Título: Turbulência abala commodities agrícolas
Autor: Lopes, Fernando, Patrick, Cruz ; Scaramuzzo, Môn
Fonte: Valor Econômico, 23/01/2008, Finanças, p. C6

Em alta nos últimos dois anos e com um promissor cenário de longo prazo ancorado no crescimento de países emergentes como China e Índia, as principais commodities agrícolas negociadas no mercado internacional não sairão ilesas da turbulência deflagrada pela crise americana. As primeiras impressões de especialistas ouvidos pelo Valor apontam uma volatilidade ainda mais acentuada e alguma perda de sustentação, sobretudo nas próximas semanas, mas debacles generalizados foram descartados. Pelo menos por enquanto.

Analistas ponderam que o expressivo aumento da participação de fundos de investimentos nesses mercados nubla o horizonte, uma vez que é de se esperar um reposicionamento nas carteiras de ativos desses poderosos players. Nesse processo, muitos esperam que as commodities sejam encaradas como um porto mais seguro, mas se a crise recrudescer o tremor poderá, sim, provocar rachaduras.

"O cenário terá que se agravar muito para que as commodities caiam significativamente. Mas em mercados futuros existe uma coisa chamada alavancagem, e tendências podem ser maximizadas", afirma Fernando Muraro, da consultoria Agência Rural. Ele ilustra o crescimento da presença dos fundos nos mercados agrícolas com o número de contratos de milho, soja e trigo negociados na bolsa de Chicago, principal referência para a formação dos preços dessas commodities no exterior. No caso do milho, eram 18 milhões em 2002 e foram 58 milhões em 2007; na soja, a evolução foi de 14 milhões para 32 milhões na mesma comparação; no mercado de trigo, o salto foi de 7 milhões para 20 milhões.

"As commodities agrícolas são menos suscetíveis em comparação com outros ativos porque, afinal, todo mundo ainda precisa comer. A demanda por alimentos continua aumentando", afirma Vinícius Ito, da Fimat Futures. "Este pode ser um ano complicado, mas os preços não tendem a desabar". E há gordura para queimar, uma vez que é quase consenso que os mercados agrícolas estão inflados pela ação dos fundos.

Mesmo com a forte queda registrada ontem, o trigo, por exemplo, ainda acumula alta de 181,39% nos últimos 24 meses, segundo cálculos do Valor Data. Na soja, o ganho ainda chega a 117,57%, e no milho, a 133,14%. Qualquer retração também serviria para reduzir a pressão da galopante inflação dos alimentos no mundo.

Uma recessão clássica nos EUA apontaria para a diminuição do consumo e ampliaria a envergadura das perdas, mas a redução dos juros no país, promovida pelo Fed, poderá conter uma eventual queda brusca da demanda no país, avalia Ito. Mas, como observa Renato Sayeg, da Tetras Corretora, há fortes oscilações à vista. Para a soja, calcula o analista, o preço médio da commodity deverá encerrar o semestre abaixo do patamar atual, mesma opinião de Fabio Silveira, da RC Consultores. "A volatilidade está fora de um senso razoável", diz Sayeg. "Os fundamentos agrícolas devem ser melhor analisados, e isso vai acabar ocorrendo". Dois fatores terão peso relevante para balizar o mercado no curto prazo, diz Sayeg. No dia 31 de março será apresentada a primeira prévia de intenção de plantio da safra americana. O segundo fator é a regulamentação internacional do biodiesel.

Commodities como açúcar e café, porém, deverão sofrer mais. "O impacto para estes dois produtos pode ser mais severo, considerando que há uma maior oferta global para açúcar e café", diz Rodrigo Costa, também da Fimat Futures, que está sediada em Nova York.

No caso do açúcar, o mercado trabalha com excedente de oferta de produção do Brasil e Índia, os dois maiores produtores mundiais desta commodity. No café, o cenário é mais ou menos parecido, embora o consumo continue ligeiramente maior que a produção global para esta safra 2007/08. Costa lembra que faz projeções preliminares em meio às incertezas do mercado sobre o impacto da crise.

No início deste ano, boa parte dos fundos alocou posições para as commodities agrícolas. Neste contexto, até o açúcar, cujos fundamentos permanecem negativos, foi beneficiado. "Seria até inocente achar que a recessão americana não afetaria as commodities agrícolas", afirma Costa. O algodão está entre os poderão até sentir uma queda do consumo mais prolongada, por não se tratar de um produto de necessidade básica. Mas isso ainda não aconteceu.