Título: Controlador-geral defende CPI dos Cartões
Autor: Ulhôa , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 11/02/2008, Política, p. A5

Defensor entusiasmado do uso dos cartões e da divulgação dos seus gastos no portal da transparência (www.transparencia.gov.br), o ministro Jorge Hage, da Controladoria-Geral da União (CGU), se diz preocupado ao ver setores da imprensa e da oposição tentarem "demonizar" a utilização de cartões de crédito corporativos por ministros e servidores da administração pública federal.

Ele faz um alerta: "Só interessa aos corruptos um retrocesso nisso, porque voltaremos para o tempo do obscurantismo completo nas despesas de suprimento, que é como se vivia no passado". O passado a que se refere não está tão longe. Os cartões foram criados em 2001, mas só passaram a ser usados em 2002. Portanto, quase todo o governo FHC viveu sem ele.

É para investigar principalmente esse período que o ministro defende uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). O governo propõe uma CPI para investigar os últimos dez anos. A oposição também quer CPI, mas para apurar denúncias atuais. "Alguém pode, em sã consciência, assegurar que não ocorreram irregularidades (antes dos cartões), se não havia transparência alguma? Era transparência zero", afirma. Ele garante que investigação é possível, porque os processos ainda estão arquivados. O Cartão de Pagamentos do Governo Federal (CPGF) funciona como cartão de crédito comum, usado por servidor autorizado em três hipóteses: despesas de "pequeno vulto", despesas protegidas por sigilo (como as da Presidência da República, da Abin e da Polícia Federal) e despesas "eventuais".

No primeiro caso, o limite por transação é R$ 800,00. Portaria do Ministério da Fazenda disciplina alguns casos, como execução de obras e serviços de engenharia e compras em geral.

Em relação às despesas sigilosas, não há limite. E a "zona cinzenta" a que Hage refere-se encontra-se no terceiro caso, o das despesas eventuais. "Não tem como ter uma lista, um cardápio de despesas eventuais. Se é previsível, não é eventual. Aí tem que entrar o bom senso, pré-requisito fundamental para qualquer pessoa que queira assumir função pública. É preciso uma distinção clara entre público e privado", diz Hage.

Antes da adoção do cartão, despesas emergenciais e de pequeno vulto do governo eram pagas apenas por meio de conta corrente (Contas Tipo B), abertas em nome do servidor, que podia sacar ou emitir cheque. O valor era depositado e o servidor tinha que prestar contas em até 30 dias, com notas fiscais e recibos. "Era inteiramente obscuro, por onde saía cobras e lagartos e nunca ninguém discutiu nada, porque não tinha transparência alguma", afirma Hage.

A Conta Tipo B foi extinta até a semana passada, quando um decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou o encerramento de todas até junho. Atualmente, as duas modalidades (cartão corporativo e conta bancária) ainda são utilizadas no governo, por meio de concessão de "suprimento de fundos". Os recursos para esse suprimento saem do custeio da máquina e não constam do Orçamento da União em rubrica específica.

As despesas realizadas por meio das contas Tipo B estão menos sujeitas a controle do governo, por não deixar registro eletrônico da operação. A adoção de um ou outro é inteiramente opcional.

O cartão corporativo não pode ser utilizado como cartão de débito, mas permite a realização de saques em espécie, em agências ou terminais eletrônicos do Banco do Brasil. Outra decisão tomada pelo governo foi vedar os saques, permitindo saques de até 30% da despesa anual do órgão em casos justificados.

Outra decisão anunciada na semana passada pelo governo, defendida por Hage, é a recomendação para que ministros não usem cartões. Em caso de viagens, receberão diárias fixas, com valor pré-estabelecido, como os demais servidores públicos e autoridades dos outros poderes. "Com diária, se ele quiser ficar em hotel luxuoso, paga a diferença. Essa medida acaba com a discussão ridícula, inútil e desgastante sobre a escolha de hotel ou de restaurante", diz.

Os valores gastos com as Contas Tipo B são superiores às do cartão. Em 2007, o valor total do Suprimento de Fundos (cartões corporativos mais Conta Tipo B) foi de R$ 177,5 milhões. Desses, R$ 99,5 milhões destinaram-se às contas bancárias.

O ministro da CGU nega haver descontrole nos gastos. O que existe, segundo ele, é prioridade. O suprimento de fundos representa 0,004% da despesa anual da União. "É evidente que os órgãos de controle, se tiverem de optar entre acompanhar a licitação e a execução da despesa de uma grande obra do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) de R$ 50 milhões ou acompanhar o gasto de R$ 8 com a tapioca, não tenha dúvida que vamos priorizar o acompanhamento do gasto de R$ 50 milhões", afirma.

O cartão pode ser concedido a qualquer servidor público de órgãos e entidades da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional designado pelo Ordenador de Despesa da Unidade Gestora.

Os cartões do governo são diferentes dos cartões corporativos das empresas, utilizados por executivos para pagamentos de despesas pessoais. No caso dos cartões do governo isso não é permitido. O servidor só pode pagar despesas necessárias à administração pública. Essas despesas estão regulamentadas no Decreto nº 5.355/ 2005, modificado recentemente pelo Decreto nº 6.370, de 1º de fevereiro de 2008.

No primeiro decreto, era permitida a utilização do cartão para pagamento de: "aquisição de materiais e contratação de serviços de pronto pagamento e de entrega imediata, enquadradas como suprimento de fundos; pagamento às agências de viagem previamente licitadas e pagamento de diária de viagem a servidor".

A utilização do cartão para despesas pequenas, de caráter excepcional, está regulamentada pela Portaria do ministro da Fazenda nº 95, de 19 de abril de 2002, que fixa percentuais máximos para o gasto, tomando como parâmetros valores fixados na Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações). De acordo com a Portaria, as despesas com obras e serviços de engenharia podem ser de, no máximo, R$ 15 mil para cada suprimento. O servidor encarregado pode receber novo suprimento, depois de prestar contas do gasto anterior. O valor máximo por nota fiscal é de R$ 1,5 mil.

Para compras e serviços em geral, o limite por cada suprimento é de R$ 8 mil. Por operação, o gasto não pode ser superior a R$ 800.