Título: Sindicalistas da Bolívia acusam Evo de esquecer o ideário socialista
Autor: Moura, Marcos de ; Souza
Fonte: Valor Econômico, 18/01/2008, Internacional, p. A9

A única e influente central sindical da Bolívia, entidade que teve papel de destaque na eleição do presidente Evo Morales em 2005, diz que começa a se frustrar com sua administração, acusando-a de abandonar ideário socialista e de não ouvir demandas dos trabalhadores, preferindo, ao contrário, tentar acordos com governadores de oposição.

Para o secretário-executivo da Central Obrera Boliviana (COB), Pedro Montes, Morales vem incorrendo ainda em outro equívoco político, ao privilegiar as bandeiras indígenas e não tanto às dos trabalhadores organizados da Bolívia. "Evo não pode tratar os indígenas como os filhos mimados, enquanto se esquece dos mineiros, dos proletários, da classe média, dos trabalhadores em geral, que é a COB", disse Montes ao Valor.

É curioso ouvir essa crítica de alguém com traços marcadamente indígenas: Montes é filho de um índio quechua. Mas o sindicalista, que veio a São Paulo a convite da central sindical Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas) se mostra muito mais vinculado a temas que dizem respeito à classe trabalhadora do que ao resgate de valores dos povos originários.

"Não tiro o direito dos meus irmãos originários, mas o setor de mineração é um dos sustentáculos da economia do país", diz Montes, ex-mineiro de Huanuni, a maior mina de estanho do país.

A COB reúne trabalhadores de 64 setores da economia - de jornalistas a mineiros, de professores a operários fabris - e foi fundada em 1952, ano da revolução que marcou a história recente da Bolívia. Crítica do livre mercado, a central desempenhou papel importante na derrubada dos presidentes taxados de neoliberais Gonzalo Sanchez de Lozada e Carlos Mesa.

Em 2003, a COB elaborou um programa de mudanças estruturais de orientação socialista apoiada por Evo. O programa propõe três grandes frentes de ação: estatização das minas, dos bancos, da fábricas e dos hidrocarbonetos (setor que, segundo a COB, teve apenas os impostos aumentados). Propõe ainda o cancelamento de privatizações e a revogação de leis que , segundo a entidade, diminui direitos dos trabalhadores.

"Em vez de Evo discutir com a COB, unir forças conosco e adotar esse projeto, prefere se aproximar dos prefeitos (governadores) da oposição aliados de ex-presidentes vende pátrias e neoliberais." Nos últimos dias, Evo têm buscado se aproximar dos quatro governadores de oposição, críticos ferrenhos de seu projeto de Constituição e que buscam aprovar a autonomia de seus Departamentos em relação ao governo central.

"Não é só Evo que se está esquecendo das suas bases, Lula no Brasil, e Rafael Correa, no Equador, parecem fazer o mesmo", critica Montes.