Título: Critérios para uma política de longo prazo à Previdência Social
Autor: Delgado, Guilherme
Fonte: Valor Econômico, 23/01/2008, Opinião, p. A10

A inclusão previdenciária, orientando de política de longo prazo, tem justificativa e conseqüências completamente distintas, comparativamente à tese conservadora de restrição e diminuição de direitos básicos como diretriz a uma reforma da Previdência. A inclusão também pressupõe necessidade de reformas do sistema - para ampliar a cobertura do seguro social à base da pirâmide social; enquanto que a tese conservadora disso não cogita, até porque não aceita na prática os princípios da seguridade social.

O sistema de previdência social brasileiro, organizado naquilo que hoje conhecemos como Regime Geral de Previdência Social (RGPS), é uma instituição nacional, relativamente recente, de proteção ao trabalho em situações de riscos incapacitantes, que tem passado por ciclos de filiação e desfiliação nos últimos 25 anos. O RGPS ampara atualmente no seguro social, pouco mais da metade da População Economicamente Ativa, incluindo os segurados especiais rurais.

Isto posto, uma política de longo prazo, ou uma reforma previdenciária, digna das funções típicas desse sistema, teriam que almejar a ampliação significativa do seguro social, o que em outros termos significaria caminhar no rumo da universalização de acesso.

Por sua vez, a inclusão depende de condições favoráveis do ciclo econômico de formalização no mercado de trabalho, de regras do Plano de Benefícios e de condições de financiamento no curto e no longo prazo, que precisam ser devidamente consideradas para planejamento dessa política.

No curto prazo o sistema previdenciário passa por um momento virtuoso. O acesso de contribuintes ao Regime Geral, desde 2001 até o ano de 2007, ocorre em ritmo substancialmente mais alto que o crescimento do PIB (o emprego formal cresce quase o dobro do crescimento do PIB no período). Isto, junto com outras providências de gestão, eleva as receitas do sistema por cima daquilo que se poderia esperar normalmente, e ajuda a implementar medidas de inclusão previdenciária, que de outra forma sofreriam forte restrição pelo lado fiscal.

Como o sistema previdenciário é uma instituição de longo prazo da política social, sua funcionalidade e sustentabilidade, sob o paradigma da inclusão, precisam ser planejados com perspectiva de várias gerações..

Neste sentido, há algumas questões cruciais que a política previdenciária precisaria considerar, do presente ao futuro: 1) como manter e prolongar o ciclo de formalização - expansão da população segurada; 2) como lidar com o aumento da longevidade da população segurada; 3) como enfrentar o aumento dos riscos previdenciários, distinguido claramente os riscos relacionados à idade daqueles outros relacionados às condições de vida e de trabalho dos segurados.

Esses problemas, em linguagem previdenciária, significam no longo prazo uma probabilidade alta de que os "estoques de benefícios em manutenção" cresceriam a taxas substancialmente mais elevadas que as do PIB. Tal situação configuraria dificuldades à vista, pelo fato de demandar recursos crescentes, quaisquer que fossem as bases financiadoras do sistema de seguridade social.

-------------------------------------------------------------------------------- A reforma previdenciária, digna das funções típicas desse sistema, teria que almejar uma ampliação do seguro social significativa --------------------------------------------------------------------------------

Posto nestes termos, os problemas financeiro e previdenciário de longo prazo contém interpelações que não se resolvem mediante adoção de regras ultra restritivas aos direitos sociais básicos, tão ao gosto do receituário conservador.

A ampliação da população segurada, em sociedade altamente desigual e pobre, como é a nossa, requer subvenções explícitas de alíquotas contributivas, devidamente apropriadas e monitoradas no Orçamento da Seguridade Social - algo que não se pratica no presente. Daí que, uma política de inclusão pressupõe também um novo "accountability" fiscal previdenciário, que não é a "práxis" atual, que alimenta o discurso do "déficit explosivo".

Por outro lado, as receitas das reformas conservadoras para enfrentar os desafios do aumento da longevidade, exageraram na restrição a direitos legítimos, erigindo virtualmente uma idade mínima de 65 anos, indistintamente para homens e mulheres, como panacéia de imediata aplicação, mediante o expediente sub-reptício previsto na fórmula de cálculo da Lei do Fator Previdenciário.

A questão da longevidade e a adaptação das regras previdenciárias a este processo requerem, a nosso ver, uma outra estratégia, como sejam - idades mínimas explícitas e diferenciais imediatas (60 e 55); e uma regra de transição longa - para 2030 aproximadamente, quando então se justificariam demograficamente as idades mínimas de aposentadoria - 65 anos para homens e 60 para mulheres.

Mas a discussão das idades passa ao largo de uma política preventiva à minimização dos outros riscos previdenciários (doença, acidentes, invalidez, morte, maternidade e reclusão), cuja tendência de crescimento recente (principalmente dos riscos por incapacidade), reflete piora e precarização das condições de trabalho dos segurados. Sobre estas condições, principalmente sobre a saúde pública, o sistema de seguridade social é devedor de ações integrativas - do SUS com o sistema previdenciário. Por esse caminho pode-se melhor enfrentar uma certa explosão de "auxílios-doença", renovados a prazos curtos, sem que efetivamente o doente encontre tratamento adequado e oportuno no nosso Sistema Único de Saúde.

Do exposto, transparece evidente que uma política de longo prazo para a Previdência precisa ser uma estratégia de enfrentamento de riscos incapacitantes ao trabalho. Quando ações dessa natureza são evitadas, por omissão, estas situações retornam, sob a forma de piora das condições de vida da população. Quando as mitiga, tratando-as exclusivamente sob o formato de benefícios monetários da Previdência, o crescimento destes pode exacerbar condições futuras de sustentabilidade deste sistema.

Há que se assumir a política de inclusão, com todos os seus desafios, e tratar no devido contexto os diferentes problemas que afetam o sistema previdenciário - do presente ao futuro. Destaque-se neste particular, que as questões demográficas, ligadas ao risco - idade e as condições de trabalho da população, relacionadas principalmente com os riscos por incapacidade, comportam distintas abordagens de política previdenciária.

Guilherme C. Delgado é economista do Ipea. Síntese de trabalho apresentado no Seminário "Como incluir os excluídos? Contribuição ao Debate sobre a Previdência Social no Brasil", organizado pelo CESIT/IE-UNICAMP e pelo DIEESE, em São Paulo, 26 a 28 de novembro.