Título: Cenário adverso para fumo da Bahia
Autor: Cruz , Patrick
Fonte: Valor Econômico, 17/01/2008, Agronegócios, p. B2

A produção, a área plantada e a produtividade do fumo cultivado na Bahia têm crescido de forma ininterrupta desde o início da década. No Estado, que cultiva o fumo escuro, utilizado na fabricação de charutos, o volume produzido cresceu mais de 50% entre 2000 e 2006. No mesmo intervalo, a área de plantio subiu 25%, ritmo de avanço idêntico ao alcançado pela produtividade.

Em uma primeira leitura, o mercado de fumo em folha - e, em conseqüência, o de charutos nacionais - está em ritmo de comemoração, mas os relatos das indústrias que protagonizam esse mercado reportam apreensão. Aumento da carga tributária, avanço de programas antitabagistas e a concorrência com os produtos contrabandeados estão entre os maiores inimigos.

A última grande guinada para o segmento ocorreu em julho, quando passou a valer a nova regra de tributação de micro e pequenas empresas, o Super Simples. As fabricantes de charutos, que eram enquadradas no Simples, deixaram de sê-lo. Com isso, a carga tributária dessas empresas passou de 9% para, na soma dos tributos, cerca de 40%.

"Somos o primo paupérrimo da indústria do fumo", resume Ricardo Becker, superintendente de vendas da Le Cigar, uma das principais empresas do setor. A exclusão do Super Simples, afirma ele, foi um divisor de águas para a indústria. "E estão tentando abafar o setor também com os programas antitabaco, mas não se traga charuto, que é fumado com uma freqüência bem menor que a do cigarro".

Cerca de 20% das vendas da Dannemann, a mais antiga fabricante de charutos do país ainda em atividade, é feita em sua própria fábrica, localizada em São Félix, a 110 quilômetros de Salvador. Até o primeiro semestre de 2007, o volume diário de visitantes era de até 50 pessoas. Depois de julho, a média caiu para 20 a 30 pessoas. "E teve dia sem ninguém", relata Fernando Andrade, gerente comercial da companhia.

Essa queda justifica-se não apenas pelo aumento da carga tributária, que encarece o produto nacional, mas por fatores como a valorização do real e a menor freqüência de vôos para Salvador ocasionada pelo caos aéreo. "Isso derrubou o turismo estrangeiro", diz Andrade. O setor está se mobilizando para tentar reduzir o peso dos impostos, afirma ele, que, resignado, emenda: "o duro é que é difícil o governo perder dinheiro".

O dólar mais caro não apenas inviabiliza a vinda de mais estrangeiros para as fábricas brasileiras como também barateia a entrada de produtos importados. Isso se for levado em conta apenas o ingresso de produtos legalizados, já que o contrabando de charutos, sobre o qual não há estatísticas precisas, é uma sombra sempre incômoda para o segmento.

Em janeiro do ano passado, a Emporium Cigars passou a ter a exclusividade na importação de charutos cubanos para o Brasil. A entrada da empresa no ramo, com fôlego novo, é apontada pelas fabricantes nacionais como um dos motivos de ter crescido a presença dos cubanos no país.

"Além da queda do dólar, repassada para os preços finais com substanciais descontos e bonificações, nossa política de preços visou à retomada de nosso mercado perdido no passado", diz Alberto Salles, da Emporium. A política de descontos, afirma ele, também buscou "reduzir a diferença de preços com relação aos produtos falsos e contrabandeados, que abundam no mercado".

No primeiro ano de atividades, a Emporium atuou com distribuidores no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Brasília e Salvador. A rede será ampliada em 2008, segundo a importadora. A empresa, que não revela o volume de suas vendas, limita-se a informar que elas "ficaram bem acima de nossas expectativas".

O impulso à entrada mais forte de charutos cubanos no mercado brasileiro não é dado apenas pela taxa de câmbio. Desde 2000, um acordo de comércio isenta de imposto de importação os charutos cubanos que entram no Brasil. Como o embargo imposto pelos Estados Unidos impede que produtos cubanos ingressem no mercado americano, a produção ganha outros destinos. O Brasil entre eles.

A importação com preço menor e o aumento de renda levam mais consumidores para esse mercado. Um cubano de segunda linha pode ser comprado por R$ 12, enquanto um premium nacional, de qualidade superior, sai por cerca de R$ 30, a depender de sua marca e dimensões. "O consumidor precisa cair na real. Quem não entende, acaba comprando um charuto cubano de segunda linha só porque é cubano", diz Andrade, da Dannemann.

Em 2008, um desdobramento do cenário que abateu a indústria brasileira de charutos no ano passado será a redução de margens, além do aumento de preços, que já se verificou nos últimos meses. "Esperamos que haja alguma melhora em 2008. Está todo mundo com a corda no pescoço", afirma Fernando Fraga, sócio da Chaba e presidente do Sindicato da Indústria do Fumo do Estado da Bahia (Sindifumo/BA).

A Bahia começou a produzir fumo no século 16 e as primeiras indústrias de charuto instalaram-se no Estado na segunda metade do século 19. Os sobressaltos que a fumicultura baiana enfrentou desde então tiveram, quase todos, conseqüências que mudaram radicalmente as feições do segmento.

A primeira grande guinada ocorreu com o desenvolvimento da fumicultura do Sul do país. Em 1918, implantou-se no Rio Grande do Sul o sistema de integração entre indústrias e produtores, o que disseminou técnicas de beneficiamento mais sofisticadas que as adotadas pelo fumo na Bahia.

Até a década de 30, a Bahia liderou a produção brasileira de fumo. Depois da Segunda Guerra, contudo, a urbanização do país estimulou o consumo de cigarro (que tem como matéria-prima o fumo claro, produzido no Sul) em detrimento de charutos e cigarros de palha. Isso, associado à melhor organização da fumicultura do Sul, deprimiu a produção baiana. Naquele período, a Bahia produzia cerca de 50 mil toneladas de fumo, quase quatro vezes mais que o volume atual.

Outra guinada ocorreu nos anos 70, quando foram extintos monopólios estatais e liberados mercados aos derivados de fumo nos países que formam hoje a União Européia. Isso abateu as exportações para a Europa. Nos anos 80, uma superprodução de fumo derrubou os preços e afetou ainda mais o mercado.

Das grandes indústrias nacionais, a única que não se ressente dos percalços de 2007 é a Menendez Amerino, a maior do país . "O ano foi bom. Se possível, queremos que 2008 repita o o que ocorreu em 2007", afirma o comandante da empresa, Félix Menendez.