Título: A viagem sem resultados de Bush pelo Oriente Médio
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 18/01/2008, Opinião, p. A10

O périplo de oito dias do presidente George W. Bush pelo Oriente Médio começou com discursos sobre paz e democracia e terminou com um pacote de venda de armamentos de US$ 50 bilhões - US$ 30 bilhões para seu maior aliado na região, Israel, e US% 20 bilhões para a moderada Arábia Saudita. O motivo da visita era dar um empurrão à iniciativa americana de reaproximar o governo israelense dos palestinos e tentar obter, até o fim do ano, um acordo de paz com o estabelecimento de fronteiras para um Estado palestino. Além disso, Bush engajou-se em uma tentativa de isolamento diplomático do Irã, que os países árabes rejeitaram polidamente.

Em seu último ano de mandato, Bush não tem mais força alguma no Congresso e pouco pode fazer para consertar a sua inoperância, ou franco apoio a Israel, exibidos nos sete anos anteriores. Toda tentativa de aproximar israelenses e palestinos, porém, merecem ser exploradas e o presidente americano, durante a viagem, foi mais uma vez explícito ao dizer ao premiê israelense, Ehud Olmert, que deveriam cessar os assentamentos judaicos na Cisjordânia. Eles não só continuaram, como Israel se engajou em ataques à faixa de Gaza, dominada pelo Hamas, que mataram mais de duas dezenas de palestinos. E o Hamas, adversário da Autoridade Palestina, de Mahmoud Abbas, revidou com dezenas de foguetes contra cidades israelenses.

No dia em que Bush deixava a região, o governo de Olmert se viu ainda mais perto do precipício, com a saída do partido Yisrael Beiteinu da coalizão governista, em protesto contra as conversações de paz com os palestinos. Além da popularidade baixíssima, Olmert viu diminuir o número de sua base de apoio de 78 para 67 deputados, de um total de 120. O premiê está agora nas mãos do ultra-ortodoxo Shas, que tem 12 cadeiras, para se manter no poder e não é certo que o consiga. Para piorar as coisas, será divulgado até o fim do mês relatório do comitê que avaliou a desastrosa invasão do Líbano no ano passado, que trará fortes críticas à sua atuação.

A bandeira da democracia no Oriente Médio - slogan de Bush para reunir todo o apoio do povo americano para a aventura guerreira no Iraque -, foi recolhida pouco tempo depois. Na viagem, teve papel subalterno nos discursos de Bush, que deu uma leve estocada na ditadura egípcia de Hosni Mubarak - nada que afetasse, porém, os US$ 2 bilhões anuais de ajuda americana ao país. Há três décadas no poder, Mubarak realizou eleições pela primeira vez para sua sucessão, mas antes tomou a precaução de trancafiar na cadeia centenas de opositores e para lá enviar o principal candidato da oposição nas urnas.

Um exemplo acabado do retrocesso na cruzada democrática de Bush foi dado ainda durante a sua visita: atentados à bomba em Beirute. O Líbano está sem presidente há quatro meses, sem que haja acordo firme para colocar de pé um novo gabinete. Forças pró-sírias e o Hezbollah, apoiado também pelos iranianos, insistem em ter um número suficiente de ministros que signifique na prática o direito de veto sobre ações do governo, e encontra a oposição de forças pró-ocidentais, encabeçadas por Saad Hariri, A "revolução do cedro", que levou à saída dos soldados sírios do Líbano, ficou definitivamente para trás. Símbolo do impasse e impotência políticas, há consenso para colocar na presidência o comandante das Forças Armadas do país - uma lição à luz do dia da emergência do bonapartismo em situações de crise aguda.

Novos lances para a paz na região provavelmente ficarão para depois da eleição presidencial americana. A permanência de governos fracos e acuados do lado israelense e palestino é um grande obstáculo para que as negociações avancem, sem contar o pouco interesse dos EUA em que Israel faça concessões. Pesquisas indicam que o Kadima, de Olmert, será batido se houver eleições, o que indica a volta do pêndulo para a ultra-direita no país. E nada indica que o Hamas se convencerá facilmente a se perfilar ao lado de Mahmoud Abbas na Autoridade Palestina. Abbas contava com avanços de Israel para isolar politicamente o Hamas, mas o governo israelense sistematicamente sepultou suas esperanças. Resta a possibilidade, sempre presente no Oriente Médio, de que mudanças ocorram - para pior.