Título: Mercados operam em fase de menor instabilidade
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 19/02/2008, Opinião, p. A14

O nervoso pêndulo das expectativas sobre o futuro imediato da economia americana se deslocou para o lado de uma desaceleração relativamente suave, de curta duração. Seis meses após os bancos começarem a apontar em seus balanços perdas bilionárias recordes com empréstimos aventureiros em hipotecas e derivativos exóticos, as atividades econômicas continuam dando prova de vitalidade, o que contrasta com os lúgubres vaticínios que predominam nos círculos financeiros. Se os bancos não têm ainda nenhum motivo real para suspeitar que o pior já passou - estima-se que as perdas podem ser pelo menos de mais que o dobro das que já foram reconhecidas, de US$ 150 bilhões -, do lado real da economia há elementos que indicam que o mergulho em uma recessão não é inexorável.

As reações às declarações do presidente do Fed, Ben Bernanke, na semana passada, revelaram o clima que os mercados vivem e as apostas nada catastrofistas que podem vir a prevalecer. As bolsas subiram depois que Bernanke apontou que as condições econômicas continuaram se deteriorando e entenderam a promessa do Fed de fazer o que for necessário para evitar que elas sigam piorando como uma promessa de nova redução dos juros. É mais que provável que um novo corte dos juros aconteça, mas o mais importante parece ter ficado de lado. Em primeiro lugar, Bernanke deixou claro que o BC americano prevê um baixo crescimento do PIB, um pouco acima de zero, para os dois primeiros trimestres do ano, seguido de uma recuperação, que não será exuberante, a partir do segundo semestre. Em segundo, indicou que o Fed está guiando suas ações de olho na piora adicional das condições da oferta de crédito bancária que possa agravar a liquidez da economia como um todo e deprimir as atividades econômicas .

As forças que puxam a economia em direções opostas estão claramente delineadas. Cortes, inéditos pela rapidez, nos juros e um pacote de auxílio fiscal de US$ 168 bilhões, aprovado com velocidade recorde pelo Congresso americano, podem impedir que a recessão se instale ou acelerar a recuperação. A queda do dólar, que acompanha uma maior redução dos juros nos EUA que no resto de seus parceiros comerciais, é um fator importante para incentivar uma reação. Pela primeira vez em seis anos, o déficit comercial anual dos EUA caiu em 2007. O forte ímpeto exportador pode neutralizar o peso negativo da queda nas atividades do setor imobiliário, que está longe de terminar, e no setor de serviços, causada pelos amargos prejuízos das instituições financeiras.

Por outro lado, o vigor das exportações americanas mostra que a economia global ainda não sentiu - e há dúvidas de que possa sentir com forte intensidade - o baque nas atividades nos EUA. É certo que o mundo vai crescer menos após a crise americana, mas esse movimento pode não ser necessariamente dramático. A zona do euro apresenta crescimento menor agora, de 1,6%, mas ainda assim superior ao 0,6% dos EUA registrado no último trimestre de 2007. As previsões sombrias de que o Japão estava a caminho de uma recessão foram colocadas em dúvida pelos 3,7% de expansão do último trimestre. As economias européias parecem estar sendo puxadas para baixo por uma redução do consumo, que é desigual no interior do continente. Alemanha e Espanha estão com um desempenho acima da média. EUA e Japão estão garantindo força com exportações, o que evidencia que os países emergentes, os asiáticos em primeiro lugar, ainda exibem taxas de expansão capazes de deixar para trás uma severa recessão global.

Há ainda muitas incertezas no horizonte. Entretanto, mesmo no ciclo de perdas nos mercados, há sinais de que não se está diante do pior dos mundos, ainda. Os dados desfavoráveis, como o mergulho no índice de confiança do consumidor americano e a perda de fôlego do setor de serviços, provocaram oscilações de menor intensidade agora do que em janeiro nas bolsas mundiais. O bom termômetro das commodities aponta para uma febre de demanda que não se coaduna com a perspectiva de uma recessão nas economias mais importantes do planeta. O maior perigo, entretanto, ainda mora nos bancos.