Título: Cresce batalha judicial que ameaça gasoduto
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 11/02/2008, Brasil, p. A3

José Mauricio de Barcellos: advogado não desiste de disputa com estatal A briga jurídica que impede a conclusão do gasoduto Campinas-Rio, um dos projetos da Petrobras incluído no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e orçado em quase R$ 900 milhões, ganhou mais um capítulo. O advogado José Maurício de Barcellos, que há três anos questiona nos tribunais supostas irregularidades no projeto, desenterrou e furou parte do duto que passa por uma estrada de acesso à sua propriedade, na zona rural de Resende (RJ).

Barcellos estava protegido por um alvará judicial do juiz Flávio Pimentel de Lemos Filho, da 1ª Vara Cível do Fórum de Resende, que o autorizava a desfazer a obra. Quando soube do dano, a Petrobras conseguiu decisão da juíza Isabel Teresa Pinto Coelho, da 2ª Vara Cível de Resende, que obrigou Barcellos a parar a retroescavadeira usada para desenterrar o duto, mas o trabalho já havia sido feito.

Nos dias seguintes, a Petrobras entrou com um pedido de suspeição do juiz, instrumento utilizado quando se põe em dúvida a imparcialidade do magistrado. A estatal afirma que agora "com um juiz imparcial fará uso dos recursos e requerimentos permitidos e pertinentes ao caso, de forma a refazer a obra e buscar reparação pelos danos causados". Com a suspeição de Lemos Filho, o processo foi remetido à magistrada da 2ª Vara Cível de Resende e aí foi a vez de Barcellos pedir a suspeição da juíza.

Os novos lances trazem incerteza quanto ao início da operação do gasoduto Campinas-Rio, que a estatal esperava concluir no fim de 2007, com dois anos de atraso em relação ao cronograma original. O presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, disse ao Valor que a empresa já comprou a fazenda que pertencia a Telma e Arnaldo dos Santos, vizinhos de Barcellos na localidade de Pirangaí, em Resende.

Esta era a última propriedade que faltava desapropriar para constituir uma faixa de servidão e concluir a obra. A compra, segundo fontes de Resende, teria enfurecido o advogado. Gabrielli diz que a Petrobras vai transformar a área em uma "zona de proteção ambiental". Ele não revelou quanto foi pago pela propriedade. Mas o Valor apurou que a área, com 64 alqueires, custa cerca de R$ 1 milhão. A compra das terras foi fechada antes das novas medidas judiciais que trazem mais incerteza quanto ao fim do litígio.

O novo "round" da disputa acontece em meio às discussões sobre a necessidade de aumentar o suprimento de gás para o Estado do Rio e agora parece difícil prever o início da operação do gasoduto, que permitirá levar gás da Bolívia diretamente para o Rio e para o Espírito Santo. Na Petrobras poucos se arriscam a falar em uma nova data. Um diretor comentou, em tom jocoso, que o gasoduto "parece ter sido construído em cima de uma caveira de burro".

É possível que a disputa judicial entre o advogado e a Petrobras tenha novos desdobramentos, com mais atrasos no já desacreditado cronograma da obra. Barcellos não parece disposto a desistir da briga e a estatal, que contratou o escritório Siqueira Castro para auxiliá-la, tem enfrentado dificuldades para responder às manobras judiciais do advogado, aposentado do serviço geológico brasileiro, do Ministério de Minas e Energia.

Desde 2005, o juiz da 1ª Vara Cível de Resende vinha concedendo decisões favoráveis a Barcellos, inclusive a de 8 de janeiro de 2008 que permitiu ao advogado, na manhã do dia seguinte, escavar até alcançar os tubos que passam pela estradinha de acesso à sua fazenda, que tem 20 alqueires. Barcellos disse que gastou R$ 5 mil para alugar a retroescavadeira usada para desfazer a obra - valor que disse ter incluído nos autos do processo para cobrar da Petrobras.

Não foi a primeira vez que Barcellos adotou uma medida radical para tentar bloquear a obra. A Petrobras chegou a fazer um desvio com mais de um quilômetro para evitar a sua propriedade, o que teria custado R$ 16 milhões. Mas o advogado entendeu que a variante ainda cortava uma estrada de acesso à sede da fazenda e colocou um automóvel, um Fusca, no local, para barrar a passagem do gasoduto.

A colocação do Fusca como bloqueio foi frustrada porque a Petrobras fez um furo longitudinal - utilizando equipamentos para perfuração de poços de petróleo - passando debaixo do local. O carro, junto com faixas de protesto contra a Petrobras, continua na área. Barcellos não se diz contra a obra: "A Petrobras tem de cumprir a lei que manda passar o gasoduto longe da minha terra."

A tese do advogado, aceita pelo juiz de Resende afastado, foi a de que a Petrobras pretendia utilizar a faixa de servidão de um antigo gasoduto, o São Paulo-Rio de Janeiro (Gaspal), para colocar também o Campinas-Rio. Barcellos verificou as coordenadas fixadas no decreto expropriatório de 17 de fevereiro de 2004, específico para constituir servidão de passagem para o Campinas-Rio, e constatou que o traçado era diferente da faixa do Gaspal. O decreto de 2004 foi então modificado por outro, de 26 de junho de 2007, que estabeleceu nova faixa de servidão.

O problema é que, mesmo após a variante, Barcellos continuou a insistir que o duto passa nas suas terras, o que a Petrobras nega. A polêmica poderia ser desfeita com a realização de uma perícia técnica que chegou a ser pedida pelo juiz, mas nunca foi realizada em função de recursos apresentados pelas partes. A última perícia foi marcada para 28 de janeiro, mas a suspeição do juiz adiou-a novamente.

Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou a pedra fundamental do gasoduto há quatro anos, a Petrobras informava que ele era "o primeiro passo na consolidação de uma rede básica de transporte de gás destinada a interligar as regiões Sudeste, Nordeste, Centro e Sul do País". Interligaria ainda o Gasoduto Bolívia Brasil à malha interna do país.

O Campinas-Rio foi inicialmente projetado para ter 448 quilômetros de extensão, mas no final ficará com cerca de 500 quilômetros. O duto tem capacidade para transportar 8,6 milhões de metros cúbicos de gás por dia, ligando a refinaria do Planalto (Replan), em Paulínia (SP), ao terminal de Japeri (RJ).