da média dos últimos 76 anos e a volta do crescimento econômico em 2007 mostra de forma clara a atual situação de escassez de energia elétrica no Brasil. O grande volume de chuvas e o baixo crescimento econômico em 2006 e 2007 mascaravam esse quadro. A título de exemplo, em janeiro de 2006 o Preço de Liquidação de Diferenças - PLD era R$ 16,92 MWH, em 2007 R$ 28,16 e agora em 2008 R$ 569,69, o segundo maior desde o racionamento de 2001. As chuvas e o baixo crescimento econômico também mascararam a escassez de gás natural. Nunca é demais lembrar que a falta de gás para abastecer todo o mercado existe desde 2005.
Desde o final do ano passado o governo vem tomando algumas providências, infelizmente de modo tardio, para administrar esse quadro de escassez. A primeira medida foi alterar a curva de aversão ao risco. Com essa alteração, o governo evitou um corte em janeiro de fornecimento de gás para as distribuidoras, em particular, a Comgás e a Ceg. A segunda foi a Resolução número 8 do CNPE de 20 de dezembro de 2007, que estabelece diretrizes para a utilização da curva de aversão ao risco e dá outras providências. Nesta Resolução, dois artigos chamam a atenção. No artigo segundo, a Resolução dá poderes ao Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico - CMSE de despachar recursos energéticos fora da ordem do mérito econômico ou mudar o sentido do intercâmbio entre sub-mercados. Na realidade, esse artigo tenta resolver o problema da atual escassez de gás natural. No artigo terceiro, a Resolução forja um novo Preço de Liquidação de Diferenças - PLD, na medida que manda que o Custo Variável Unitário - CVU de usina termelétrica despachada ou devido a ultrapassagem da CAR não será utilizado na determinação do PLD. A partir desta Resolução, o PLD que era a expressão da oferta e demanda de curto prazo, não será mais, ou seja, o PLD passa a esconder o que se passa no mercado elétrico. Por último, o parágrafo 3 e o 4 do artigo terceiro criam a Conta de Compensação de Combustíveis - CCC no Sistema Interligado, ao repartir os custos entre todos os consumidores.
Caso a estiagem permaneça no período úmido que vai até final de março, o governo terá a difícil tarefa de administrar a escassez da água e do gás natural em 2008. Neste sentido, no setor elétrico, é preciso em 2008 equacionar os obstáculos para obtenção de licenças ambientais, campanhas de uso racional de energia, criar incentivos econômicos para uma maior presença de fontes renováveis, em particular o bagaço de cana e desmistificar a presença do carvão mineral na matriz elétrica como fonte poluidora.
Para o etanol, o que esperamos é que não crie qualquer tipo de regulação que signifique um nível maior de intervenção governamental. Preocupa, a MP 413 que concentra a cobrança das contribuições PIS e Confins nas usinas produtoras de álcool. O atual sucesso do etanol no Brasil está diretamente ligado ao fato do setor ter tido uma maior liberdade de atuação nos últimos anos. Já o programa de biodiesel precisa passar por grandes modificações. A mais importante é que sejam estabelecidos preços que correspondam a realidade do mercado.
O ano de 2008 promete ser bastante difícil no setor de energia, em particular energia elétrica, gás natural e biodiesel.
Adriano Pires e Rafael Schechtman são diretores do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE) e professores da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis da UFRJ (FACC/UFRJ).