Título: Fusão Bovespa-BM&F faz sentido, diz Gilberto Mifano
Autor: Daniele Camba
Fonte: Valor Econômico, 16/01/2008, EU & Investimentos, p. D2

A fusão entre Bovespa e BM&F é algo que "faz sentido", diz o diretor-geral da Bovespa Holding e de Relações com Investidores, Gilberto Mifano, em entrevista exclusiva ao Valor, uma das primeiras depois da abertura de capital em outubro do ano passado. "Obviamente, uma fusão faz mais sentido do que uma competição entre elas", afirma. "Agora não há conversa nenhuma sobre o assunto, mas existirão conversas no futuro", diz ele. Segundo o executivo, antes mesmo da abertura de capital das duas bolsas, os Conselhos de Administração já haviam combinado conversar sobre uma possível fusão, mas esse encontro ainda não aconteceu.

Com 34 mil acionistas hoje, a empresa pretende ser referencial em termos de governança corporativa. A oferta pública de ações foi uma das mais bem-sucedidas operações realizadas no ano passado e atraiu quase 68 mil investidores. Entre os planos da bolsa, Mifano diz que está uma distribuição mais agressiva de dividendo, na medida em que não houver mais investimentos para serem feitos.

Apesar de não ser uma instituição financeira, a Bovespa também foi enquadrada na cobrança, e no aumento, da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL). Mas o diretor afirma que as bolsas são apenas prestadoras de serviços e não instituições financeiras, por isso, estão examinando a legalidade da medida para ver se há condições de contestá-la judicialmente. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Quais os atrativos para o investidor ter ações da Bovespa?

Gilberto Mifano: Os fundamentos da Bovespa, assim como os do país, são muito bons. A bolsa cresceu muito nos últimos anos, tivemos um desempenho muito bom, mas ainda estamos bastante longe de onde podemos chegar tanto em relação ao potencial de crescimento do país quanto em relação ao peso do mercado dentro da economia brasileira. Tudo isso explica os múltiplos altos pelos quais são negociadas as ações da Bovespa. Não há hipótese de ter uma bolsa indo bem se o país vai mal e o Brasil tem chances de ter um 2008 muito bom, seguindo a linha de 2007. Diferentemente de outros setores, a bolsa depende de muitos fatores, alguns até que extrapolam o crescimento do país, como a volatilidade. Mesmo num cenário de crescimento, se o mercado tiver volatilidade, a bolsa vai melhor do que se não houver esse componente.

Valor: A Bovespa é hoje uma das empresas com a maior quantidade de pessoas físicas como acionistas. Por isso, ela pretende ter uma política diferenciada de dividendos e de comunicação com o investidor?

Mifano: Essa é uma prioridade para nós, mas ainda estamos aprendendo. Conhecíamos bem o assunto, mas do outro lado do balcão, como entidade que cobra transparência das empresas e agora passamos a ser cobrados. O nosso objetivo é nos comunicarmos com as pessoas físicas que, apesar de representarem apenas algo como 2%, 3% do capital social da Bovespa Holding, é o maior público em quantidade de acionistas. São em torno de 34 mil acionistas. Estamos caprichando na nossa comunicação por meio do site (www.bovespaholding.com.br). Quando você tem 34 mil acionistas para falar, além dos acionistas institucionais, a ferramenta ideal é pelo site. Ainda falta bastante, mas o nosso objetivo é darmos o melhor exemplo em termos de governança, queremos ser o "benchmark". Nós não temos o direito de não fazer o melhor possível.

Valor: E quanto aos dividendos?

Mifano: No estatuto, cumprimos o dividendo mínimo previsto por lei, de 25% do lucro. O nosso objetivo é sermos mais agressivos quando não tivermos novos investimentos para fazer. Mas isso não está decidido pelo Conselho de Administração. Temos um caixa acumulado bastante grande, da ordem de R$ 1,4 bilhão, e isso é bastante bom. Não precisamos acumular mais. Por isso, poderemos distribuir o que entrar a mais.

Valor: As ações da Bovespa e da BM&F estão caindo nos últimos dias, refletindo o aumento da CSLL que agora incide sobre as bolsas. A Bovespa está pensando em fazer algo com relação a isso?

Mifano: Nós não somos instituições financeiras, mas fomos encaixados na incidência desse aumento da CSLL. A Medida Provisória diz que esse aumento vale para instituições financeiras e demais entidades citadas na Lei Complementar 105, que é uma lei que trata sobre sigilo bancário. E as bolsas, as câmaras de liquidação, têm o dever de sigilo bancário. Só que nós somos prestadores de serviços. Estamos examinando a legalidade disso. Se houver algo que possamos fazer no plano legal para contestar, vamos fazer. Os nossos advogados estão examinando, mas ainda não chegaram a nenhuma conclusão.

Valor: Com o crescimento do mercado de capitais brasileiro, há a possibilidade de aparecer uma outra bolsa de ações no país?

Mifano: Sempre pôde existir, talvez só não apareceu antes porque o mercado era pequeno. Quanto mais o mercado cresce, mais chances há de aparecer alguém que queira competir. Mas não é fácil competir porque estamos em todos os mercados. Diferentemente de outras bolsas do mundo, que cuidam só da negociação, enquanto a liquidação fica com outra entidade e a custódia com outra, nós fazemos todos esses serviços. A Bovespa está em todo o processo de negociação de ações. Quem quiser competir conosco terá de replicar essa cadeia inteira, o que não é fácil.

Valor: A BM&F, quando comprou a Bolsa do Rio, tinha uma espécie de acordo de que não atuaria em ações até junho de 2007. Isso não significa que agora a BM&F pode se interessar em atuar com ações?

-------------------------------------------------------------------------------- "A Bovespa tem tanta coisa para fazer no seu próprio mercado que não faz sentido desviar a atenção entrando em outro mercado", diz --------------------------------------------------------------------------------

Mifano: Não é bem assim. Quando a Bovespa fez a integração, em 2000, nós compramos a CLC, que era a "clearing" da Bolsa do Rio. Naquele documento de compra, a Bolsa do Rio abdicou do mercado de ações e se dedicou ao mercado de títulos públicos. Esse acordo valia por cinco anos, portanto, ele venceu em 2005. Ou seja, quando a BM&F comprou a Bolsa do Rio, ela herdou esse compromisso, que já venceu. Nós tínhamos uma "golden share" (ação com direitos especiais) na BM&F e abrimos mão dela em 2007. A "golden share" nos protegia mais do que qualquer outro acordo, já que nos dava o direito de vetar alterações no estatuto da BM&F. Ou seja, na época, para entrar em ações, eles precisariam mudar o estatuto e nós poderíamos vetar isso. Mas a BM&F não precisaria da Bolsa do Rio para competir com a gente, ela poderia ter feito isso sozinha. Antigamente, as duas bolsas eram sem fins lucrativos, os donos eram praticamente os mesmos, não fazia sentido uma competir com a outra. Hoje, não, são empresas que precisam dar resultado e competir. Mas vamos pensar bem, a Bovespa tem tanta coisa para fazer no seu próprio mercado que não faz sentido desviar a atenção entrando em outro mercado. O mesmo se aplica para a BM&F.