Título: Déficit com a China é gerado pela indústria
Autor: Landim , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 11/02/2008, Brasil, p. A4

Se não pode vencê-lo, junte-se a ele". O ditado popular se tornou regra para a indústria brasileira, quando o assunto é seu principal concorrente, a China. No ano passado, 70% das importações vindas do gigante asiático corresponderam a bens de capital e insumos para as empresas.

A indústria é a principal responsável pelo déficit de US$ 1,9 bilhão que o Brasil acumulou com a China no ano passado, o primeiro em seis anos. As importações de bens de consumo - duráveis e não-duráveis - ficaram em apenas 20% dos US$ 12,6 bilhões importados do país.

Para Rodrigo Maciel, secretário-executivo do Conselho Brasil-China, as empresas brasileiras aproveitaram o dólar barato para aumentar a competitividade, adquirindo máquinas e insumos mais baratos na China. "É uma maneira de enfrentar a própria China no mercado externo", diz .

Dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), elaborados pelo Conselho Brasil-China, demonstram que as importações de máquinas e equipamentos chineses somaram US$ 4,7 bilhões, 37% do total adquirido pelo Brasil no país. As compras de máquinas e aparelhos mecânicos e suas partes vindos da China cresceram 70% em 2007 em relação a 2006. Em máquinas e aparelhos elétricos e suas partes, a alta foi de 37% no mesmo período.

Maciel avalia que o crescimento da economia brasileira - cujas estimativas apontam para mais 5% em 2007 - foi o motor do aumento das importações de produtos chineses. "O Brasil tem um déficit importante com a China, mas é saudável", diz o executivo. Em 2003, o Brasil chegou a apurar superávit de US$ 2,4 bilhões com os chineses. Esse resultado caiu para R$ 412 milhões em 2006 e terminou em déficit em 2007. Em janeiro deste ano, o Brasil perdeu US$ 830 milhões no comércio com a China - valor muito superior à média dos últimos meses e ao déficit de US$ 233 milhões, de janeiro de 2007.

De acordo com o secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Welber Barral, a China apenas repete o padrão das importações brasileiras totais, concentradas em bens de capital e insumos. O país asiático também está fornecendo equipamentos para modernização dos portos brasileiros.

"A percepção é da entrada de muitos produtos chineses, mas a importação de uma caldeira ou um alto-forno custa centenas de vezes o de uma loja de R$ 1,99", diz Barral. Ele admite que existe concorrência desleal com produtos chineses em alguns setores e, nesse caso, recomenda os mecanismos de defesa comercial.

Apesar da concentração das importações em insumos e máquinas, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) continua preocupada com o intercâmbio com a China. Pedro Pedrossian Neto, coordenador de análise econômica de comércio exterior da entidade, explica que o problema não está nas exportações agregadas, mas em setores específicos.

Levantamento da Fiesp, com base nos dados da Secex, aponta que o alto-falante vindo da China chega ao Brasil custando R$ 2,3 por quilo, enquanto o mesmo produto com origem nos Estados Unidos sai por US$ 15 o quilo. Os alto-falantes exportados pelo Brasil saem por US$ 12 o quilo. Segundo Neto, o alto-falante é considerado um insumo para a indústria automotiva.

No caso das placas para microprocessador, utilizados em computadores e outros produtos eletrônicos, o quilo importado da China chega ao país por US$ 196. Com fabricação nos EUA, o mesmo produto custa US$ 942 por quilo. As exportações brasileiras ficam em US$ 506 por quilo.

"É ótimo que o Brasil importe bens de capital, mas esses setores correm sério risco de desindustrialização", diz Neto. "Será que os benefícios trazidos pela China, ao ajudar o país a controlar os preços e elevar os salários reais, compensam os malefícios da desindustrialização no médio prazo?", questiona o especialista.