Título: Medidas nos EUA podem atenuar retração
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Fonte: Valor Econômico, 23/01/2008, Finanças, p. C5

O corte agressivo dos juros promovido pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) e o pacote fiscal do governo Bush não devem evitar que o Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA recue por dois trimestres consecutivos - o conceito popular de recessão -, mas têm uma possibilidade razoável de impedir uma contração mais forte da maior economia do planeta, avaliam o ex-ministro Delfim Netto e o ex-diretor do Banco Central (BC) Ilan Goldfajn. Para eles, o Brasil sofrerá inevitavelmente alguma desaceleração da atividade econômica, de magnitude ainda incerta.

Também há dúvidas sobre os rumos do câmbio, mas é possível que o real se valorize mais, por causa do aumento da diferença entre os juros externos e internos, desde que os preços das commodities não sofram um tombo que derrube as exportações do país e não haja um forte aumento da aversão global ao risco.

"O juro brasileiro, o último peru disponível no mundo fora do dia de Ação de Graças, ficou ainda melhor. Até ganhou uns quilinhos", ironiza Delfim, para quem o Fed pode cortar os juros em mais 0,25 ponto percentual no fim do mês. Com a expectativa de que a Selic fique estável em 11,25% ao ano por um bom tempo, cresceu o já elevado diferencial entre as taxas.

Para Delfim, a decisão agressiva do Fed e o pacote fiscal do governo Bush devem atenuar a desaceleração da atividade econômica e trazer um pouco mais de inflação para os EUA. "Está claro que, neste momento, o Fed está preocupado em fazer com que o país tenha a menor taxa de desemprego possível", diz ele.

Goldfajn, hoje sócio da Ciano Investimentos, diz que o objetivo atual do Fed é evitar que a combinação de uma crise no sistema financeiro com a desaceleração da atividade econômica se traduza numa recessão de grandes proporções. "Eles não devem impedir uma queda do PIB por dois trimestres consecutivos, mas devem conseguir afastar o risco de uma recessão mais prolongada."

Delfim faz uma avaliação parecida: a maior economia do planeta não deve passar por uma recessão de "verdade", que poderia ser marcada, por exemplo, por uma variação negativa do PIB no acumulado de 2008. "O que nós deveremos ter é uma recessão de 'mentirinha'", diz.

De qualquer modo, a desaceleração da economia americana será bem mais forte do que se pensava há algum tempo, o que certamente vai impactar a economia brasileira. Delfim, que apostava numa expansão do PIB de 5% a 6% em 2008 (por acreditar nos impacto positivo dos investimentos em infra-estrutura sobre a economia), considera mais provável uma expansão mais próxima de 5%. "O Brasil faz parte do mundo, e provavelmente terá uma crescimento um pouco menor", diz ele, lembrando, porém, que os fatores que empurram a atividade econômica são hoje basicamente internos, como o consumo e o investimento. "Além disso, o Brasil tem US$ 190 bilhões de reservas e a dívida externa do governo é negativa." Para Delfim, o Brasil só terá um PIB muito mais fraco neste ano caso haja uma "hecatombe" na economia americana.

Goldfajn é mais cauteloso. Prevê uma expansão da economia na casa de 4% em 2008, número que pode ser reavaliado. Essa estimativa, segundo ele, embute uma "boa desaceleração" dos EUA, mas não tão forte como a que se afigura no momento. Para Goldfajn, a tese de que o resto do mundo conseguiria se descolar da crise americana sem grandes traumas (o "decoupling", em inglês) valia apenas se os EUA passassem por uma desaceleração moderada. Num cenário de recessão, o quadro é outro. Ele considera possível que o câmbio fique um pouco mais pressionado por aqui, o que vai depender muito do comportamento das commodities.

E o que diferencia essa crise das anteriores? Para ambos, o fato de que ela teve origem em estruturas financeiras complexas, sobre as quais não havia regulação. "Em larga medida, o BC fingia que controlava a situação, os bancos fingiam que eram sérios e os clientes imaginavam que podiam ficar ricos", diz Delfim, para quem as agências de classificação de risco são a "coisa mais fajuta que existe".