Título: PIB acima de 5% é possível, mas há mais riscos, diz Azevedo
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 16/01/2008, Especial, p. A14

Rodrigo Azevedo, ex-diretor do BC: cenário básico ainda é de manutenção da Selic, mas cresce possibilidade de alta O Brasil tem condições de crescer mais de 5% em 2008, diz o economista Rodrigo Azevedo, ex-diretor de Política Monetária do Banco Central (BC) e hoje sócio da JGP Gestão de Recursos. Para ele, a oferta abundante de crédito, o aumento da massa salarial, o ritmo forte do investimento, o impulso monetário defasado e a política fiscal expansionista são suficientes para a economia avançar neste ano a uma velocidade próxima à expansão de 5,3% que - ele estima - o país registrou em 2007. O problema, adverte Azevedo, é que há duas grandes fontes de incerteza, que podem nublar esse cenário positivo: as indefinições no quadro externo e a possibilidade, cada vez mais plausível, de que o BC brasileiro eleve os juros para combater pressões inflacionárias.

Para o ortodoxo Azevedo, o Brasil pode crescer mais de 5% também em 2008 porque o setor externo deve mais uma vez abrir espaço para isso. Com as importações crescendo muito acima das exportações, a contribuição do setor externo para o crescimento deve ser negativa em 1,8 a 2 pontos percentuais. Com isso, a demanda doméstica pode avançar 6,5% ou mais neste ano, acredita ele. "Como nós temos uma contribuição importante de poupança externa, vindo de uma posição superavitária para deficitária em conta corrente, é possível que, por um determinado período, a economia cresça acima do potencial sem que isso gere pressões inflacionárias significativas", diz Azevedo, que prevê uma queda do saldo comercial de US$ 40 bilhões em 2007 para US$ 25 bilhões a US$ 27 bilhões neste ano.

A questão é que o cenário para a inflação é bem menos benigno neste ano, e há sinais de que o problema não se limita à alta das cotações de alimentos, diz ele, que vê pressões de demanda sobre os preços. Com a economia bastante aquecida, não será surpresa se o BC elevar os juros, avalia. No seu cenário básico, porém, Azevedo ainda trabalha com os juros estáveis em 11,25% ao ano ao longo de 2008.

Ele vê o Brasil mais preparado para enfrentar as turbulências externas. Para Azevedo, uma desaceleração global significativa pode tirar algo como 1 ponto percentual do crescimento neste ano. Como estima uma alta do PIB superior a 5%, o país ainda teria uma expansão razoável, mesmo com um quadro internacional adverso.

Azevedo ficou no BC de outubro de 2004 a abril de 2007. Depois da quarentena, tornou-se sócio da JGP em outubro passado. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Qual a sua previsão para o crescimento neste ano?

Rodrigo Azevedo Nós estimamos que a economia brasileira tenha crescido 5,3% em 2007. As forças que impulsionam a atividade econômica apontam para um crescimento parecido com esse em 2008. Nós continuamos tendo uma expansão muito forte de crédito, acima de 20%, entrando no quarto ano seguido. Há uma expansão da massa salarial real que, nos números mais recentes, estão na casa de 6%. Há uma expansão muito forte do investimento, decorrente de um ambiente de maior confiança e consolidação da estabilidade, que alonga os horizontes de decisão e incentiva inversões. Além disso, nós ainda estamos vivenciando resíduos do impulso monetário do ciclo de relaxamento monetário que começou em 2005 e ainda há uma política fiscal expansionista. Esses fatores parecem continuar impulsionando a demanda doméstica a taxas expressivas, possivelmente acima de 6,5% em 2008. Por outro lado, a contribuição negativa gerada pelo setor externo deve ser mais alta neste ano, mas, num cenário em que não haja uma recessão profunda nos EUA, ele deve ser quase que compensada pela expansão adicional da demanda doméstica.

Valor: Qual deve ser a contribuição negativa do setor externo para o crescimento? Algo como 1,5 ponto percentual, como em 2007?

Azevedo É possível que seja mais alta. Nós devemos ter um superávit comercial menor em 2008, na casa de US$ 25 bilhões a US$ 27 bilhões. Do ponto de vista do crescimento, isso significa uma contribuição negativa do setor externo na casa de 1,8 a 2 pontos percentuais. O que ocorre de diferente nesse ambiente é que nós temos um grau de incerteza maior em 2008 para o cenário econômico do que parecia ser o caso no começo dos últimos três anos .Com isso, esse grau de incerteza gera algumas perguntas sobre o cenário internacional, por um lado, e potenciais pressões inflacionárias que podem demandar algum tipo de ação por parte do BC, o que certamente afetaria as perspectivas de crescimento.

Valor: O BC sempre trabalhou com a idéia de que o crescimento potencial não era tão alto. A economia consegue crescer dois anos seguidos acima de 5%?

Azevedo Como nós temos uma contribuição importante de poupança externa, vindo de uma posição superavitária para deficitária em conta corrente, é possível que, por um determinado período, a economia cresça acima do crescimento potencial sem que isso gere pressões inflacionárias significativas. Nós já observamos isso em 2007. No entanto, nós entramos em 2008 com a inflação em aceleração, um movimento resultante, entre outros elementos, de uma demanda que cresce acima do potencial, mas também de choques oriundos de preços de alimentos, entre outros. Isso indica que está ficando mais difícil crescer com a demanda acima do potencial sem gerar pressões inflacionárias.

Valor: A inflação fechou 2007 muito próxima do centro da meta, depois de ficar em 3,1% em 2006. O que explica essa aceleração da inflação de 2006 para 2007?

Azevedo: Uma parte reflete choques. Dá-se bastante destaque aos choques de alimentos, mas, se nós observamos os índices de inflação sem alimentos, os bens comercializáveis tiveram aumentos de preços razoavelmente expressivos ao longo de 2007. As cotações desses bens subiram 2,1% contra uma variação de 1,1% em 2006. No caso dos bens não-comercializáveis excluindo alimentos, eles aumentaram 5,4% em 2007, ante 4,9% em 2006. Os preços administrados tiveram em 2007 o melhor momento, subindo 1,7%, mas a perspectiva para 2008 é um número próximo a 4,2%. Há muito mais do que um choque de alimentos.

Valor: A alta de 3,1% para 4,5% se deve também à demanda?

Azevedo: Com o baixo de grau de ociosidade da economia e as taxas de desemprego em níveis historicamente baixos, e com esses impulsos que descrevi para a economia brasileira, é difícil crer que não haja maior poder de formação de preços pelas empresas neste momento. É muito provável que estejam se formando, se é que já não existem, pressões inflacionárias à frente, resultantes dessa situação de excesso de demanda.

Valor: O investimento cresce a taxas superiores a dois dígitos, e as importações cresceram mais de 30% no ano passado. Isso é suficiente para enfrentar o aumento da capacidade instalada em curso e impedir pressões inflacionárias?

Azevedo: Num primeiro momento, o investimento é demanda e só num segundo é oferta. Nós temos que pensar qual é a velocidade de maturação dos investimentos que foram feitos. As estatísticas mais recentes mostram uma aceleração da produção industrial, com uma utilização de capacidade que permanece muito próxima do seu pico. A maturação do investimento feito neste momento parece ser importante muito mais para impedir que haja um aumento adicional da utilização de capacidade do que para reduzi-la.

Valor: Qual a sua perspectiva para a taxa Selic?

Azevedo: O mercado aponta um cenário de alta dos juros em algum momento a partir de meados do primeiro semestre. É algo plausível à luz dos números mais recentes, que mostram uma aceleração de inflação e uma demanda bastante aquecida. No entanto, é importante monitorar os números, à medida que é possível que o choque de alimentos esteja em reversão. Eu diria que o fator crucial neste momento são as expectativas de inflação. A principal preocupação do BC é como evitar que uma elevação potencialmente temporária de inflação corrente se transforme em expectativas de inflação mais altas. E aqui, olhando para as expectativas, houve uma deterioração relativamente rápida nos últimos 12 meses. A inflação projetada para os próximos 12 meses subiu de 3,9% para cerca de 4,2%. A expectativa de inflação para 2008 subiu de 4,1% para 4,29%. Não há evidências ainda de que essa elevação tenha terminado. É um ambiente que não permite que qualquer BC do mundo assista inerte.

Valor: É compatível um crescimento de mais de 5% neste ano com aumento da Selic?

-------------------------------------------------------------------------------- Está mais difícil crescer com a demanda acima do potencial sem gerar pressões inflacionárias" --------------------------------------------------------------------------------

Azevedo: No cenário central, eu ainda trabalho com a idéia de que não haverá elevação de juros. Mas, com os números mais recentes de inflação, a possibilidade desse cenário se concretizar é menor.

Valor: Uma alta de juros não prejudicaria um ciclo de crescimento forte, com expansão robusta do investimento?

Azevedo: Altas de juros são feitas para assegurar uma inflação mais baixa num cenário de estabilidade consolidado ao longo do tempo. Investimentos também são movimentos feitos com horizontes mais longos. A principal contribuição que um BC pode dar ao crescimento sustentado é garantir um horizonte de estabilidade mais amplo, que favoreça os investimentos. Se for necessária, uma elevação de juros contribuiria para aumentar a confiança de que, no médio prazo, nós teremos a consolidação de um cenário de estabilidade com inflação baixa.

Valor: O ortodoxo Chile teve inflação de 7,8% em 2007. Isso não mostra que é necessário aceitar no momento uma inflação mais alta?

Azevedo: É importante que você tenha mencionado o Chile. É um exemplo clássico em que condições você pode tolerar uma inflação mais alta. Primeiro, o BC do Chile tem uma autonomia formal. Segundo, o Chile pratica uma política fiscal anticíclica, e está neste momento com um superávit fiscal bastante significativo. Terceiro, o Chile tem um histórico muito mais longo de inflação sendo entregue na meta. Quarto, recentemente o Chile teve um período relativamente prolongado em que a inflação ficou andando abaixo da meta. Como resultado disso, a credibilidade adquirida pelo BC do Chile permite com que a inflação ande acima da meta no período recente sem que haja uma deterioração tão significativa de inflação. Mesmo assim, o Chile está num processo de alta de juros. O Chile mostra uma situação bastante distinta da brasileira. Há uma capacidade de suportar choques temporários sem afetar as expectativas de inflação mais significativa do que aquela que provavelmente nós temos.

Valor: Os gastos públicos crescem a taxas elevadas. Em que medida a política fiscal afeta a política monetária?

Azevedo: O Brasil não é uma economia diferente das outras. Há uma interação entre política fiscal e política monetária. Em momentos em que há mais expansão fiscal, há menos espaço para a expansão monetária, ou há momentos em que a expansão fiscal demanda muitas vezes uma contração monetária. É um mix inadequado.

Valor: O juro no Brasil é mais alto do que poderia ser dado o comportamento da política fiscal nos últimos três ou quatro anos?

Azevedo: O Chile é um bom exemplo de como a política fiscal pode ajudar a política monetária a enfrentar situações de potenciais pressões inflacionárias, principalmente quando a demanda agregada está em forte expansão. Num cenário como esse, a política fiscal poderia ajudar sim a política monetária. O resultado é que provavelmente nós poderíamos ter uma política monetária diferente daquela que nós temos caso houvesse a colaboração da política fiscal.

Valor: A CPMF não foi aprovada, e o governo anunciou um pacote que prevê aumento de impostos e corte de gastos. Qual é o impacto que isso tem para a economia?

Azevedo: Se houver corte de gastos de R$ 20 bilhões, o impacto sobre a economia será relativamente neutro do ponto de vista de estímulos adicionais oriundos da política fiscal para a demanda. Eu me encaixo entre aqueles que achavam que a CPMF era um imposto que gerava importantes ineficiências na alocação de recursos na cadeia produtiva. Com isso, acredito que a sua eliminação possa levar a efeitos de aumento de produtividade talvez importantes. Esse é um elemento a ver, mas é algo ser monitorado. Por fim, há a questão da natureza da composição do pacote fiscal. Ele foi veiculado como sendo importante para reduzir o consumo e, portanto, poderia dar alguma ajuda na gestão da demanda agregada, mas ele deverá ser bastante modesto. Ele não deve ter um impacto tão significativo do ponto de vista de reduzir a velocidade de expansão do crédito.

Valor: O cenário externo está mais incerto . O sr. considera mais provável uma recessão ou uma desaceleração nos EUA?

Azevedo: O pico do crescimento global ficou para trás, provavelmente em 2006, quando o mundo cresceu cerca de 5,5%. Em 2007, a expansão foi mais próxima de 5%, e há uma dúvida grande sobre o crescimento em 2008. As incertezas para os cenários são bem maiores do que foram nos últimos dois ou três anos, e isso envolve diferentes dimensões. A primeira é qual é a profundidade do processo de desaceleração da economia americana. Hoje em dia é menos relevante a discussão se nós teremos ou não recessão. Parece evidente que há um processo de desaceleração significativa. É provável que nós tenhamos um trimestre de crescimento negativo nos EUA. Ainda há dúvidas se haverá dois trimestres seguidos de queda, que é o que caracteriza a recessão, mas o importante é que, com recessão ou não, haverá um período significativo de crescimento abaixo do potencial nos EUA. O segundo elemento é o acoplamento ou não de outras economias à desaceleração dos EUA. Nesse momento, o aperto financeiro e o aperto de crédito têm um papel importante nessa história, o que tem afetado muito a Europa. É provável que a Inglaterra e a zona do euro sejam significativamente afetados. Os indicadores do Japão também mostram que o melhor momento ficou para trás, e que o país entrou numa fase de desaceleração e com possível retração. Isso é bem menos óbvio para as economias asiáticas e outros emergentes, que contam com uma forte expansão da demanda doméstica. Parece menos provável que elas sejam muito afetadas. Também é preciso ver em que medida isso afeta os preços de commodities, que têm duas dinâmicas distintas. Uma é o que está ocorrendo com a demanda e a outra são as restrições de oferta. Dado que o grande consumidor marginal têm sido principalmente as economias asiáticas e elas não mostram uma desaceleração tão significativa como o G-3, é provável que os preços não sejam tão afetados por esse processo desaceleração global, a não ser que ocorra um cenário de recessão mais profunda. O último elemento diz respeito a um potencial acoplamento dos mercados ao lado real da economia, se poderá haver uma maior aversão ao risco.

Valor: Qual deve ser o impacto para o Brasil de um cenário externo menos positivo? O ex-presidente do BC Arminio Fraga acha que o crescimento do Brasil pode cair para 3%.

Azevedo: É um cenário possível, mas acho pouco provável. Se houver uma desaceleração global significativa, isso pode tirar algo como 1 ponto percentual do crescimento do Brasil. Como o cenário está montado para, tudo o mais constante, o país ter um crescimento acima de 5%, um número próximo a 3% me parece pouco provável.

Valor: Depois de vários anos de superávit, o Brasil deve ter déficit nas contas externas neste ano. O país não vai ficar mais frágil justamente num ano em que o cenário externo será menos benigno?

Azevedo: O Brasil enfrenta essa turbulência numa posição muito mais forte do que em outras turbulências globais nos últimos 15 anos. Isso dá espaço para que o Brasil enfrente essa crise com relativamente poucas preocupações do ponto de vista de balanço de pagamentos. Nós devemos ter um déficit em conta corrente na casa de US$ 10 bilhões, algo como 0,7% a 0,8% do PIB. É um número relativamente pequeno. Mesmo que haja uma desaceleração dos investimentos estrangeiros diretos, ele deve ser de US$ 25 bilhões, menores que os de 2007 (cerca de US$ 35 bilhões) mas ainda assim significativos. Os fluxos de portfólio devem ser menores, mas ainda positivos. Mesmo que o país caminhe para um déficit em conta corrente moderado, ainda assim deverá ter um balanço de pagamentos em posição de superávit. A variável de ajuste será um volume menor de compras de dólares pelo BC. Em 2007, o BC comprou algo como US$ 85 bilhões. Em 2008, deve ficar próximo a um terço desse montante.

Valor: E o câmbio?

Azevedo: É mais difícil de prever. Não vejo uma pressão por uma desvalorização permanente do câmbio. Isso só ocorreria se houvesse uma reversão importante de termos de troca, mas ainda não parece ser o caso. Mas, por nós termos um balanço de pagamentos mais dependente da conta de capitais, isso deve se traduzir numa maior volatilidade do câmbio. Nós trabalhamos com R$ 1,80 para o fim do ano, mas com maior volatilidade.