Título: FMI como âncora financeira global
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 14/02/2008, Opinião, p. A17

A turbulência de hoje no mercado financeiro expôs as fragilidades no sistema financeiro global atual, cuja maior parte era conhecida, mas não foi tratada. Esta falta de atenção reflete a crescente complexidade e vínculo do sistema financeiro global, e a ausência de uma âncora eficaz para a estabilidade financeira. A restauração da confiança do mercado financeiro precisou se apoiar nas injeções de liquidez feitas pelos principais bancos centrais. Apesar de isso aparentemente ter sido bem-sucedido, perduram questões sobre se a turbulência poderia ter sido evitada e seu impacto, reduzido.

O FMI pode ter um papel importante nessa questão, devido à sua perspectiva verdadeiramente global - que compreende tanto as economias avançadas como as emergentes, que estão se integrando gradualmente no sistema financeiro global. Além disso, o FMI não se concentra nos mercados financeiros per se, porém detém experiência inigualável nos vínculos entre a economia real e a financeira. Por fim, a perspectiva do FMI é universal, olhando através de setores e mercados.

Por enquanto, o Fundo não explorou plenamente sua posição inigualável, pois ele muitas vezes foi passivo em prestar ajuda, em passar mensagens claras e fazer recomendações aos seus membros. A turbulência atual no mercado financeiro mostrou que existem brechas de regulação e de supervisão e vínculos internacionais insuficientemente compreendidos, que exigem uma resposta global.

Acreditamos que o FMI necessita se movimentar decisivamente nos temas de estabilidade financeira e ser mais previdente ao ajudar a prevenir e aliviar crises futuras. O FMI deve trabalhar estreitamente com o Fórum de Estabilidade Financeira, o Banco de Compensações Internacionais (BIS) e outros organismos internacionais relevantes. No intuito de fortalecer o papel financeiro estabilizador do Fundo, propomos a adoção de ações em três áreas relacionadas.

Primeiro, o FMI deveria promover estabilidade financeira por meio do monitoramento multilateral. Ele deveria estar posicionado no centro dos mercados financeiros internacionais e oferecer uma plataforma analítica, não só para bancos centrais e ministérios de Finanças, mas também para agências reguladoras, formuladores de normas e participantes de mercado.

-------------------------------------------------------------------------------- FMI deveria estar no centro dos mercados e oferecer uma plataforma analítica para BCs, ministérios, reguladores, formuladores e investidores --------------------------------------------------------------------------------

O fundo deveria, em particular, aprimorar o seu entendimento dos vínculos existentes entre estruturas de supervisão e condições macroeconômicas, incluindo desdobramentos relacionados com balanço de pagamentos e taxas de câmbio, alavancando a riqueza da informação internacional e a experiência que adquirir por meio de missões realizadas junto aos seus 185 membros. Isso lhe permitirá identificar ameaças macroeconômicas à estabilidade e estimular a adoção das melhores práticas a supervisores e reguladores. Com base na sua pesquisa, o FMI poderia contribuir mais para o debate sobre as implicações financeiras e macroeconômicas de fundos de private equity, de fundos de hedge e de fundos soberanos, e desenvolver recomendações práticas para aprimorar as suas contribuições para a estabilidade financeira internacional.

Segundo, o FMI deveria promover a estabilidade financeira por meio do monitoramento bilateral. Ele precisa repensar formas de abordar a estabilidade financeira na sua atuação cotidiana com os membros. Análises do setor financeiro deveriam se tornar plenamente integradas às atividades de monitoramento do Fundo.

O FMI também deveria ser mais previdente e se manifestar com maior sinceridade nos países sistemicamente mais importantes, nos quais surgiram deficiências em supervisão financeira e gestão de crise. Ele deveria ajudar os países emergentes a moldar sólidos mercados financeiros internos. Essas providências exigirão que as equipes de missões do FMI se tornem mais heterogêneas, levando experiência do setor financeiro, além das tradicionais habilidades macro e fiscais. O Fundo precisa contratar mais especialistas do setor financeiro, dependendo menos de profissionais acadêmicos.

Terceiro, o Fundo deveria ajudar membros que possuem programas bem definidos a liberalizar e integrar suas economias ao sistema financeiro global. Ele deveria considerar desenvolver instrumentos de liquidez apropriados para proporcionar confiança às economias dos mercados emergentes que possam ser afetadas por uma crise que esteja além do seu controle, em vez de obrigá-las a acumular reservas cada vez maiores ou a recorrer a arranjos regionais para reforçar a autoconfiança.

Ações nestas três áreas poderiam ajudar a criar uma instituição multilateral dotada de autoridade e experiência para aconselhar países sobre temas de supervisão e regulação de importância sistêmica. A presente turbulência ressalta a necessidade do sistema financeiro internacional para tal instituição. Os membros que representamos - países desenvolvidos e emergentes na Ásia e na Europa - querem desempenhar um papel no restabelecimento de um FMI fortalecido no centro nervoso do sistema monetário internacional.

Age Bakker e Perry Warjiyo são diretores executivos do FMI da Holanda e Indonésia, respectivamente, e representam 25 países na Ásia e na Europa. © Project Syndicate/Europe´s World, 2008. www.project-syndicate.org