Título: Investidor externo continuará a apostar no Brasil, diz Langoni
Autor: Romero , Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 11/02/2008, Especial, p. A10

Carlos Langoni: "O Brasil mostra hoje uma consistência macroeconômica, está numa posição absolutamente confortável" O economista Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central e hoje diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas (FGV), acredita que, mesmo num "cenário extremo" para a economia americana em 2008 (um crescimento de apenas 1%), o mundo não entrará em recessão. Por causa da emergência de países como China, Índia, Rússia e Brasil, o PIB mundial, nesse cenário, crescerá 3,5%, abaixo da média registrada desde os anos 90, mas, ainda assim, um desempenho bem superior ao da última recessão americana, ocorrida em 2001, quando o planeta expandiu apenas 2,5%.

Otimista, Langoni sustenta, nesta entrevista ao Valor, que o Brasil nunca esteve tão preparado para enfrentar uma turbulência externa. A crise da dívida, deflagrada há 26 anos, acabou. Por isso, mesmo estando mais seletivos, os investidores estrangeiros continuarão apostando no Brasil, que, na opinião de Langoni, está prestes a viver um momento histórico - dentro de um mês, estima ele, as reservas cambiais vão superar a dívida externa pública e privada.

"Nos choques do passado, a primeira coisa que o setor privado fazia era parar de investir. Havia um choque que levava a uma fuga maciça de capital. Como não tínhamos reservas, o câmbio disparava, a inflação explodia e, em seguida, vinha um aumento brutal de juros. Esse ciclo acabou", diz o ex-presidente do BC.

Valor: Em poucos dias, o Federal Reserve (Fed) reduziu os juros duas vezes nos EUA. A probabilidade de recessão diminuiu? Em que mundo estamos?

Carlos Langoni: Estamos num mundo totalmente diferente do ponto de vista institucional. A grande novidade, que na realidade começou com (Paul) Volcker e foi consolidada por (Alan) Greenspan, e o Ben Bernanke vem seguindo, é o poder dos bancos centrais em gerenciar expectativas. Os BCs independentes, principalmente o Fed, conquistaram credibilidade porque ganharam a batalha do combate à inflação. No início dos anos 80, os EUA tinham inflação de dois dígitos que foi combatida com vigor por Volcker, o que, inclusive, provocou uma externalidade - a crise da dívida externa dos países da América Latina. A independência formal dos BCs foi legitimada pelo mercado. Gerenciar expectativas é tão ou mais importante do que adotar medidas monetárias convencionais. O mais relevante não é o impacto do corte agressivo dos juros que o Fed fez recentemente, mas principalmente a confiança que os mercados têm nessa postura do BC americano, que emitiu uma mensagem.

Valor: Qual?

Langoni: Que a prioridade agora é evitar uma recessão profunda nos EUA e fazer tudo o que for necessário para que esse objetivo seja alcançado. É esse aspecto que me dá uma certa tranqüilidade de que, provavelmente, o que vai acontecer é uma desaceleração forte nos EUA, que devem crescer em torno de 1% em 2008, mas não um mergulho numa recessão profunda, o que poderia, aí sim, derrubar a economia mundial. O Fed não atua apenas como BC dos EUA, mas do mundo. Todos os mercados usam, como base de referência para suas decisões, a postura do Fed.

Valor: O sr. acha que haverá descolamento dos países emergentes?

Langoni: Esse conceito é impreciso porque a globalização, por definição, aumenta a interdependência dos mercados. O que importa é o conceito de multipolaridade. Vivemos num mundo hoje em que, cada vez mais, surgem países com enorme peso econômico e dinamismo, a quem chamo de 'superemergentes'. Em 2001, a China representava 4% do PIB mundial. Em 2008, deve chegar a 8%. Os emergentes, que estão numa trajetória de crescimento sustentado e acelerado, atuam como amortecedor do desaquecimento dos EUA e de um crescimento mais lento da União Européia e do Japão. Por isso, acho difícil projetar um cenário de recessão para a economia mundial.

Valor: A expectativa de recessão nos EUA aumentou nos últimos dias. Uma recessão lá não provocará, necessariamente, recessão no resto do mundo?

Langoni: Fiz um exercício em que, num cenário extremo, com os EUA crescendo zero por cento em 2008, a China caindo de 11,5% em 2007 para 9% (sendo que o FMI está projetando 10%), a Índia caindo de 8% para 7% e prevendo pequenas desacelerações em outros emergentes, ainda assim, a economia mundial cresceria 3%, abaixo da média (superior a 4%) registrada desde os anos 90. Apesar disso, não seria caracterizada uma recessão no sentido clássico. É bem provável que o cenário extremo não ocorra. Depois dos cortes de juros do Fed e devido principalmente à credibilidade dos BCs, os mercados se anteciparam ao efeito da política monetária.

Valor: Não existe uma defasagem entre a decisão e o impacto na atividade econômica?

Langoni: A defasagem clássica, de seis a nove meses, está se encurtando em alguns setores. Por exemplo, nas decisões de investimento, que são afetadas pelo clima de otimismo ou pessimismo da economia mundial. Isso me preocupava porque esse é um canal de transmissão da crise que podia afetar países emergentes como o Brasil. As empresas paralisam seus planos para ver o que vai acontecer. A ação do Fed faz com que a probabilidade de uma paralisação generalizada dos investimento não aconteça, assim como evita, de uma certa forma, a contração do consumo das famílias. Pode haver, claro, a revisão de alguns planos, mas não será drástica. Além do mais, houve a decisão muito rápida dos EUA de implementar uma política fiscal expansionista ainda no primeiro semestre.

Valor: Que impacto a desaceleração americana terá sobre o comércio mundial?

Langoni: Em 2001, na última recessão dos EUA, o crescimento mundial caiu de 4,7% (em 2000) para 2,5%, uma queda drástica. Agora, estamos falando de uma queda de 4,8% em 2007 para 3,5% em 2008. Naquela recessão, o comércio mundial desandou - a taxa de expansão diminuiu de 12,4% para -0,2%. Os preços das commodities tiveram queda forte - de 5,5% - e só voltaram a se recuperar em 2002. No ano passado, o comércio cresceu em torno de 6,5%, o que ajuda a explicar por que as exportações brasileiras cresceram 16% mesmo com o câmbio valorizado. Em 2008, haverá desaceleração do comércio mundial, mas não a estagnação que houve em 2001. Deve crescer em torno de 5,5%.

Valor: Não seria realista esperar uma queda maior?

Langoni: Não, por causa da participação crescente dos 'superemergentes'. O comércio vem crescendo apesar das barreiras protecionistas.

Valor: Nesse cenário, devemos esperar uma queda drástica dos preços das commodities?

Langoni: Há quem ache que não haverá redução drástica. Outros acham que pode haver, sim, a queda de algumas commodities, de forma seletiva. Alimentos, por exemplo, continuam com os preços muito pressionados. Os dados da EIU (Economist Intelligence Unit) para janeiro mostram aumento de 44% no índice de preços de alimentos, quando comparado a janeiro de 2007. Tem havido quebra de safra, demanda adicional devido ao uso de algumas commodities para produzir energia e ao aumento do consumo dos países emergentes. No caso de metais, a probabilidade é de queda. O índice de janeiro já mostra recuo de 6%. Como um todo, o índice de commodities ainda está crescendo 20%.

Valor: E como deve se comportar o petróleo?

-------------------------------------------------------------------------------- Os BCs independentes ganharam credibilidade porque ganharam a batalha da inflação" --------------------------------------------------------------------------------

Langoni: Nesse caso, os EUA têm um peso muito grande, portanto, o desaquecimento da economia vai limitar o espaço para uma explosão do preço do petróleo, o que é uma boa notícia. Outros metais não-ferrosos, como níquel e cobre, também dependem muito dos EUA e serão afetados. Já no caso de minério-de-ferro, que nos interessa, a demanda continua muito quente e, possivelmente, haverá aumento expressivo dos preços em 2008.

Valor: No Brasil, o BC sinalizou que, por causa da demanda aquecida e de uma crescente pressão inflacionária, poderá aumentar os juros. Como o sr. avalia isso?

Langoni: A consistência macroeconômica brasileira foi construída com base em três pilares. O primeiro é o ajuste fiscal, que, mesmo sendo de baixa qualidade porque depende excessivamente da elevação de impostos e não do corte de gastos correntes, vem fazendo o país produzir já há algum tempo superávits primários expressivos, superiores a 4% do PIB. Com isso, a relação dívida líquida/PIB, que é a chave da solvência interna, vem caindo e deve se aproximar de 40% neste ano. Outro pilar, que considero o mais importante e que foi o grande fator para a reeleição do presidente Lula, é a política monetária do BC, que derrubou a inflação. O BC soube, nos momentos certos, apertar os juros, adotar medidas não muito simpáticas, criticadas internamente no governo e por alguns setores empresariais que não entendem os benefícios de longo prazo de uma inflação previsível e estável. Evitou que a inflação, em 2003 e em 2005, caminhasse para dois dígitos. O terceiro pilar são as reservas internacionais acumuladas pelo BC. O fato é que, hoje, o país está numa posição absolutamente confortável. O teste duríssimo dessa consistência macroeconômica ocorreu nas últimas semanas.

Valor: De que maneira?

Langoni: O câmbio manteve tendência de valorização. Com toda a incerteza externa, valorizou-se 1,2% em janeiro. E o risco-país aumentou moderadamente - passou de 221 para 260 pontos básicos (posição do fim de janeiro). Não houve aquela explosão de desvalorização da moeda nacional típica dos choques externos que o país sofreu no passado, como em 1999 e em 2002, nem houve um salto do risco-país, que chegou a níveis pré-moratória naqueles dois episódios.

Valor: Diante disso, não acha que o Copom está excessivamente pessimista?

Langoni: O Copom reafirmou o compromisso do BC com a necessidade de manter a inflação estável. Está dizendo que não há espaço, principalmente com a turbulência externa que vai gerar pressões sobre a taxa de câmbio, a geração de um saldo menor na balança comercial e o ressurgimento de déficits em conta corrente neste ano, para complacência. A ata do Copom diz claramente que o BC vai tentar, no melhor cenário, manter a Selic em 11,25% ao ano, mas, se necessário, aumentará a taxa.

Valor: Isso não minará o apoio do presidente ao Banco Central?

Langoni: Esse vai ser o teste político definitivo do governo Lula. O presidente entendeu não só os benefícios sociais, mas até mesmo os benefícios político-eleitorais, da estabilidade econômica, que está permitindo ganhos sustentados do salário real, além de um avanço extraordinário da taxa de investimentos. Se o pior cenário acontecer, é fundamental que o BC possa aumentar os juros com autonomia, consolidando sua credibilidade. Quanto maior a credibilidade do BC, menor a dose de aperto necessária para controlar a inflação.

Valor: A demanda está crescendo numa velocidade bem superior à da oferta. Não é razoável esperar, portanto, uma elevação dos juros para conter a demanda?

Langoni: A demanda está realmente muito aquecida. Um dado impressionante aconteceu em janeiro, quando as importações cresceram 45,6% em relação ao mesmo mês de 2007. Trata-se de um crescimento insustentável. Ele reflete o transbordamento de uma demanda interna aquecida sobre o setor externo. O BC está gerenciando as expectativas a la Fed e ao mesmo tempo já deu o primeiro sinal, com o compulsório sobre as operações de leasing, de que não ficará passivo. Mas, acho que o BC só vai elevar os juros se houver um sinal objetivo de aceleração inflacionária generalizada. Em janeiro, os índices de preços ao consumidor cederam um pouco, então, o BC vai adotar uma postura de esperar para ver.

Valor: No ano passado, os IPOs, os aumentos de capital e a emissão de debêntures ajudaram as empresas a captar quase R$ 130 bilhões. Com a turbulência externa, essas fontes secaram. Como substituir esses recursos e continuar financiando os investimentos?

Langoni: Esse é o canal mais importante de contaminação da crise internacional sobre a economia brasileira. O nível de utilização da capacidade produtiva está chegando ao limite, portanto, existem estrangulamentos setoriais e o BC está preocupado com isso. A única forma de evitar esse estrangulamento é manter o investimento crescendo o dobro do PIB, como vem ocorrendo. Em 2007, ele expandiu 12%. Em 2008, teremos uma certa pausa.

Valor: O investimento estrangeiro tende a minguar?

Langoni: Os financiamentos externos não vão desaparecer, mas vão ficar mais seletivos. Vão privilegiar empresas que já são grau de investimento, exportadoras e com nível de endividamento relativamente baixo. No mercado acionário, dificilmente haverá uma janela para novos IPOs. Se acontecer, será mais para o fim do ano. O que vai acontecer é que vamos nos beneficiar do momentum do ano passado. Há um efeito de arrasto que manterá os investimentos em expansão por causa de decisões tomadas em 2007.

Valor: O sr. teria um exemplo?

Langoni: A criação da Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), uma parceria da ThyssenKrupp com a Vale, não será interrompida por causa da crise. Alguns setores de infra-estrutura, como as concessões rodoviárias e a área de energia elétrica, têm rentabilidade muito atraente, inclusive para o capital estrangeiro, e por isso vão continuar recebendo recursos externos. É importante lembrar que a liquidez internacional continua muito alta. Um setor que deverá ficar imune é o da construção civil.

Valor: Por quê?

Langoni: Porque os bancos começaram a financiar a construção civil, a longo prazo, há pouco tempo. São os bancos brasileiros que estão entrando pesado nesse mercado, além dos estrangeiros que operam no Brasil e que foram pouco afetados pelos problemas de crédito lá fora. De toda forma, o país não conseguirá repetir o ritmo de expansão de investimentos de 2007. É por isso que estou projetando crescimento do PIB na faixa de 4% a 4,5%, em vez de 5%.

Valor: O BC segue apostando em crescimento de 4,5%. Não é excesso de otimismo?

Langoni: Nos choques externos do passado, a primeira coisa que o setor privado fazia era parar de investir. Havia um choque, que levava a uma fuga maciça de capital. Como não tínhamos reservas, o câmbio disparava, a inflação explodia e, em seguida, vinha um aumento brutal de juros. Esse ciclo acabou. As agências de risco, mesmo em meio à confusão do fim do ano, disseram que o 'outlook' (perspectiva) do Brasil é positivo. O grau de investimento não é mais uma questão de 'se', mas de 'quando'. Dentro de mais 30 dias, possivelmente em março, acontecerá algo emblemático: o Brasil terá reservas internacionais acima do total da dívida externa pública e privada. O problema da dívida, que eu vivi na presidência do BC, acabou. Mesmo que tenhamos um déficit em conta corrente em 2008, ele será facilmente coberto por capitais de longo prazo (investimento direto), que neste ano devem cair de US$ 34,7 bilhões para R$ 25 bilhões, ainda assim, 2,5 vezes o déficit projetado.