Título: Ofertas engavetadas
Autor: Monteiro, Luciana
Fonte: Valor Econômico, 18/01/2008, Eu, p. D1

A turbulência no mercado de capitais, que levou o Índice Bovespa a cair 10,20% só esta semana, fez a sua primeira vítima na área de ofertas públicas e, ao que tudo indica, não será a última. Ontem, a empresa de tecnologia Ideiasnet anunciou que decidiu interromper uma captação de cerca de R$ 400 milhões pelas condições dos mercados "nacional e internacional dos últimos dias". E ela não é a única. Segundo a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), das 45 empresas com ofertas em análise, que somam aproximadamente R$ 17 bilhões, 15, ou seja, um terço, já entraram com pedido de interrupção na autarquia, um volume de R$ 7 bilhões. "Levando em conta as operações que ainda não têm 'roadshows' (reuniões com os investidores) agendados, as possíveis interrupções sobem para 28", diz Carlos Alberto Rebello, superintendente de Registros da CVM.

Os pedidos de interrupção começaram no fim do ano passado, a partir do agravamento da crise com os prejuízos com hipotecas de alto risco americanas ("subprime"). Segundo Rebello, entre as empresas com oferta atualmente interrompidas estão: LCD Bioenergia, Vix Logística, Moura Dubex Engenharia, GBarbosa, Banco Industrial do Brasil, Imcopa, Campos Verdes, Marítima Seguros, MB Engenharia, Brazilian Finance, Raia, Paranapanema, Banco Fibra, Petroquímica Comodoro Rivadavia e agora Ideiasnet. As empresas podem suspender uma oferta por até 60 dias úteis sem precisar entrar com novo pedido na autarquia.

A crise pegou em pleno processo de oferta de ações a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), cujos papéis acumulam queda de 18,06% somente no ano, e a estreante Nutriplant, empresa de fertilizantes que pretende inaugurar o Bovespa Mais. Até ontem, as duas companhias mantinham suas ofertas públicas. Procurada, a Copasa informou que não poderia dar informações, pois está em período de silêncio. Fontes da Nutriplant não foram localizadas.

Já a Norse Energy, que opera na produção, exploração e desenvolvimento de petróleo e gás, publicou anúncio dizendo que espera captar mais R$ 400 milhões em uma oferta totalmente primária. Apesar das condições ruins de mercado, a empresa decidiu seguir adiante com o plano da oferta por considerar que o setor de petróleo e gás passa ao largo da crise.

Pior momento, impossível para lançar ações, diz Rodrigo Pasin, sócio da Value Consultoria, empresa especializada em operações de fusões e aquisições e aberturas de capital. "Se eu fosse uma empresa, certamente não daria a cara para bater", conta. Na opinião do executivo, o cenário econômico nos Estados Unidos deverá clarear somente em abril ou maio e, até lá, dificilmente os investidores estrangeiros se interessarão por IPOs (sigla em inglês para oferta inicial de ações). E cerca de 70% dos IPOs estavam ficando com os estrangeiros, lembra. Para se ter uma idéia do pouco apetite, o saldo de investimentos estrangeiros na Bovespa está negativo no ano, até dia 15, em R$ 2,3 bilhões.

O volume e número de IPOs neste ano não devem ser de longe o que se viu no ano passado, avalia Alexandre Espírito Santo, chefe do Departamento de Economia e Finanças da ESPM-RJ e sócio da Plenus Gestão de Recursos. "Não irei me surpreender se muitas empresas abortarem suas operações de lançamento de ações", diz. "A conjuntura de mercado para o primeiro semestre deve ser muito difícil." Espírito Santo acha que o argumento do "decoupling" (economias emergentes perdendo dependência dos países centrais) parece falacioso. "Os números mostram que a sociedade americana consome quase nove vezes mais que a chinesa e, se os americanos reduzirem gastos fortemente, todo o mundo será afetado", avalia.

É claro que todas as empresas que puderem esperar para lançar ações irão esperar, diz Luiz Fernando Resende, sócio da LatinFinance e presidente do conselho de auto-regulação do Mercado de Capitais da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid). "Os próximos três ou seis meses serão de altíssima volatilidade."

Listada na Bovespa desde junho de 2000, a Ideiasnet apresentou na quarta-feira os termos de uma distribuição primária (novas ações). Ontem, no entanto, mudou de idéia ao observar as condições do mercado. Somente neste ano, os papéis da Ideiasnet já caíram 23,28%, ante queda de 10,72% do Ibovespa. Ontem, as ações registraram desvalorização de 7,37%, para 2,96% do índice. Por meio de sua assessoria de imprensa, a Ideiasnet ressaltou que não desistiu da operação e espera somente condições de mercado mais adequadas.

As ofertas agora interrompidas fatalmente voltarão a mercado daqui a algum tempo, avalia Arleu Aloisio Anhalt, presidente da Financial Investor Relations (Firb). "Um IPO é um projeto de longo prazo, que pode ser atrasado, mas não deixado de lado por conta de uma crise passageira." Interromper a oferta, para ele, não quer dizer que a empresa tenha melhores ou piores condições de governança. "A empresa não deve ter pressa para ir a mercado pois se a captação for necessária a curto prazo é sinal de que não está tudo bem." Para ele, com a turbulência atual, o investidor fica mais cuidadoso ao avaliar as empresas que chegam ao mercado por meio de ofertas, por isso fica mais difícil vender ações. (Colaboraram Danilo Fariello e Vanessa Adachi)