Título: Sem gás para Argentina, Bolívia quer negociar com Brasil
Autor: Souza , Marcos de Moura
Fonte: Valor Econômico, 11/02/2008, Internacional, p. A7

Sem gás para cumprir seu contrato de fornecimento à Argentina, a Bolívia pretende abrir uma negociação envolvendo o Brasil que poderia levar à redução da exportação de gás natural para o mercado brasileiro. Isso seria uma saída para evitar um agravamento da crise energética na Argentina. Uma delegação boliviana vem ao Brasil este mês e deve tratar do assunto.

Autoridades da Bolívia admitem que o país não terá condições de fornecer os volumes acertados para 2008 e 2009 com a Energia Argentina S.A. (Enarsa). O mínimo acertado para este ano é de 4,6 milhões de metros cúbicos por dia, mas, segundo o jornal boliviano "La Razón", o país teria condições de exportar somente 1,5 milhão de metros cúbicos por dia. Esse teria sido o volume enviado na última sexta-feira. O governo argentino já teria sido informado disso.

A Argentina vive uma crise de falta de energia. Uma redução na oferta de gás da Bolívia pode deixar o país sob risco de apagões.

Para minimizar o impacto da redução do fornecimento à Argentina, o governo boliviano tenta organizar uma reunião entre os presidentes Evo Morales, Cristina Kirchner e Luiz Inácio Lula da Silva. O objetivo seria buscar "um equilíbrio no fornecimento de gás entre os três países, sobretudo para os períodos de alta demanda [inverno], quando o Brasil teria que ceder algo do que lhe corresponde para a Argentina", afirmou o jornal "La Razón", citando fontes não identificadas no governo.

Um especialista em gás e petróleo boliviano, que pediu para não ser identificado, confirmou na sexta-feira ao Valor que as especulações no setor são que Morales está mesmo "tentando criar um espaço de negociação com Brasil, Argentina e Bolívia para ver se o Brasil aceita abrir mão de parte do que importa em favor da Argentina".

O principal contrato de venda de gás para o Brasil estabelece um fornecimento diário de 30 milhões de metros cúbicos por dia. Durante boa parte do ano passado, a demanda brasileira ficou em torno dos 25 milhões. Mas, desde o terceiro trimestre, está perto do máximo contratual.

Pela lei boliviana, o gás deve atender prioritariamente à demanda interno. Em seguido, por contrato, a prioridade é do Brasil. Depois vem a Argentina.

O temor das autoridades argentinas é que a diminuição do fluxo de gás de Bolívia este ano deixe na mão consumidores que usam o combustível para sistema de calefação doméstico no inverno.

Segundo o "La Razón", além dos cortes deste ano, em 2009 a Bolívia teria condições de fornecer apenas 5 milhões de metros cúbicos de gás por dia, ante o mínimo de 7,7 milhões definido em contrato.

O vice-presidente da Bolívia, Álvaro García Linera, visita este mês o Brasil. Deve vir acompanhado do ministro dos Hidrocarbonetos, Carlos Villegas. Oficialmente, não está na pauta da visita uma conversa sobre um novo "equilíbrio" do fornecimento de gás. O "La Razón" afirma, porém, que a reunião - provavelmente entre os dias 16 e 20 deste mês -, deverá tratar da "proposta do presidente Evo Morales de conseguir um acordo energético trinacional".

O governo boliviano estima que o país estará produzindo até o final deste ano 42 milhões de m3 de gás por dia, mas essa estimativa é considerada otimista. Ao final de 2007, a Bolívia produzia cerca de 36 milhões de m3. A produção está estagnada por falta de investimentos. E o consumo interno, de 6 milhões de m3, vem crescendo.