Título: Da Brasiléia à Basiléia
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 14/02/2008, Opinião, p. A16

Banco da Basiléia é o nome popular do Bank for International Settlements (BIS). Foi fundado para estruturar o pagamento das reparações da Primeira Guerra Mundial e é a mais antiga instituição financeira internacional em atividade. Desde os primeiros momentos, fomentou a cooperação entre bancos centrais e, atualmente, é o núcleo mais importante de promoção à estabilidade bancária.

Na década de 1980, protagonizou uma façanha notável. Uma dezena de banqueiros centrais se reunia lá, preocupados com a estabilidade global, que dependia da solidez dos bancos individuais de cada um dos países. Fizeram uma recomendação, conhecida como Acordo da Basiléia, de que os países limitassem o risco de seus bancos com a obrigatoriedade do índice de Cooke (também conhecido como o da Basiléia) superior a 8%. O índice relaciona os recursos próprios dos bancos a ativos ponderados pelo risco.

A recomendação foi feita em 1988, para ser adotada a partir de 1992. Lembrando, o vínculo dos banqueiros centrais com a Basiléia era informal, mas mesmo assim a sugestão virou obrigação em mais de 150 países. No Brasil, a medida foi implantada em agosto de 1994, no segundo mês do plano de estabilização. Foi anunciada intempestivamente, sua adaptação foi atabalhoada e foi chamada de "Brasiléia", em vez de Basiléia, por conta da sua tropicalização.

Apesar de os processos de estabilização promoverem o desenvolvimento bancário, o Brasil viveu sua pior crise após o Plano Real. Parte dos problemas teria aflorado com ou sem a Basiléia, e com ou sem a estabilização. Entretanto, parte importante dos obstáculos enfrentados deveu-se a uma política bancária inapropriada. A Resolução 2099, que estabeleceu o índice de Cooke aos bancos brasileiros, também tinha normas, alheias à recomendação da Basiléia sobre a dimensão mínima dos bancos.

A exigência de aumento brusco criou um problema de seleção adversa para os bancos pequenos. A situação foi agravada com um enxugamento da liquidez que dificultou a renovação de operações em todos os setores. Alguns agentes, embora apresentando boas condições de solvência, dada a restrição causada pelo aumento do compulsório, tornaram-se inadimplentes. O processo se auto-alimentou e foi catalisado pelas restrições de prazos e os juros altos praticados pelo Banco Central, na época. Os problemas se avolumaram e assumiram a dimensão de uma crise de proporções maiores.

A reação do Banco Central do Brasil à situação foi rápida e incisiva. Com a criação do Seguro de Depósitos, do Proer e do Proef, foi possível injetar recursos nos bancos com problemas e evitou-se uma crise maior. Outra medida acertada foi a agilização nas transferências de controles de instituições financeiras que ficaram "vendidas", importante para promover a eficiência da intermediação bancária.

-------------------------------------------------------------------------------- A adaptação consensual e gradual do acordo contribui para que bancos brasileiros adotem critérios mais objetivos no cálculo do risco --------------------------------------------------------------------------------

Em razão das boas perspectivas do setor bancário nacional, combinadas com globalização de alguns grupos internacionais, o Brasil viveu uma atividade inusitada na área de fusões e aquisições. A abertura do setor ao exterior apresentou-se oportuna. O sistema como um todo ganhou eficiência e estabilidade. Muitas das instituições que entraram, pagaram um pedágio para isso, absorvendo prejuízos existentes.

Na área de normas, a mudança de enfoque do Banco Central do Brasil foi correta. A participação de seus representantes no desenho de um novo acordo na Basiléia de promoção da estabilidade financeira internacional, conhecido como Basiléia II, foi intensiva e contou com a participação de representantes de todo o setor bancário nacional. O novo tratado, mais sofisticado e abrangente, assegura um controle melhor do risco e deve terminar de ser implantado no país em 2011.

A Basiléia II está baseada em três "pilares" que se reforçam mutuamente. O primeiro estipula os requerimentos mínimos de capital; o segundo refere-se à supervisão, destacando-se seu papel de controlar os controles, ao invés de controlar diretamente o risco; e o outro fomenta a disciplina e transparência de mercado para estimular práticas bancárias sólidas.

O "Pilar I" é um refinamento da alocação de capital do acordo anterior. Além de incluir riscos de crédito e de mercado, dá um tratamento específico ao risco operacional, o que é uma novidade. Ele é conhecido em outros setores, como hospitais e aeroportos, e é causado por processos internos inadequados. Sua inclusão propicia o desenvolvimento de uma cultura de risco mais adequada para o novo ambiente bancário, mais complexo. Na alocação do risco de crédito, o novo tratamento permite uma diferenciação melhor, incluindo o efeito de garantias, vencimentos, o uso de derivativos de crédito e de modelos de rating. A obrigação regulatória é uma ferramenta gerencial valiosa.

O "Pilar II" reafirma a importância da supervisão e propõe procedimentos que assegurem que cada banco tenha processos internos sólidos para aferir a adequação de seu capital ao perfil de risco de suas operações e ambiente. A ênfase é no controle dos controles internos e em intervenções, quando a situação demandar. Há uma ênfase maior em supervisionar desempenho e menos em vigiar comportamento, uma atuação mais qualitativa e menos quantitativa.

O "Pilar III" estimula a disciplina de mercado, a supervisão dos pares. Os bancos deverão ter políticas formais de divulgação de informações aprovadas por sua direção e deverão publicar informações complementares, tais como os critérios de aferição de riscos operacional e de crédito.

A adaptação gradual e consensual do acordo contribui para que os bancos brasileiros adotem critérios mais objetivos no cálculo do risco, tenham um padrão de interação com o Banco Central com perfil de parceira e mantenham um relacionamento com o mercado mais transparente. As novas normas, com destaque para a Resoluções 3490, propiciam bancos mais sólidos, transparentes e eficientes. Há ainda entraves que devem ser removidos, como compulsórios draconianos, uma tributação obsoleta e ineficiente e um quadro institucional arcaico. O destaque é que as normas bancárias melhoraram consideravelmente e há vontade política para continuar avançando.

Roberto Luis Troster é sócio da Integral Trust. E-mail: robertotroster@uol.com.br