Título: China toma cliente de artigo nacional
Autor: Ribas, Sílvio
Fonte: Correio Braziliense, 04/02/2011, Economia, p. 14

Pesquisa da CNI mostra que empresas brasileiras perdem terreno para competidoras chinesas no mercado doméstico e no externo O real valorizado aprofundou as perdas da indústria brasileira nos mercados interno e externo para concorrentes chineses. Sondagem especial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), divulgada ontem, revela que quase metade (45%) das empresas do setor expostas à competição com produtos made in China diminuiu o número de clientes no segmento doméstico em 2010.

Mais da metade (52%) das exportadoras compete com chineses no mundo. Delas, 67% perderam clientela para o maior parceiro comercial do Brasil. Só no ano passado, 4% jogaram a toalha e deixaram de direcionar produtos para fora.

O estudo ainda alerta para a aceleração da importação de insumos chineses para a produção industrial. Um quinto do total das empresas pesquisadas já se mostrou dependente dos importados nas suas linhas de montagem e um terço delas avisam que vão até ampliar essas compras. ¿Caso a tendência favorável à China se mantenha nos próximos anos, a estrutura industrial brasileira corre risco de mudar de perfil¿, afirmou o gerente executivo de Política Econômica da CNI, Flávio Castelo Branco.

Segundo ele, a concorrência dentro e fora do país com os chineses se intensificou, a ponto de interferir na rotina de indústrias de todos portes e segmentos. ¿A pressão, que já era forte, aumentou com a maior penetração dos importados na demanda interna¿, sublinhou o economista, lembrando que dois terços das empresas ouvidas sentiram a concorrência avançar. A pesquisa inédita da CNI consultou 1.529 empresas, sendo 904 pequenas, 424 médias e 201 grandes, no período de 4 a 19 de outubro.

Castelo Branco explicou que os reveses da indústria para os chineses são resultado de fatores estruturais, em razão do elevado Custo Brasil, e, sobretudo, da conjuntura cambial. O aumento da concorrência nos últimos quatro anos é consequência dos baixos preços dos produtos chineses.

Impostos Os baixos salários e encargos sobre a folha de pagamentos, as taxas de juros menores e a carga tributária e burocracia mais leves para exportar são algumas das vantagens extras para os artigos da China. Na comparação com a indústria brasileira, os chineses ainda ganham com menos normas técnicas, maior escala de produção e melhor eficiência de infraestrutura.

Como a moeda chinesa (iuan) está atrelada ao dólar, que passa por um enfraquecimento global, acaba se desvalorizando em relação ao real. Nesse contexto, as maiores empresas preservam destinos comerciais, mas perdem clientes. As pequenas são as primeiras a deixar de exportar.

Para reagir ao quadro desfavorável, as empresas buscam reduzir custos e investir em inovação. O gerente da CNI defendeu a adoção de uma agenda de competitividade nacional, ¿numa velocidade adequada para enfrentar essa concorrência¿. Ele cobrou ações de defesa comercial, com reforço de pessoal e equipamentos nos serviços de alfândega e de fiscalização, além de tarifas temporárias.

Quanto ao número de fábricas brasileiras em território chinês, que alcança 10% das pesquisadas, o economista lembrou que esses investimentos retratam uma estratégia da indústria mundial. A produção na China visa preservar parcelas do mercado, mas também serve de alerta para a necessidade de aprimorar as condições de competitividade do Brasil. ¿O que nos cabe fazer é mudar para também atrair investidores¿, finalizou.

Estrago Principais impactos da concorrência chinesa sobre a indústria do Brasil

52% das indústrias brasileiras competem com produtos chineses no exterior. Dessas, 67% perderam participação e 4% deixaram de exportar. 28% do total de indústrias concorrem com a China no mercado brasileiro. Dessas, 45,1% perderam clientes e 40,7% são de grande porte

De inimigo a parceiro 21% das indústrias pesquisadas importam insumos chineses na sua fabricação. 34% das grandes empresas importam da China, o dobro do percentual verificado em 2006. Dessas, 9% compram produtos finais. 10% das empresas têm fábricas na China para atender o Brasil e outros países

Saídas encontradas 48% das empresas investem em qualidade e inovação para reagir aos chineses. 45% buscam reduzir custos para evitar perder mais mercados para os chineses

Setores mais afetados Componentes eletrônicos e de comunicações, têxteis, equipamentos hospitalares e de precisão, calçados e máquinas industriais

Fonte: CNI

Aliança estremecida Pelo menos uma vez por semana desde sua posse, a presidente Dilma Rousseff recebe assessores para tentar lidar com um problema aparentemente intratável: os produtos chineses. Poucos meses atrás, Brasil e China pareciam fadados a formar uma das alianças definidoras do início de século: duas economias emergentes com rápido crescimento, posicionando-se lado a lado em negociações comerciais e buscando oportunidades de negócios conjuntos. Mas não é assim que tem funcionado.

A reunião semanal é um sinal de como Dilma põe o Brasil em uma posição de maior confronto frente a seu principal parceiro comercial, na tentativa de resolver uma relação que ela considera cada vez mais desequilibrada. Oficialmente, o tema dos encontros é a busca por uma maior competitividade no comércio global. Mas eles se tornam debates sobre como conter a enxurrada de importações de itens chineses, que quintuplicaram desde 2005, com prejuízos para a indústria brasileira.

¿São basicamente reuniões sobre a China¿, disse um funcionário de alto escalão que costuma participar delas. ¿As relações entre os dois países não são hostis, mas vamos tomar medidas para nos proteger e promover uma relação mais igualitária.¿ A curto prazo, isso significa tarifas dirigidas a artigos manufaturados made in China, uma fiscalização alfandegária mais rígida e processos antidumping. Também é possível que sejam adotadas novas regras para mineradoras estrangeiras, dizem as autoridades, refletindo os temores de que a China desejaria controlar as riquezas minerais brasileiras, sem oferecer em contrapartida acesso suficiente ao seu mercado.

Rompendo com a posição de seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma deve aderir ao coro pela valorização do iuan quando visitar o país em abril. Ela também deve pedir maior acesso ao mercado chinês para empresas como a Embraer. ¿O Brasil tem sido ingênuo na relação com a China nos últimos anos¿, atacou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, criticando a administração de Lula. ¿Ela é bem mais desnivelada do que a maioria das pessoas pensa.¿

Embora Brasil e China devam preservar relações amistosas e continuar ampliando o comércio bilateral, a guinada na atitude do governo pode afetar diversos aspectos, como o vínculo com os Estados Unidos e o futuro das relações entre países emergentes. ¿É surpreendente que a relação esteja mudando tão rapidamente¿, disse Maurício Cárdenas, diretor do programa latino-americano da Brookings Institution, de Washington. ¿O Brasil está claramente buscando grandes mudanças. Isso pode ter consequências para toda a América Latina, já que muitos outros países, experimentando os mesmos problemas (com a China), seguem o exemplo do Brasil.¿

Dependência Redefinir a relação com a China é algo mais fácil na retórica do que na prática. Assim como os EUA sofreram para se equilibrar entre a pressão por um iuan mais valorizado e o desejo de importar produtos baratos e receber financiamento da China, o Brasil também precisa rever o emaranhado de dependência que se criou rapidamente na última década. O comércio bilateral disparou de pouco mais de US$ 2 bilhões em 2000 para US$ 56,2 bilhões em 2010. A China superou os EUA como maior parceiro comercial do Brasil e, no ano passado, foi também a principal origem de investimentos estrangeiros diretos, com cerca de US$ 17 bilhões.