Título: Comemorar a Independência em 2022?
Autor: Andrade, Eduardo
Fonte: Valor Econômico, 18/01/2008, Opinião, p. A10

Foram divulgados este mês os resultados do Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (Pisa) de 2006. Num ranking com 57 países, o Brasil ficou em 49º, 52º e 54º lugares, em leitura, ciências e matemática, respectivamente. Como nos anos anteriores, os estudantes brasileiros não passaram do nível 1 de aprendizagem (numa escala de 1 a 6) nas três áreas examinadas. Será que o plano "Compromisso Todos pela Educação", lançado esse ano pelo governo federal, que visa a melhorar a qualidade da educação, é capaz de reverter este quadro? Sua meta é que no ano do bicentenário da independência, em 2022, o sistema educacional brasileiro alcance o padrão de qualidade atual dos países desenvolvidos. Será possível?

O plano tem duas características interessantes. Primeiro, foi criado um indicador que vai de 0 a 10, chamado Ideb, para mensurar a evolução da qualidade da educação. Esse leva em conta dois fatores: a média de desempenho nas provas feitas pelo Ministério da Educação (Saeb e Prova Brasil) e a taxa de aprovação escolar. Segundo, foram estabelecidas metas para serem cumpridas. Atualmente, o sistema educacional brasileiro tem um Ideb de 3,8. A meta para o Brasil é alcançar a nota 6, quando os resultados forem divulgados em 2022, que corresponde a atual média dos países da OECD. Com esse intuito, cada escola que compõe o sistema público de ensino terá sua meta individual. O problema do plano, no entanto, é não estabelecer um sistema de incentivos adequados que faça com que professores e diretores sejam impulsionados e se esforcem para atingir as metas.

O primeiro equívoco é o seguinte: segundo o plano, "o sistema de incentivos que orienta o Compromisso está ligado ao incremento da mobilização social em torno da qualidade da educação (...) por meio da divulgação ampla dos indicadores, metas atingidas, resultados obtidos, envolvendo todos os atores sociais no processo". Acredita-se, portanto, que a movimentação da sociedade, através do apoio, colaboração e cobrança, seja suficiente para garantir o sucesso.

Um exame da experiência americana recente mostra que contar somente com essa pressão da sociedade não é suficiente. Em trabalho recente, Hanushek e Raymond (Eric Hanushek e Margaret Raymond, "Does School Accountability Lead to Improved Student Performance?"; Journal of Policy Analysis and Management, Spring 2004) apontam, a partir da experiência americana, que simplesmente contar com uma possível pressão externa da sociedade, principalmente dos pais, para as escolas com resultados insatisfatórios se sentirem compelidas a melhorarem as notas dos seus alunos não parece ser uma política satisfatória. Os Estados americanos que seguiram políticas dessa natureza não apresentaram melhoras nos desempenhos acadêmicos dos seus alunos.

-------------------------------------------------------------------------------- É preciso criar um arcabouço institucional que obrigue os Estados a participar de um programa para melhorar a qualidade do ensino --------------------------------------------------------------------------------

O segundo equívoco está relacionado com a ausência de punições se as metas não forem cumpridas. Segundo o plano, "não cabe punir as redes, pois isso significa prejudicar as crianças, adolescentes e jovens que integram as redes". O mesmo estudo citado acima mostra que, para se obter resultados efetivos, é necessária a implantação de uma política mais agressiva, com incentivos diretos para os professores/diretores da escola, com conseqüências positivas ou negativas em função do desempenho dos alunos.

Na experiência americana, as penalidades e bonificações utilizadas são diversas. No Estado do Texas, por exemplo, inicialmente, a escola tem que justificar porque os seus alunos tiveram um desempenho considerado insatisfatório e submeter um plano de melhora para a secretaria estadual de educação. Caso os resultados não melhorem, é possível que seja formado um board por residentes locais para gerir a escola. Como última instância, a escola pode ser fechada, com o estudante adquirindo o direito de se transferir para outra escola. Em relação a bonificações, o Estado da Carolina do Norte, por exemplo, distribui placas de "distinção" e dinheiro para as melhores escolas.

Por fim, o terceiro equívoco é não criar um arcabouço institucional que obrigue os Estados e municípios a participarem de um programa que tenha como objetivo melhorar a qualidade do ensino. Segundo o plano, "todos os municípios, o Distrito Federal e os Estados poderão aderir ao Compromisso". Portanto, ele é voluntário. Argumenta-se que Estados e municípios têm autonomia para decidir suas políticas educacionais e não podem ser obrigados pelo governo federal a aderir. Balela. Os Estados Unidos, uma federação cujos membros têm uma tradição de autonomia muito mais forte, fizeram.

Da forma como está desenhado, não existe um atrativo muito grande em aderir ao plano. As obrigações são muitas: existem 28 compromissos a assumir. Dentre elas, por exemplo, "fixar regras claras, considerados mérito e desempenho, para nomeação e exoneração de diretor da escola". Isto num ambiente em que em torno de 50% dos diretores são nomeados politicamente. A contrapartida em termos de recursos, que seria um importante atrativo, é pífia. Teria sido interessante obrigar os Estados/municípios a participar, mas deixando cada um estabelecer as penalidades e bonificações para alcançar as metas fixadas.

Muitos de nós não estaremos aqui em 2022 para celebrar a independência. Aqueles que estiverem talvez não tenham muitos motivos para comemorar. Pelo menos se depender da qualidade da educação como resultado do atual plano do governo federal e os conseqüentes prospectos futuros do país.