Título: Minério de ferro poderá ter preços diferentes em 2008
Autor: Durão, Vera Saavedra
Fonte: Valor Econômico, 14/02/2008, Empresas, p. B7

O novo aumento do preço do minério de ferro para 2008 pode ser tão alto a ponto de ameaçar a quebra de um paradigma de negociação que impera há décadas no setor entre as três grandes fornecedoras do produto. Além da queda de braço com as siderúrgicas que continuam a recusar um reajuste acima de 30%, já há divergências entre mineradoras. A Vale do Rio Doce, de um lado, e as australianas BHP Billiton e Rio Tinto, do outro, negociam em bases distintas de reajustes com seus clientes. Isso levar a dois níveis de preços.

A BHP Billiton está brigando para incluir no reajuste um diferencial de frete da ordem de US$ 25 a tonelada. Isso é quanto pagam a menos as usinas na rota Austrália-China em relação ao transporte do minério do Brasil para portos chineses, hoje na faixa de US$ 50.

"A BHPBilliton quer capturar uma parte dessa diferença no preço do produto entregue no porto.. O preço das australianas ficaria acima do da Vale. Hoje, o que predomina é o 'benchmark' - não existe diferença na tonelada de minério, independente da origem", disse ao Valor uma fonte próxima das negociações. "Como vale o primeiro reajuste fechado, caberá aos clientes aceitarem ou não as novas regras do jogo", acrescentou.

Para o analista da Brascan Corretora, Rodrigo Ferraz, isso é inusitado. "Seria uma quebra de paradigma forte demais para acontecer. Acho muito difícil que se fixe dois preços diferentes. En um horizonte de um a dois anos pode não fazer mais sentido se a oferta e procura do mercado se reequilibrar e uma nova frota de navios mais moderna entrar em operações. Para mim é impossível um mercado regulado com preço FOB e outro com CIF".

Eduardo Rocha, especialista em mineração do Banco Modal, avalia que a negociação está complicada e difícil e as perspectivas são de um reajuste forte, acima de 50%. As siderúrgicas estão tentando minimizar o crescimento da produção de aço. Segundo ele, a questão do frete complica, mas está sendo posta na mesa pelos australianos desde 2007. "Eles tentaram endurecer muito a negociação neste ponto, chegando a ameaçar de não fechar contratos de longo prazo e vender somente no mercado spot se não tivesse o diferencial de preço". Mas a ameaça não surtiu efeito e neste ano pode ter algum tipo de evolução, acrescenta. "Creio que poderá ser mais viável se a BHPBilliton comprar a Rio Tinto".

Na visão dos analistas, a BHP poderá acertar com os chineses, com quem se entende bem, uma cláusula que inclui o diferencial de preço nos seus contratos de venda enquanto perdurar o desequilíbrio no preço CIF. Se a Vale for a primeira a fechar o reajuste com os chineses, como correu nos últimos dois anos, os australianos podem depois tentar negociar o diferencial de frete com seus clientes.

Na mesa de negociações, a Vale estaria barganhando reajuste de 70% a 80%, segundo fontes, enquanto os australianos, pelas razões mencionadas, chegando a pedir mais de 100%. Nesse confronto, as siderúrgicas não vêem espaço para um índice acima de 30% e procuram ganhar tempo. Um interlocutor ligado a uma trading japonesa disse que a estratégia da indústria do aço é apostar no aprofundamento da recessão americana: isso poderia derrubar as taxas de crescimento da economia mundial, inclusive da China. "Quanto mais tempo demorar a negociação, melhor para as usinas de aço".

As mineradoras, por seu lado, estão apostando que até o fim de fevereiro haverá um desfecho. Com base num mercado muito apertado, fato inédito na história do minério de ferro, elas já apostam que 2008 poderá ser o recorde de alta de preços do produto, depois dos 71,5% de 2005. Para os próximos anos, avaliam que o desequilíbrio entre oferta e demanda não será tão significativo e, por isso, brigam para negociar um patamar bem alto agora, que existe espaço. Cada vez mais as usinas de aço estão se verticalizando, buscando ter suas próprias minas, como fez recentemente a Usiminas, que vai garantir sua auto-suficiência. A líder global, Arcelor Mittal, tem quase 50% de oferta própria e mira 75%.

Os seguidos aumentos de preço têm incentivado novos concorrentes para as três grandes, como Anglo American, MMX e CSN. Isso poderá criar até superávit na oferta e justifica a busca de maior consolidação no setor e garantia de um nível elevado de preço. Segundo informação, nos anos 80 uma tonelada valia menos que "um cacho de banana".