Título: Penhora on-line de contas bancárias dobra em 2007
Autor: Teixeira, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 18/01/2008, Lesgilação, p. E1

O sistema Bacen-Jud, que permite a penhora on-line de contas bancárias de devedores para garantir dívidas em execução na Justiça, fechou 2007 totalizando 2,773 milhões de acessos - um aumento de simplesmente 100,62% em relação a 2006, quando o sistema desenvolvido pelo Banco Central (Bacen) contabilizou 1,382 milhão de acessos de juízes. O volume corresponde a ordens judiciais para o bloqueio, desbloqueio ou transferência de valores em ações judiciais de cobrança. Por trás deste aumento está uma verdadeira revolução no processo de cobrança judicial de dívidas iniciada em 2006 mas colocada plenamente em funcionamento apenas durante o ano passado.

Até 2005 considerada alheia ao Bacen-Jud, a Justiça estadual multiplicou por 15 vezes o número de acessos ao sistema em dois anos, atingindo 1,234 milhões de ordens judiciais em 2007 - apenas 15% menos do que a Justiça do trabalho, até então a usuária quase exclusiva da ferramenta. Com isso, o bloqueio instantâneo de contas bancárias chegou efetivamente às disputas comerciais, financeiras e fiscais - e os advogados de bancos, empresas, procuradores e devedores já sentem a mudança no dia-a-dia. Todos com a mesma impressão: ficou mais difícil ser um devedor.

Há algumas explicações para o fenômeno. Um deles é o lançamento da versão 2.0 do sistema Bacen-Jud no fim de 2006, permitindo desbloqueios de contas bancárias on-line - esta era uma das reclamações de juízes relutantes à novidade, preocupados com a demora para reverter bloqueios equivocados. Outra justificativa é a publicação, em setembro de 2006, de uma portaria do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), o maior do país, exigindo o uso do Bacen-Jud em ordens judiciais de penhora de contas bancárias. Com a portaria, o tribunal fechou o ano de 2007 com 616 mil acessos ao sistema - duas vezes mais do que a Justiça trabalhista no Estado - e foi sozinho o responsável por quase a metade do aumento de acessos no país inteiro entre 2006 e 2007.

Uma terceira explicação para o crescimento da penhora on-line é a reforma do processo de execução civil concluída no fim de 2006. Advogados especializados em ações de execução de dívidas atribuem o aumento do uso do Bacen-Jud nas Justiças dos estados principalmente às alterações promovidas na legislação. Isto porque o novo artigo 655 do Código de Processo Civil (CPC), incluído pela Lei nº 11.382, em vigor desde março de 2007, determina ao juiz prioridade na penhora de dinheiro feita por meio eletrônico. Vista inicialmente como uma mudança inócua, já que os juízes estaduais não tinham qualquer obstáculo legal para usar o Bacen-Jud, a alteração da lei acabou causando uma espécie de efeito didático, pois muitos juízes tinham simplesmente resistência ao uso do sistema.

Do lado de quem cobra, a mudança foi mais do que bem-vinda. Alguns escritórios especializados em ações de cobrança identificam uma redução no prazo das execuções no ano passado que varia de 35% a 80%, dependendo do tipo de disputa e do critério utilizado. Na carteira bancária do escritório Dantas, Lee, Brock e Camargo Advogados, a proporção de acordos nos processos mais novos passou de 31% para 63% entre 2006 e o fim de 2007. De acordo com o sócio responsável pela área, Solano de Camargo, a mesma tendência ocorreu nas carteiras de cobrança industrial, comercial e de factoring. Para ele, a cobrança judicial melhorou em parte pela disseminação da penhora on-line, mas o mérito deve ser atribuído também a outras mudanças na execução civil introduzidas pela reforma do Código de Processo Civil feita a partir de 2006.

Para o advogado Márcio Perez de Rezende, do escritório Perez de Rezende Advogados, que atua em ações de cobrança de bancos como Real, Unibanco e Bradesco, a situação da cobrança judicial melhorou a olhos vistos em 2007. As penhoras on-line de contas bancárias dos devedores, diz, tornaram os processos mais efetivos e têm aumentado a busca por acordos, forma preferida pelos bancos para encerrar as disputas. Com os acordos os bancos cedem parte do valor cobrado, mas evitam o risco de perda total e ainda liberam provisões dos seus balanços. Responsável pela carteira corporativa do Perez de Rezende - ou seja, dívidas superiores a R$ 200 mil -, a advogada Andrea Abdo diz que desde a Lei nº 11.382 nenhum juiz negou um pedido de bloqueio on-line de conta bancária, e hoje os pedidos são feitos em todos os casos de sua carteira, de cerca de 800 devedores. Segundo a advogada, uma vez que a conta de uma empresa é bloqueada, seu negócio fica totalmente paralisado, impedindo o pagamentos de fornecedores e retendo futuras entradas de caixa. Ela diz que é comum ser procurada pelo devedor para fechar um acordo no mesmo dia da penhora on-line da conta bancária.

Segundo o advogado Marcelo Junqueira, do escritório Guedes Advogados, especializado em contestar cobranças bancárias, a rotina de trabalho mudou com a penhora on-line. Ele aconselha os clientes com algum patrimônio a oferecerem a melhor garantia que puderem - como um bom imóvel - para evitar o bloqueio de suas contas bancárias. Para ele, há alguns abusos quando são desconsiderados como garantias das dívidas imóveis em condições razoáveis, pois a penhora da conta pode destruir imediatamente uma empresa.

Mas o advogado também já se beneficiou da ferramenta do Bacen-Jud para cobrar devedores avessos a pagamentos. Um de seus clientes tentou vender sua casa na praia para pagar dívidas, mas teve uma surpresa: a imobiliária contratada embolsou o dinheiro destinado às pendências fiscais do imóvel. O juiz condenou a corretora a pagar o prejuízo, estimado em R$ 300 mil. Pelo Bacen-Jud, logo ficou constatado que a corretora não tinha um único centavo na conta, e uma visita ao cartório local não encontrou nenhum imóvel. Não foi difícil, por outro lado, descobrir que os dois sócios da imobiliária tinham, como pessoas físicas, mais de 30 imóveis e R$ 120 mil em aplicações financeiras, dinheiro imediatamente penhorado pelo Bacen-Jud. Os outros R$ 180 mil deverão vir dos imóveis, que podem ser bloqueados graças à mudanças nas regas da execução civil.