Título: Perfil 'light' do BC facilita consenso e afasta imprevisto
Autor: Guimarães, Luiz Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 18/01/2008, Finanças, p. C1

O perfil mais light do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central facilita a obtenção pelo mercado de consensos sobre as vindouras decisões de política monetária. Para a primeira reunião do ano, marcada para a próxima quarta-feira, o consenso, ressalvadas as exceções de sempre, forjadas por lobistas profissionais do juro alto, é monolítico em torno da manutenção da Selic em 11,25%. Mas os próprios economistas de instituições reconhecem que a tarefa de formação das expectativas pré-Copom não seria tão banal e monótona se o BC ainda estivesse sob o controle do núcleo duro hiperconservador integrado pelos ex-diretores Afonso Bevilaqua, Alexandre Schwartsman e Rodrigo Azevedo. Nesta hipótese, o mercado estaria bem dividido entre a ala dos que apostam na estabilidade e outra que enxergaria risco maior de uma alta.

O consenso pré-Copom é fechado muitas vezes em função daquilo que o mercado acredita que será a decisão, não da que deveria ser. Os documentos oficiais que formam o sistema de metas de inflação - atas do Copom, Relatórios de Inflação, Boletim Focus, reuniões formais com economistas de instituições - , ao transmitirem a visão do BC sobre o cenário econômico e seus focos de inquietação, direcionam os prognósticos do mercado para os próximos passos de política monetária. O BC induz o mercado a acreditar numa determinada linha de pensamento e conduta e, para não frustrá-lo e não estragar o trabalho já feito, costuma cumprir o que previu, mesmo que as condições econômicas mudem, desde que sem gravidade maior. Como o atual BC tem um perfil notavelmente mais equilibrado e sensato comparativamente ao que prevaleceu até o início de 2007, as instituições não precisam se alarmar com os dados sobre aquecimento de demanda, inflação no centro da meta e crise nos EUA. Não precisam buscar no mercado futuro de juros da BM&F proteção contra decisão surpreendente, fora no consenso, nesta quarta-feira. Pelo menos para este primeiro Copom do ano, o espaço para o imprevisto é exíguo. Mas os economistas já começam a divergir sobre as próximas reuniões. Uma maioria não muito expressiva de analistas ainda crê na possibilidade de a Selic permanecer em 11,25% durante o ano inteiro. Outros já constroem cenários que favorecem o retorno da flexibilização monetária quando, no segundo semestre, o BC já estiver mirando o IPCA de 2009.

Mas há uma terceira corrente que vê risco real de alta do juro já a partir da reunião de abril. Ou seja, se para o encontro do próximo dia 23 as expectativas estão bem ancoradas, para as próximas reuniões o Copom terá de despender esforços adicionais para realinhar as previsões. Isso, é claro, se conseguir ter mais certezas sobre a crise americana e o fôlego da inflação doméstica que o mercado.

O economista-chefe da Gradual Corretora, Pedro Paulo B. da Silveira, espera dois Copons (o de 23 de janeiro e o de 5 de março) com placares unânimes pela estabilidade da Selic em 11,25%. Mas, para a reunião de 16 de abril, deve surgir algum nível de dissenso. "Não vejo um arrefecimento de demanda ou uma contenção no preço das commodities que consiga evitar uma alta da Selic na reunião de junho. Isso deve acontecer independentemente da mudança de perfil do BC", diz Silveira. A preocupação com os rumos incertos do IPCA é compartilhada mesmo pelos economistas que apostam na manutenção do juro até o fim do ano. Mas como a visão é de que a economia americana voltará a crescer logo, as pressões tendem a ser neutralizadas pela taxa de câmbio apreciada. O economista-chefe da Sul América Investimentos, Newton Rosa, diz que, se os EUA entrarem em recessão, esta será curta. Ao contrário do que ocorre no Brasil, cujo pleno efeito de uma decisão monetária pode levar até nove meses para acontecer, nos EUA as decisões do Federal Reserve (Fed) são transmitidas e assimiladas entre três e seis meses.

Não há entre os analistas certeza se o processo de desaquecimento dos EUA será ou não forte e se irá durar vários trimestres. A grande incógnita é o efeito da recessão sobre o grau de aversão que o grande capital costuma sentir nessas épocas pelos ativos de risco. Ou seja, será de novo a taxa de câmbio quem definirá as expectativas de inflação e o nível nominal dos juros. A recessão americana produz dois efeitos antagônicos sobre o Brasil: a fuga de capital estrangeiro deprecia o câmbio e produz inflação, mas, ao contagiar negativamente o restante da economia mundial , acaba reduzindo preços de commodities.

O importante, para a ala mais otimista do mercado, é que o novo perfil do BC permite uma conduta serena, sem precipitação exageradamente conservadora, enquanto o cenário não fica mais claro. "Acredito os dois primeiros trimestres do ano serão críticos. E se o BC não se afobar, as condições irão melhorar por si mesmas a ponto de permitir uma redução da Selic no segundo semestre", diz o economista-chefe da consultoria UP Trend, Jason Vieira.