Título: CSN obtém vitória na Justiça contra Vale
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 19/02/2008, Empresas, p. B6

A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) conseguiu na Justiça que a Vale do Rio Doce lhe garantisse o fornecimento mensal de pelotas - uma matéria-prima importante para a produção de aço.

O fornecimento à CSN foi interrompido no mês passado pela Vale que atendia à siderúrgica desde 2005. Mas não havia um contrato formal entre as empresas. No fim fim de janeiro, a Vale informou que suspenderia o fornecimento de pelotas, o que, de fato, cumpriu, a partir de 1º de fevereiro.

Por isso, a CSN decidiu recorrer, à Justiça. Na última quinta-feira, o juiz da 40ª Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro, Alexandre Carvalho de Mesquita, determinou a retomada do fornecimento de pelotas da Vale à CSN de acordo com a média mensal do ano passado: 56,229 mil toneladas por mês.

Em nota, a Vale informou que entrou com recurso contra a decisão. A companhia disse que, ao longo de 2005, buscou formalizar com a CSN um contrato de longo prazo para o fornecimento de pelotas, que não se concretizou. "Assim, desde 2006, a CSN só vem adquirindo da Vale excedentes de produção, sem qualquer vínculo de longo prazo que estabeleça regularidade de fornecimento e compras garantidas", disse a Vale.

Segundo a companhia, o fornecimento se dá "numa relação jurídica de natureza instantânea, que se resolve mês a mês". "Não há obrigação contratual formal que assegure a venda regular pela Vale de pelotas à CSN", informou. A Vale enfatizou que o mercado de pelotas teve um "forte aquecimento" no início deste ano e que a companhia não tinha excedentes para fazer "vendas pontuais", como as que realizava com a CSN. Por isto, deixou de fornecê-las.

A CSN, por sua vez, alegou que a interrupção no fornecimento de pelotas é anti-concorrencial. "A Vale é monopolista na produção e comercialização de pelotas no Brasil e vem aumentando, ano a ano, sua produção", afirmou a CSN, em nota. A CSN defendeu a tese de que, apesar de não ter contrato para obter pelotas da Vale, as duas companhias tinham uma relação comercial, já que paga pelo produto mensalmente há três anos.

A companhia argumentou que a interrupção fere a Lei de Defesa da Concorrência (nº 8.884), que, em seu artigo 21 diz que é infração à ordem econômica "dificultar ou romper a continuidade ou desenvolvimento de relações comerciais". A CSN também informou que não teria outro produtor nacional a quem recorrer para adquirir pelotas de minério. Segundo a empresa, apenas a Vale e a Samarco, mineradora que a Vale tem 50%, produzem pelotas.

A interrupção no fornecimento de pelotas ocorreu dias depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir sobre um outro conflito envolvendo as empresas. Em meados de janeiro, o STF mandou a Vale cumprir a determinação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e se abster do direito de preferência na compra de minério de ferro da mina Casa de Pedra, da CSN. Após a decisão do STF, a Vale quis rediscutir as cláusulas para a compra deste minério junto ao Cade, mas a CSN não aceitou. A Vale argumentou que o direito de preferência foi estabelecido no acordo de descruzamento acionário com a CSN. Nas contas da companhia, este direito valeria mais de R$ 1 bilhão.

O Cade retirou este direito ao impor restrições no julgamento da compra de oito mineradoras pela Vale, em agosto de 2005. Na ocasião, o conselho concluiu que era preciso criar condições para um competidor efetivo da Vale. Para tanto, sugeriu duas condições: ou a Vale vendia a Ferteco a um concorrente, ou ficava sem o direito de preferência na mina Casa de Pedra. No ano passado, a Vale optou pela segunda opção, mas, não se deu por vencida e continua recorrendo na Justiça para não perder o seu direito em Casa de Pedra.

Nos encontros com representantes da Vale e da CSN, o Cade respondeu que considera o caso resolvido, pois o STF garantiu a validade de sua decisão. Para que ela seja implementada de fato, basta a CSN não comunicar a Vale sobre o excedente de minério de ferro em Casa de Pedra. A empresa pode vendê-lo livremente a outras competidoras do mercado, informou o Cade.

Agora, as companhias estão envolvidas na disputa de pelotas. As pelotas são utilizadas para a produção de ferro gusa - o minério de ferro em estado líquido que, depois, é transformado em aço. As pelotas também são utilizadas para dar maior estabilidade à produção e, com isso, garantem a produtividade e evitam aumento de custos. A CSN alegou à Justiça que, sem as pelotas, há o risco de explosões em seus alto-fornos. A Vale rechaçou essas alegações.

Mas, o juiz Alexandre Carvalho de Mesquita concedeu a liminar à CSN com base no eventual risco da falta de pelotas aos fornos da companhia. Ele considerou ainda que a Vale não gastava mais de 2% de suas pelotas no fornecimento à CSN. "A parte ré (Vale) produziu, no ano de 2006, 33,9 milhões de toneladas do produto, e no primeiro semestre do ano passado, produziu 15,2 milhões de toneladas", disse o juiz. "Dessa forma, sendo o consumo pretendido pela parte autora (CSN) de 56.229 toneladas por mês, o que corresponde a 674.748 toneladas por ano, é perfeitamente possível para a parte ré (Vale) vender à parte autora aproximadamente 2% da sua produção", concluiu.

A Vale recorreu da decisão no Tribunal de Justiça do Rio, pedindo que derrube a liminar. A CSN também recorreu, mas por causa de um detalhe: alegou que a demanda por pelotas aumentou e que precisaria de pelo menos 70 mil toneladas mensais. Os recursos de ambas as companhias foram analisados pelo desembargador Ricardo Couto de Castro, da 3ª Câmara Cível do TJ do Rio. Ele não suspendeu a liminar, como quis a Vale, manteve o fornecimento mensal em 56,229 mil toneladas e a multa diária de R$ 500 mil caso a Vale descumpra a decisão. Agora, o caso será analisado pela 3ª Câmara Cível do TJ, num julgamento colegiado, sem data para ser realizado.