Título: Kosovo, catalisador da UE
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 19/02/2008, Opinião, p. A15

A Declaração de Independência de Kosovo pôs a estabilidade na região ocidental dos Balcãs de volta à agenda européia. A menos que a União Européia (UE) aja rapidamente, poderá haver um retrocesso em toda a região, com sombrias conseqüências sociais, econômicas e de segurança. A UE necessita uma abordagem regional abrangente, concentrando-se nos passos remanescentes para que cada país seja admitido à União.

O Balcãs Ocidentais - um termo usado apenas a partir de 1999 - compreendem Albânia, Bósnia-Herzegovina, Croácia, Macedônia, Montenegro, Sérvia e Kosovo, com uma população combinada de aproximadamente 22 milhões de habitantes. A evolução econômica é promissora, pois quase todas as suas economias estão registrando elevado crescimento, alimentado por crescente produção industrial e exportações. O investimento estrangeiro está crescendo continuamente, pois as empresas parecem acreditar que os problemas políticos e de segurança remanescentes - os possíveis efeitos negativos do mal-estar pós independência de Kosovo e da Bósnia - serão superados em pouco tempo.

Muito trabalho já foi feito para restabelecer e melhorar as relações regionais. Desde 1999, o Pacto de Estabilidade para o Sudeste Europeu, liderado pela UE, teve êxito em estimular a cooperação regional entre diferentes países, pela primeira vez desde a fracionamento da Iugoslávia. Setores como energia, transportes, infra-estrutura - rodovias, ferrovias e hidrovias e prevenção de crimes -, todos beneficiaram-se. O Pacto de Estabilidade foi agora transferido para o controle local, ressurgindo na forma do Conselho de Cooperação Regional com sede em Sarajevo, pronto para desenvolver uma padronização regional e multilateral para seus membros.

O recentemente revitalizado Acordo Centro-Europeu de Livre Comércio (Acelc) deverá ser o principal alavancador regional de comércio e negócios, e obedecerá simultaneamente às regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) e aos compromissos das partes para com a UE. Na mesma linha, o Processo de Cooperação do Sudeste Europeu é uma das organizações regionais relativamente novas que contribuem para os preparativos de países candidatos e potenciais candidatos à participação na UE, constituindo-se no primeiro genuíno fórum de políticas para a região como um todo, do qual participam tanto membros da UE como países candidatos.

Mas esses organismos não devem ser vistos como substitutos do bem mais abrangente processo de admissão, que somente a própria UE pode iniciar. Mas, apesar das perspectivas favoráveis para a região e de seu tamanho relativamente pequeno, a União tem sido lenta neste sentido.

Inquestionavelmente, o ritmo de aproximação dos países candidatos à União depende da velocidade de suas reformas. E a Europa, com o apoio vital dos EUA, empenhou-se a fundo para fazer cessar a carnificina da década de 1990 e, posteriormente, para ajudar a reconstruir os países balcânicos.

-------------------------------------------------------------------------------- UE deve desenvolver a estratégia de admissão para os Balcãs Ocidentais, cujo desenvolvimento foi retardado por um processo de transição pós-conflito --------------------------------------------------------------------------------

Mas a UE, até agora, não preparou os Balcãs Ocidentais para admissão à União, de modo coerente com a promessa de seus líderes manifestada na cúpula de Tessalônica em 2003, de admitir os países dos Balcãs Ocidentais quando estes atenderem os padrões da União.

Essa promessa não foi uma questão de caridade: os Balcãs agregarão valor à UE. Sem dúvida, a prolongada crise interna à UE envolvendo a proposta de Constituição foi um importante fator de distração e abalou a sua reputação nos Balcãs. Esperemos que o novo Tratado de Reforma ajude a tranqüilizar os críticos e abrir caminho para uma nova - e mais robusta - fase de integração.

Do contrário, caberia-nos indagar que fim levou o espírito europeu das décadas de 1970 e 1980, quando países como a Grécia, Portugal e a Espanha, recém-saídos de ditaduras e turbulência social, foram positivamente acolhidos à comunidade européia de países democráticos. As decisões políticas tomadas à época foram bem mais arriscadas do que as que se apresentam agora nos Balcãs, e as histórias de sucesso grega e ibérica evidenciam a sabedoria da corajosas decisões tomadas naquele momento.

Mas, o que podemos dizer hoje? Os mais recentes países membros da UE, Bulgária e Romênia, ficam ambos nos Balcãs e são também, ambos, exemplos de países com necessidades especiais. Embora a UE tenha inicialmente assumido as negociações para sua admissão de maneira um pouco casual demais, posteriormente decidiu continuar monitorando os dois países, mesmo após a admissão, para assegurar que eles desenvolvessem os sistemas administrativo e judicial eficazes que são uma obrigação imposta aos membros.

A UE precisa aprender, com essa experiência, a desenvolver uma estratégia de admissão para os Balcãs Ocidentais, cujo desenvolvimento foi retardado por um complexo processo de transição pós-conflito. Suas necessidades especiais devem ser levadas em conta em qualquer nova abordagem da UE, dando-lhes esperança e, ao mesmo tempo, mitigando as conseqüências negativas de Kosovo.

É de interesse tanto europeu como da região acelerar o processo de integração. Um processo revigorado de admissão contribuiria para a consolidação territorial e política da UE, simultaneamente revigorando seu papel em sua vizinhança mais ampla - o Mediterrâneo, o Oriente Médio e em torno do Mar Negro.

Wolfgang Petritsch, embaixador austríaco da ONU em Genebra, foi enviado especial da UE a Kosovo, seu negociador principal nas conversações de paz para Kosovo em Rambouillet, Paris, e Alto Representante Internacional na Bósnia-Herzegovina. © Project Syndicate/Europe´s World, 2008. www.project-syndicate.org