Título: Crédito para aquisição alavancada fica escasso
Autor: Balarin, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 19/02/2008, Finanças, p. C6

A vida dos fundos de "private equity", que adquirem participações em empresas, está mais difícil. Desde que eclodiu a crise das hipotecas de alto risco nos EUA e os bancos começaram a anunciar baixas contábeis bilionárias, quase uma dezena de tentativas de aquisição feitas por private equities no exterior fracassou. Em comum, o fato de que essas compras seriam feitas pelos fundos com dinheiro emprestado de bancos, as chamadas aquisições alavancadas.

Os bancos ficaram mais seletivos na concessão de financiamentos e as compras agressivas dos private equities, muito arriscadas. No exterior, havia casos em que os fundos colocavam 10% do valor da aquisição de recursos próprios. Os outros 90% eram empréstimos, tomados pela empresa comprada. Tempos depois, quando o controle era revendido, a rentabilidade do fundo era calculada sobre o que ele investira. A dívida continuava na companhia. Agora, com um pacote de financiamento menor, o fundo terá de investir mais recursos próprios e a expectativa de retorno com a operação será menor.

"O que se viu no passado, de dívida igual a dez vezes o fluxo de caixa, não vai se ver outra vez. Os balanços dos bancos estão carregados, com estoques de operações já realizadas", diz Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central e sócio da Gávea Investimentos, gestora de fundos de private equity que tem em carteira participações minoritárias em empresas como T4Fun, Magnesita, McDonald's (América Latina), Multiterminais e Alliansce (shoppings). O Gávea tem uma peculiaridade: nunca adquire o controle das companhias, ao contrário de fundos de private equity como o Cerberus, o Blackstone e outros lá de fora.

No exterior, uma das consequências desse novo cenário desfavorável aos private equities será o aumento de oportunidades para compradores estratégicos como empresas do mesmo setor de atuação. "Em uma compra com preço equivalente a 10 vezes o Ebitda (sigla em inglês que indica o fluxo de caixa), um fundo podia colocar 1 ou 2 vezes o Ebitda e alavancar 8 ou 9 vezes. Um investidor estratégico não vai alavancar 80% ou 90% da compra porque ele percebe o risco de alavancagem de forma diferente", explica um banqueiro de investimentos. A percepção é diferente porque o estratégico é um investidor de longo prazo - ele calcula que irá pagar a dívida com o resultado da operação e que sua rentabilidade virá do negócio, não da venda das ações na bolsa ou a outro investidor estratégico.

No Brasil, o impacto do menor apetite dos bancos não será tão forte para os private equities porque o volume de empréstimos nunca foi tão grande e o fenômeno é recente. "Do lado de cá, nunca se viu nada tão agressivo. E a aquisição alavancada só vai funcionar de fato no Brasil quando as taxas de juro caírem e quando o mercado de securitização estiver mais desenvolvido", diz Fraga.

Entre as aquisições alavancadas já feitas por aqui está a compra da Providência pelos fundos da AIG Capital, Asas (da família Constantino) e Governança e Gestão (do ex-ministro Antonio Kandir). Cerca de 40% da compra foi financiada pelo Santander. Mas a maior compra até hoje nesse modelo foi a realizada pela GP Investimentos, que adquiriu as operações latino-americanas da Pride International, que atua na perfuração e manutenção de poços de petróleo e gás em terra. Cerca de 60% dos US$ 1 bilhão pagos foram emprestados pelo Citi. Outra compra alavancada feita pela empresa foi a da Magnesita, em que o ABN Amro emprestou 45% dos R$ 1,24 bilhão.

O Valor apurou que a GP pretende recorrer ao modelo mais uma vez na disputa pelos ativos da Esso no Brasil, Argentina, Chile e Paraguai. O grupo se uniu a dois empresários argentinos que detêm a concessão de aeroportos no país vizinho para fazer sua oferta e já teria negociado com quatro ou cinco bancos um pacote de financiamento. A operação será uma prova de fogo para avaliar se o menor apetite das instituições financeiras na concessão de empréstimos atingirá as operações de fusões e aquisições abaixo do Equador. Na disputa estão também grupos estratégicos com fôlego, como Petrobras, Ultra e Shell.

Banqueiros de investimento crêem que as empresas brasileiras podem tirar vantagem do cenário de menor liquidez para os private equities no exterior. "A concorrência com esses fundos para aquisições de ativos no mercado internacional está menor", diz Antônio Quintella, presidente do Credit Suisse no Brasil. Além disso, as empresas brasileiras estão capitalizadas, com baixo endividamento, e contam com uma "forcinha extra: o real valorizado.