Título: Nova rodada da crise
Autor: Fariello , Danilo
Fonte: Valor Econômico, 17/01/2008, EU & Investimentos, p. D1

Faz uns seis meses que analistas do mercado financeiro prevêem a proximidade de um período de acentuada turbulência na bolsa de valores. Mesmo sabendo disso, começar o ano com uma perda acumulada de 8% no Índice Bovespa (Ibovespa) leva muito investidor a desconfiar das projeções de que este será mais um ano de vacas gordas. Recentemente, notícias negativas sobre o mercado dos EUA - a fonte da crise - têm bombardeado a bolsa, levado muita oscilação ao preço das ações e enchido de ansiedade corações de aplicadores. No entanto, àqueles que buscaram na renda variável uma aplicação para o longo prazo, diversos analistas recomendam sangue frio e paciência. Os fundamentos das empresas e da economia brasileira ainda não evaporaram - ao menos até agora.

São essas análises fundamentalistas que levaram o mercado a projetar uma média de alta de 28% para o Ibovespa neste ano, segundo levantamento da Financial Investor Relations (Firb). E, para quem crê no sucesso dos analistas financeiros, a idéia é que, quanto mais as ações caem, maior seria o potencial de valorização até o fim do ano.

"Por enquanto, a crise ainda é estrutural apenas nos EUA e basicamente financeira aqui no Brasil", diz Celso Boin Júnior, chefe da área de pesquisa da Link Investimentos. Em geral, ainda não há impacto real nos resultados das companhias da bolsa brasileira. Mas saiu muito dinheiro estrangeiro investido aqui, por isso a turbulência e o chacoalho no preço das ações, explica ele. Com isso, o que ficou impossível é adivinhar o rumo das ações no curtíssimo prazo. "Para quem quiser especular por poucos dias, será fácil trocar o pé e errar, muito mais do que nos anos anteriores", diz Fabio Anderaos Araujo, estrategista da corretora do Itaú. "O daytrade (operações de compra e venda das ações no mesmo dia) virou um negócio ainda mais perigoso", diz Boin. Bom exemplo disso foi a oscilação da bolsa ontem.

Mas a aplicação de longo prazo, que recomendam para aplicadores de menor porte, não tem de ser abalada pelo sobe-e-desce recente, dizem. "Indicadores do mercado imobiliário dos EUA já parecem se acertar e tanto as expectativas para o PIB daqui quanto para o rumo da taxa Selic ainda não foram alteradas", diz Anderaos, explicando por que os fundamentos permanecem.

No entanto, o sentimento dos investidores se move mais por conta do sobe-e-desce diário do que pelos fundamentos, reconhece o professor de Finanças do Ibmec-Rio Nelson de Souza. "As pessoas físicas têm dificuldade de acesso a boas informações." Além disso, apenas em 2007, o número de investidores pessoa física na Bovespa mais do que dobrou, de 219 mil para 456 mil. Isso quer dizer que muitos desses novos investidores provavelmente nunca viram uma crise mais séria na bolsa e, portanto, têm reação pouco previsível em um cenário ainda pior.

Há um aumento do desconforto dos investidores da bolsa, porque a previsibilidade do mercado no curto prazo caiu, comenta Souza. "Porém, olhando para o longo prazo e sem reparar nesses engasgos passageiros, as ações ainda projetam bons rendimentos", acrescenta ele.

O problema, citado por Souza, é que não se tem noção exata da intensidade do impacto da crise imobiliária nos EUA e no mundo. Por isso, as ações deverão oscilar muito até que se tenha uma idéia da extensão do estrago, diz Luciano Tavares, sócio da Nest Investimentos. "Pelo menos nos próximos três meses."

Para Carlos Alberto Torres de Melo, diretor de Asset Management do Banco Safra de Investimentos, no médio prazo, os fundamentos do Brasil vão ser suficientes para amortecer os problemas lá fora. No curto prazo, será preciso ficar "antenado" com os acontecimentos fora do país. "Mas não achamos que a época da bonança acabou, o Brasil continua na rota certa", afirma Melo. Se a recessão nos EUA se confirmar, diz, haverá impacto na balança comercial e nas exportações. "Mas os números hoje são altíssimos, o que dá uma boa margem de segurança", diz. Com a turbulência no curtíssimo prazo, Melo recomenda ao investidor evitar grandes mudanças na carteira. "É preciso manter a calma".

Para Anderaos, do Itaú, o investidor que crê no bom desempenho da bolsa no longo prazo deve, não só ficar calmo, como permanecer aplicando na bolsa, mas talvez seria mais interessante parcelar esses depósitos. "Se tem R$ 4 mil para investir, poderia reduzir os riscos da oscilação de curto prazo aplicando R$ 1 mil a cada mês", diz ele. Se a quantia for pequena, Anderaos recomenda ao aplicador buscar fundos de ações, por conta dos custos da aplicação direta. Aplicando em parcelas, é provável ganhar menos, mas também se perderia menos com a volatilidade, explica. "Deixar a bolsa hoje ocorreria só se acreditássemos que o mercado vai degringolar de vez, mas nem dá para ter certeza disso agora."

Para Souza, do Ibmec-Rio, porém, pode ser melhor para o investidor menos agressivo que ainda não entrou na bolsa esperar mais um pouco para ver o céu clarear ou escurecer de vez. "Quem já aplica deve saber que a probabilidade ainda é de ganho no longo prazo, mas que há possibilidade de perda", diz. Quem não quer oscilações deve procurar a renda fixa, acrescenta.

No entanto, segundo Melo, do Safra, da queda da bolsa nos últimos dias não decorreram saques nos fundos mais agressivos. "Isso mostra a maturidade que o investidor brasileiro adquiriu nesses últimos três anos, de ver ações como aplicação de longo prazo", diz. Porém, ele reconhece que há uma maior procura dos clientes por renda fixa diferenciada, fundos de crédito e DIs por conta da volatilidade dos mercados.

Nesses momentos de turbulência, é mais comum encontrar uma bolsa mais esquizofrênica, com ações disparando em sentidos diferentes. Portanto, a seleção dos papéis para os aplicadores que compram diretamente as ações deve ser mais cuidadosa, comentam. Para Tavares, da Nest, seria ainda uma boa opção optar por empresas ligadas às commodities agrícolas. "À medida que os emergentes passam a ter um papel mais importante no comércio mundial, há um aumento de renda, o que faz crescer a demanda por alimentos e, por conseqüência, o preço das commodities agrícolas", diz. Foram as commodities inclusive que tiveram um papel decisivo para o comportamento do Ibovespa este ano, mais até do que o Dow Jones.

Os analistas acreditam que, neste momento, mais do que em outros de calmaria, é mais importante analisar os números de cada empresa. Se os aplicadores devem permanecer na bolsa ou entrar tendo em vista os fundamentos que apontam retorno de longo prazo, quanto maior a capacidade do aplicador de analisar esses fundamentos, maior será a capacidade de se obter sucesso. Haveria até boas pechinchas após as quedas recentes. "A ação da Itausa PN a R$ 10,30 (terminou o pregão a R$ 10,36), pode ser um ótimo exemplo de empresa sólida a um preço bom", comenta Boin, da Link. A Fator Corretora indica preço alvo de R$ 18,65 para o papel da holding do Itaú. (Colaboraram Angelo Pavini e Luciana Monteiro)