Título: Pelo menos 20% das obras do PAC podem ficar no papel
Autor: Landim , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 11/02/2008, Brasil, p. A3

Cerca de 20% dos R$ 506 bilhões de investimentos previstos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) serão destinados a obras com baixa probabilidade de concretização, revela estudo realizado pela RC Consultores. Pelo levantamento, essa parcela dos projetos deve estourar os prazos previstos, que vão no máximo até 2011, e alguns podem nem sair do papel.

Para calcular o "risco" de um projeto não ser executado, o levantamento considerou diferentes barreiras que podem atrapalhá-lo, como complexidade e porte das obras, burocracia, necessidade de desapropriações e restrições ambientais, além da própria inviabilidade econômica. Fábio Silveira, sócio-diretor da RC Consultores, diz que o número é uma espécie de "índice de confiança" no PAC e foi calculado com base em interlocução com especialistas, empresários e órgãos envolvidos no projetos.

Entre os setores que apresentam a maior chance de frustração estão portos e hidrovias (80%), geração de energia elétrica (49%), ferrovias (48%) e saneamento e habitação (24%). Em compensação, o risco é zero para os investimentos em linhas de transmissão e metrô. Outros segmentos também registraram taxas baixas, como petróleo e gás (5%) e rodovias (6%).

"O percentual de 20% de risco é baixo para padrões brasileiros. Ainda mais se levarmos em conta o que foi feito em infra-estrutura nos últimos 15 a 20 anos", diz Silveira. "Para padrões europeus ou americanos, seria um escândalo". O economista frisa que, no caso do Brasil, um pequeno atraso nas obras pode não ser tão prejudicial, já que a economia mundial deve se desacelerar a partir do segundo semestre e em 2009 devido à crise nos EUA.

A estimativa da RC está em linha com as contas atuais do governo federal. No último boletim de monitoramento do PAC, 18% dos projetos foram classificados em estado de atenção ou preocupante. Segundo a assessoria de imprensa da Casa Civil, isso significa que as obras estão com atraso e/ou têm alto potencial de risco. O governo, porém, espera que esse percentual caía significativamente ao longo do tempo. No balanço anterior do programa, estava em 25%. No primeiro levantamento, chegava a 39%.

Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira de Infra-estrutura (Abdib), diz que a probabilidade de atrasos em 20% dos projetos é factível. Ele, no entanto, aposta que um percentual bem menor de obras deixará de ser realizado. "Burocracia e outros problemas apenas atrasam as obras. Só riscos ambientais e falta de retorno econômico podem inviabilizar", diz. Segundo o empresário, está havendo um "esforço grande" do governo para o avanço dos projetos e para dar transparência, o que permite cobrar resultados.

Segundo o estudo da RC Consultores, o governo federal será responsável por 41% dos desembolsos do PAC, o equivalente a R$ 206,9 milhões. Depois estão as estatais, com 32%, as PPPs (16%) e as concessões (12%). "Boa parte da execução das obras passará por uma máquina pública que é lenta", diz Silveira. A Petrobras contribuirá com R$ 81 milhões, o que corresponde a metade do valor atribuído ao grupo de empresas estatais.

Saneamento e habitação concentrarão 31% dos investimentos, o maior percentual por setor, conforme o levantamento da consultoria. Petróleo e gás natural aparecem em segundo lugar com 27%, seguidos de geração de energia elétrica com 13%. "Os gargalos de energia elétrica são assustadores, porque desligam os aparelhos de TV das pessoas, mas a necessidade de investimento em saneamento no Brasil é duas vezes maior", diz Silveira.

Godoy afirma que os investimentos do governo federal no PAC estão concentrados em rodovias e saneamento - setores onde é necessário intervenção estatal. "No saneamento, deveríamos ter o novo marco regulatório em vigor, para acompanhar as concessionárias. Esse setor tem um problema crônico na utilização dos recursos públicos", diz o empresário.

A região Sudeste será a mais beneficiada pelo PAC, absorvendo 40% dos R$ 506 milhões previstos. O Nordeste fica com a segunda maior fatia, 20%. Em seguida está o Norte, com 12%, onde o governo pretende construir a hidrelétrica do rio Madeira. No Sul, serão investidos 9% dos recursos, e no Centro-Oeste, 6%. Obras de alcance nacional respondem pelos 13% restantes. Silveira diz que é razoável que o Sudeste concentre os investimentos, pois é onde está o maior grau de urbanização e a maior concentração demográfica.

O Estado que mais receberá recursos será o Rio de Janeiro, cerca de R$ 81,7 milhões, graças ao investimento de R$ 53 milhões do setor de petróleo e gás. Em seguida, está São Paulo. No Estado mais rico do país serão gastos R$ 33,6 milhões em saneamento - três vezes mais que no Rio de Janeiro. No total, São Paulo absorverá R$ 69,2 milhões. Minas Gerais e Bahia aparecem logo depois, recebendo R$ 24,9 milhões e R$ 23 milhões, respectivamente. Em ambos, uma boa parcela do investimento será destinado ao saneamento básico.

"Se avaliarmos os setores contemplados, o PAC é um plano de fortalecimento da infra-estrutura", diz Silveira. Ele diz que a prioridade é correta, mas para se tornar realmente um plano de aceleração do crescimento, o PAC deveria promover articulação maior dessas obras com os investimentos da indústria e do setor de serviços.

Godoy, da Abdib, diz que a infra-estrutura ganhou importância, porque o país estava perdendo competitividade, mas reconhece que não é suficiente para garantir crescimento sustentado e que serão necessárias medidas como reforma tributária e melhor gestão do gasto público.