Título: Projeções para inflação geram controvérsia
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 19/02/2008, Brasil, p. A4

Depois de subirem com força a partir de setembro, pulando de 4% para perto de 4,5%, as expectativas para a inflação deste ano começaram a dar sinais de acomodação nas últimas semanas - e até de queda. Na pesquisa divulgada ontem pelo Banco Central (BC), as projeções do mercado para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) caíram de 4,45% para 4,39%, ficando mais longe do centro da meta de 2008, de 4,5%. Os números mais favoráveis de inflação conhecidos nos últimos dias - o IPCA de janeiro ficou em 0,54%, abaixo do 0,6% previsto pelos analistas - colaboraram para a acomodação das expectativas, o que é fundamental para que não haja uma alta de juros.

No regime de metas de inflação, a evolução das expectativas tem um peso importante, como deixa claro a ata da reunião de janeiro do Comitê de Política Monetária (Copom). Nela, o BC diz que as perspectivas do repasse de pressões do atacado para o varejo dependem de "forma crítica das expectativas para a inflação", assim como a eventual generalização de pressões inicialmente localizadas sobre os IPCs. O documento ressalta que as projeções "continuam sendo monitoradas com particular atenção". As estimativas para 2009 estão há três semanas em 4,2%.

O problema é que há muita controvérsia quanto a essas projeções. Elas são muito influenciadas pela inflação corrente e mostram-se freqüentemente erradas, tanto no longo como no curto prazo. Outra crítica é que refletem principalmente a opinião de instituições financeiras, e representam pouco as empresas da economia real.

O ex-presidente do BC Gustavo Loyola, sócio da Tendências Consultoria Integrada, acredita que manter as projeções de mercado sob controle torna mais fácil o cumprimento da meta. "Está bem demonstrado, na teoria e na prática, que expectativas mais elevadas de inflação levam a maiores reajustes de preços", diz ele, para quem, "ainda não se encontrou nada melhor do que as pesquisas de opinião" conduzidas pelo BC.

Loyola não se furta, porém, a apontar problemas em relação às expectativas de inflação. Um deles é que os índices de preços correntes têm muito peso na formação das projeções futuras. A questão, diz ele, é que mesmo os indicadores correntes já refletem o comportamento dos preços no passado, pois são divulgados com alguma defasagem.

O professor Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp, descreve o regime de metas como "um jogo de administração de expectativas entre o BC e o mercado". Para ele, as projeções têm a sua importância, mas devem ser relativizadas. Um dos motivos é que muitas vezes elas se mostram equivocadas.

Uma avaliação do relatório Focus do BC, que reúne as estimativas dos analistas para diversos indicadores econômicos, indica um baixo grau de acerto. No fim de 2003, o Focus apontava um IPCA de 6% no ano seguinte, mas a inflação efetiva em 2004 ficou em 7,6%. Em dezembro de 2005, o mercado projetava um IPCA de 4,5% em 2006, mas o indicador foi de 3,1%.

Para o professor Paulo Gala, da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a formação de expectativas de médio e longo prazo é realmente precária. "Acima de seis meses, não há uma base material objetiva para as projeções", afirma ele. "Elas são formadas por um consenso de mercado, em cima do que alguns analistas acham. É algo muito auto-referenciado."

Em prazos mais longos, o espaço para choques sobre os preços é mais elevado, aumentando a incerteza das projeções. A questão é que há erros significativos também nas previsões de curto prazo. No fim de novembro de 2007, as instituições ouvidas pelo BC estimavam que o IPCA de dezembro ficaria em 0,35%. No entanto, com a persistência da alta dos preços de alimentos, o indicador ficou em 0,74%. Nas últimas semanas, essas pressões se abrandaram e as cotações de serviços (como aluguéis, mensalidades escolares e cabeleireiro) mostraram-se comportadas, combinação que contribuiu para um IPCA mais baixo em janeiro.

Outra polêmica é o perfil das instituições que participam do Focus. Belluzzo e Gala destacam que o peso de bancos e consultorias é muito forte, enquanto o setor real é pouco representado. "Há um viés do mercado financeiro nas expectativas", afirma Gala.

O BC não informa qual a proporção de bancos e consultorias que respondem ao Focus. Consultada, a autoridade monetária informou que, na pesquisa divulgada ontem, 71 instituições fizeram projeções para o IPCA. O número pode variar a cada levantamento, e é diferente para cada indicador, pois nem todos os participantes fazem estimativas para todos eles. Além de bancos e consultorias, grandes empresas e fundos de pensão integram a amostra.

Loyola diz que seria desejável que mais empresas participassem da pesquisa, mas lembra uma limitação simples: poucas companhias têm um departamento econômico capacitado a fazer previsões. Gala também reconhece que fazer previsões não é o negócio principal das empresas do setor real. Com isso, é difícil mudar o perfil das instituições que fazem parte do Focus.

O diretor de renda fixa e economia da Unibanco Asset Management , Alexandre Mathias, também vê problemas na formação de expectativas, mas as considera muito importantes para o regime de metas. "Quanto mais ancoradas estiverem as projeções do mercado, menor o custo social da política monetária." Para Mathias, seria errado e inconsistente se o BC reagisse única e exclusivamente ao comportamento das expectativas do Focus para calibrar o nível dos juros, mas também seria equivocado ignorá-las. "Em média, o Focus é uma boa aproximação das expectativas da sociedade, o que não quer dizer que não tenha erros."

Nesse cenário, o ideal é também analisar outros indicadores que mostram as estimativas dos agentes econômicos para a trajetória da inflação, diz Mathias. Ele cita as taxas implícitas nos títulos públicos corrigidos pelo IPCA e o nível dos reajustes salariais obtidos pelos trabalhadores, por exemplo.

Embora dê bastante importância às expectativas, o BC obviamente leva em conta vários outros fatores na hora de definir o nível dos juros. Num documento divulgado em maio de 2007, o BC trata do processo de decisão do Copom. A instituição esclarece que considera muitas variáveis, quantitativas e qualitativas, para analisar a trajetória da inflação e definir o nível dos juros.