Título: Críticas do ministro põem as certificadoras na parede
Autor: Zanatta, Mauro; Scaramuzzo, Mônica
Fonte: Valor Econômico, 15/02/2008, Agronegócios, p. B14

As duras críticas do ministro da Agricultura sobre a certificação da carne brasileira exportada para a União Européia precipitaram a retomada das discussões em torno da atuação das certificadoras e fortaleceram as críticas sobre o sistema de rastreabilidade como um todo, que contém falhas (algumas graves) admitidas por todos os elos da cadeia.

"O Sisbov [a sigla do sistema de rastreamento do governo] é extremamente complexo e há coisas que fogem do controle", disse o presidente da Associação das Empresas de Certificação e Rastreabilidade Agropecuária (Acerta), Vantuil Carneiro Sobrinho, que, embora presente, se manteve calado durante a audiência pública no Senado na qual Reinhold Stephanes acusou os frigoríficos de driblar as exigências da Europa ao exportar carne não rastreada. "Mas já que o ministro falou, é hora de o governo fazer reflexão, mudar o Sisbov e limar conflitos de interesse".

Em uma auto-crítica moderada, Sobrinho explicou que o maior conflito de interesses existente hoje está na supervisão das certificadoras. Isso porque o fiscal que faz esse trabalho terceirizado é, na maioria dos casos, da própria região onde está a fazenda que ele é contratado para supervisionar. "Não é raro descobrir que esse fiscal também presta assistência para a mesma propriedade que ele fiscaliza. É um problema sério", diz.

O representante das certificadoras afirma, porém, que o sistema de rastreabilidade avançou e que não existe mais espaço para fraudes. "Levaram 14 anos na França para atingir o estágio de rastreabilidade perfeita. Estamos nisso há cinco anos".

Mas "incorfomidades" no rastreamento não devem penalizar só as certificadoras porque elas estão em toda a cadeia produtiva, defende o pecuarista Nelson Pineda. "Claro que isso não acontece com todo mundo, porque há muita gente séria no mercado, mas sempre se falou em 'corralito', em brincos deixados na gaveta. O ministro foi corajoso".

Fontes do segmento dizem que "corralito" era prática difundida nos primeiros anos de Sisbov, criado em 2003, na qual alguns frigoríficos compravam o gado e deixavam para colocar o brinco numerado da rastreabilidade no boi apenas no abate.

A grande crítica dos pecuaristas - e que explica, em parte, porque o Sisbov tem fragilidades - é a margem pequena oferecida pela arroba rastreada. "Como é obrigação rastrear para exportar à Europa, os frigoríficos não querem pagar mais por esta carne", diz Pineda. A arroba rastreada custa poucos reais a mais. O custo da rastreabilidade, porém, pode atingir a casa de R$ 12 por cabeça, e recai unicamente sobre o produtor.

Outro problema está no âmbito da Justiça. Nos últimos seis meses, o Ministério da Agricultura descredenciou 26 de 71 certificadoras por indícios de fraude nos controles das fazendas aprovadas no Sisbov. Parte das prejudicadas, contudo, obteve liminares e continua em operação.

O descredenciamento foi embasado em flagrantes de fiscais do ministério em 2007. Entre elas, adulterações nos cadastro das propriedades com a criação de "bois virtuais", segundo uma fonte do governo. Em alguns casos, a empresa registrava um rebanho virtual para ajudar o fazendeiro a driblar as vistorias do Incra para fins de reforma agrária. Como os índices de produtividade eram baixos, "fabricavam-se" bois de papel para não entrar em processo de desapropriação de terras.

Em outros casos, registros falsos eram usados para esquentar aquisições de gado de vizinhos, burlando regras da UE que exigem a permanência mínima de 90 dias nas áreas habilitadas e de 40 dias na última fazenda aprovada pelo Sisbov. A fonte do governo lembra de flagrantes de bois em cima de caminhões junto com sacos de brincos do Sisbov.

O ministério aguarda, agora, a resolução do caso com a União Européia para promover um novo "pente-fino" nas certificadoras em operação. Também tentará derrubar as liminares na Justiça. Descredenciada, a Condão Certificadora Bovina, com sede em Goiânia (GO), por exemplo, conseguiu liminar na Justiça Federal de Brasília para continuar em ação.

Rawllison Condão, sócio da empresa, alega ter sofrido "pressão econômica" das grandes certificadoras. "Teve irregularidades, sim, mas nada que pudesse gerar isso. O problema foi a pressão dos incomodados com nosso crescimento". A empresa controla quase 600 mil cabeças em Goiás e Mato Grosso. Segundo ele, o produtor pagava R$ 3,50 por cabeça para rastrear os bois e recebia um prêmio de R$ 36 a R$ 50 por cabeça.