Título: Bem-vindo ao século do genoma
Autor: Tiago, Ediane
Fonte: Valor Econômico, 18/01/2008, Cultura, p. A9

Divulgação Detalhe da exposição no Ibirapuera: no Brasil, a utilização de plantas modificadas cresceu 22% do total da área plantada Herança científica do século XX, os avanços na área da genética já transformam a fisionomia da ciência, da medicina e da tecnologia do século XXI ao promover impactos inimagináveis à vida das pessoas. A pesquisa do genoma traz promessas de completa alteração no eixo genético, o que garantirá a manipulação de genes para tratar de doenças graves, como câncer, artrite reumatóide e esclerose múltipla, e equacionar questões como a produção de alimentos e a degradação do meio ambiente. "Este será o século do genoma. Conhecemos cada vez mais o funcionamento dos genes", afirma Mayana Zatz, geneticista, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo (USP) e uma das maiores autoridades no assunto.

Boa parte das conquistas e das ofertas de futuro animador proporcionadas por essa revolução poderá ser conhecida na mostra que ocorre em São Paulo a partir de 26 de fevereiro. Com público próximo de 1 milhão de visitantes nos Estados Unidos, a exposição será aberta no Brasil no Pavilhão Armando de Arruda Pereira (ex-sede da Prodam), no Parque do Ibirapuera, onde os visitantes poderão mergulhar no mundo dos genes em três segmentos, montados em dois mil metros quadrados de área: "Grande Salão da Biodiversidade", "A Era do Genoma" e "O Brasil e a Genética dos Alimentos".

A exclusividade está no terceiro segmento, montado para a mostra brasileira. "O país é um importante ator da revolução genômica. Por isso, pudemos ampliar a exposição com projetos brasileiros", diz o físico e empresário Ben Sangari, do Instituto Sangari, representante oficial do Museu de História Natural de Nova York no Brasil e organizador da mostra. O instituto investiu R$ 5 milhões para a realização do evento paulistano.

A importância de uma mostra como essa é que o uso e o desenvolvimento da tecnologia genética são estratégicos para o futuro de qualquer nação: podem influenciar não apenas a ciência como a economia mundial, a exemplo das transformações ocorridas com a Revolução Industrial e com a revolução da eletrônica. De acordo com Fernando Reinach, diretor-executivo da Votorantim Novos Negócios, fundador e coorde-nador do Projeto Genoma Brasileiro, a forma como as nações vão apostar suas fichas na biotecnologia será capaz de definir sua posição na economia global. "É a chance de distribuir melhor a renda no mundo."

O Brasil não está fazendo feio nessa batalha. A ciência verde-e-amarela entrou para o mapa da genômica mundial depois do seqüenciamento da bactéria "Xyllella fastidiosa", causadora da praga do amarelinho. Concluído em 1999, o projeto foi capa da prestigiada revista científica "Nature" e destacou o trabalho de mapeamento genético do primeiro fitopatógeno - organismo causador de uma doença em uma planta economicamente importante - no mundo. "Com esse projeto, a ciência brasileira melhorou sua auto-estima, ganhou motivação e partiu para outros projetos, como o seqüenciamento da cana-de-açúcar e do genoma do câncer humano", diz Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que financiou estudos sobre a "Xyllella".

Ana Carolina Negri/Valor Soares, diretor da Associação Brasileira de Empresas de Biotecnologia: "Nossa realidade é a de que a produção de alimentos e outros tipos de produtos terá de aumentar para dar conta da demanda mundial crescente" São três grandes áreas na genética que podem ser exploradas pela pesquisa científica e o Brasil pode se destacar em duas delas. Reinach as batiza de verde, branca e vermelha. Na área verde, o foco será a produção de plantas e animais transgênicos, basicamente para o mercado de alimentação. Nesse segmento, o país é forte participante e pode despontar pela possibilidade de aplicar a tecnologia em seu território para aumentar a produtividade agropecuária. "Essa área é que chamamos de geograficamente dependente. Ou seja, depende não só de capital humano, mas de clima, área para plantio e água."

Já a área branca também pode beneficiar países como o Brasil, uma vez que dependerá do desenvolvimento de plantas para a fabricação de insumos para cadeias industriais. Como exemplo, Reinach cita o desenvolvimento da cultura da cana, que pode gerar o etanol como insumo para a cadeia alcoolquímica. "Do etanol pode ser extraído o etileno e dele ser fabricado o polietileno, substituindo o petróleo na produção do plástico. Existem muitos projetos nessa área", observa.

A vermelha está relacionada ao desenvolvimento de produtos para os seres humanos, como remédios, vacinas e tratamentos com células-tronco. Essa tecnologia será produzida em países desenvolvidos, que possuem capital humano e dinheiro para pesquisas e poderão ser distribuídas em todo o mundo.

Um bom exemplo é o que ocorre com a insulina recombinante, remédio que resulta da biotecnologia, fabricado pela americana Genentech, que clonou o gene da insulina humana e o reproduziu dentro de uma bactéria em 1982. A técnica de produção anterior previa a retirada de insulina de animais, como porcos, o que causava efeitos colaterais no tratamento. Com a aplicação do gene na bactéria, a substância reproduzida é idêntica à encontrada no corpo humano. "Atualmente, diabéticos no mundo inteiro dependem desse tipo de insulina", explica.

A atenção dos cientistas se multiplica com o número de empresas de biotecnologia que surgem para testar e criar produtos com tecnologia genética para tornar disponível no mercado. O negócio nacional na área de biotecnologia tem crescido de forma significativa e já conta com mais de 70 empresas que trabalham especificamente com alteração genética de algum tipo de organismo na fabricação de seus produtos, segundo Eduardo Emrich Soares, diretor-executivo da Associação Brasileira de Empresas de Biotecnologia.

"Temos evoluído muito e já vemos a integração de empresas com os cientistas para colocar soluções no mercado." Como exemplo, Soares cita a formação de um consórcio de empresas da área de papel e celulose para estudar o genoma do eucalipto. "A melhora genética dessa planta possibilita o aumento da produtividade e, como resultado, não há necessidade de ampliar a área plantada."

Como se vê, a revolução genômica está em curso e é possível identificá-la na utilização de plantas transgênicas e na evolução das pesquisas com células-tronco. Em relatório divulgado em 2006, o Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações Agro-biotecnológicas (Isaaa, na sigla em inglês) mostrou que as plantações biotecnológicas - que utilizam técnicas como a transgênese - devem ocupar 102 milhões de hectares em todo o mundo até 2015. O crescimento na adoção de biotecnologia é de 13% frente ao último período medido. No Brasil, a utilização de plantas modificadas cresceu 22% do total da área plantada e o grupo dos países em desenvolvimento é responsável por 40% das plantações biotecnológicas globais. "Hoje, 20% da área agrícola mundial é transgênica", afirma Reinach.

Divulgação Investimentos em pesquisa farmacêutica chegaram a US$ 51,3 bi nos EUA A sociedade tem de saber o que significa exatamente a aplicação de tecnologia genética, na opinião de Soares. "Todos estão preocupados com o meio ambiente. Mas a nossa realidade é a de que a produção de alimentos e de outros tipos de produtos terá de aumentar para dar conta da demanda mundial crescente. Se não utilizarmos tecnologia, teremos de aumentar a área de plantio."

Na área da agricultura, de fato, a pressa é imensa em arranjar soluções porque, segundo projeções da Organização das Nações Unidas (ONU), a população mundial chegará a 9,2 bilhões de habitantes em 2050. Com essa perspectiva de aumento de consumo de alimentos, cientistas estudam o genoma do boi e o aumento de produtividade em tantos outros animais e plantas. No Brasil, as empresas de energia também se preocupam com o abastecimento da população e apostam na melhoria da cana-de-açúcar.

A preocupação dos cientistas para aprimorar as pesquisas nessa área se deve à tendência global de alta no preço dos alimentos - um efeito colateral não apenas do crescimento da demanda em países emergentes e altamente povoados, como China e Índia, mas também do plantio de cana-de-açúcar e de milho para a produção de biocombustíveis. A combinação desses dois fatores é considerada a vilã para a alta da inflação no Brasil, que interrompeu uma tendência de queda que já durava anos. "Com o potencial do Brasil para biocombustíveis, é necessário desenvolver variedades de plantas mais resistentes e produtivas", afirma Soares.

Na medicina, além dos estudos de células-tronco para combater uma série de doenças e tentar resolver a dura questão do transplante de órgãos, o mercado aplica na produção de remédios mais eficientes. A técnica consiste em modificar ou produzir um organismo vivo para tratar de forma mais eficaz doenças que têm origem nos genes.

Os investimentos em pesquisa e desenvolvimento na indústria farmacêutica chegaram a US$ 51,3 bilhões nos Estados Unidos, dos quais US$ 18,5 bilhões foram aplicados na área de biofármacos, de acordo com Wellington Briques, diretor da Biogen Idec Brasil, empresa de biotecnologia. Cerca de 3% do PIB brasileiro já é gerado pelo mercado de produtos de biotecnologia, colocando o Brasil no segundo lugar do ranking entre os países em desenvolvimento - o país perde apenas para a Índia. "Esse é um ramo que exige investimento. Segundo o BNDES, para montar uma empresa especializada em biotecnologia são necessários 25 doutores e capital inicial de US$ 20 milhões."

Segundo Briques, já foram aprovados pelo Food and Drugs Administration (FDA), agência reguladora americana, 76 medicamentos que usam biotecnologia em seu processo de fabricação. Duas delas estão disponíveis no Brasil e são utilizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para tratar linfomas (câncer), como é o caso do Rituxan, e esclerose múltipla, tratada com o Avonex, distribuídos pela Roche. Briques admite que o tratamento tem custo elevado para o consumidor: a média de gasto mensal com os medicamentos por paciente é de R$ 2 mil. Assim, o acesso tem de contar com subsídio do governo.

O preço deve-se ao alto grau tecnológico das drogas e à sua especificidade. Mas médicos dizem acreditar que a tendência é que os custos sejam reduzidos com o aumento da produção desse tipo de droga. "Há ainda mais de 350 medicamentos elaborados com uso de biotecnologia em fase de avaliação pela FDA. Com eles, será possível tratar mais de 150 doenças, como câncer e mal de Alzheimer", informa Briques.

Jorge Kalil, diretor do Instituto de Ciências do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), vê com bons olhos as pesquisas genéticas e diz acreditar que será possível oferecer tratamentos individualizados para os pacientes. "Podemos fazer o mapeamento genético do paciente para identificar como ele reagirá a cada tipo de droga e qual é a mais eficiente para o caso dele. É um avanço enorme no tratamento."

Cada organismo reage de uma forma a um tipo de droga e possui predisposição para algumas doenças, explica Kalil. "Além de identificar o melhor tratamento, conseguimos saber com antecedência a propensão de um indivíduo para determinados tipos de doença, agindo na prevenção." É o caso de quem tem problemas recorrentes de algum mal na família e faz um teste genético para identificar a sua real tendência para desenvolvê-lo. "Acredito que nos próximos anos poderemos oferecer esse serviço no Brasil", destaca o médico.

Esse tipo de medicina deve chegar ao mercado, segundo Mayana Zatz, apoiada pela redução dos preços da tecnologia de seqüenciamento do genoma humano. "Foram investidos mundialmente muitos bilhões de dólares para chegarmos aos equipamentos que temos hoje. O mapeamento do genoma foi um investimento alto. Em compensação, estima-se que em dez anos será possível seqüenciar o genoma de uma pessoa por um custo de US$ 1 mil."

"Revolução Genômica" No Pavilhão Armando de Arruda Pereira (antiga sede do Prodam), av. Pedro Álvares Cabral, s/nº, Parque do Ibirapuera, São Paulo