Título: Pé no freio do Nordeste
Autor: Nascimento, Tatiana
Fonte: Correio Braziliense, 06/02/2011, Economia, p. 19

INFRAESTRUTURA Apagão que deixou oito estados no escuro é alerta de que a falta de eficiência energética pode arrefecer o crescimento da região

O apagão que deixou mais de 46 milhões de pessoas no escuro em oito estados brasileiros levou uma nuvem de incertezas para o ensolarado Nordeste. A dúvida agora é se a energia pode se tornar um gargalo que dificulte à região manter-se no atual ritmo de crescimento. A falha obrigou, por exemplo, ss empresas instaladas no Complexo Industrial e Portuário de Suape, em Pernambuco, a pararem. Impulsionada por grandes investimentos como os realizados em Suape, a economia do estado cresceu 9,4% de janeiro a setembro de 2010, enquanto a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) no país foi de 8,4% no mesmo período.

¿Estamos montando um parque industrial de petróleo, complexo petroquímico, naval. Algumas unidades não podem parar. O problema que aconteceu obviamente dá insegurança. Muitas empresas pararam a produção¿, lembra o economista Jorge Jatobá, sócio-diretor da Consultoria Econômica e Planejamento (Ceplan).

Cada ponto percentual de crescimento do PIB representa um aumento de 1,7 no consumo de energia. E a tendência na região é que esse consumo continue crescendo, acompanhando o ritmo vertiginoso de ascensão de nordestinos à nova classe C. A esse fator soma-se à movimentação na economia que virá a reboque da Copa de 2014. O Nordeste terá quatro cidades como sedes dos jogos: Recife, Natal, Fortaleza e Salvador. ¿E esse consumo da Copa já começou. Na demanda pela construção de estádios, por exemplo. Tudo isso movimenta a economia e consome energia¿, adverte Sílvio Areco, diretor executivo da Andrade & Canellas, consultoria especializada no setor energético.

Para o economista Alexandre Rands, da Datamétrica Consultoria, falhas como as de quinta-feira podem reduzir a competitividade das empresas. Sem falar que aumentam os gastos com sistemas alternativos de prevenção à queda de energia. ¿O custo termina sendo muito alto. Podemos até vir a perder investimentos. Também acredito que o serviço de distribuição piorou depois da privatização¿, afirma.

Sílvio Areco reforça que, mesmo com o problema resolvido ¿ às 8h da sexta, quase nove horas após o início do apagão ¿, não significa que ele não possa ocorrer novamente. ¿Ninguém tem interesse em ficar no escuro ou ver a economia de toda uma região afetada. O importante é o processo para aprimorar o sistema, fazer com que procedimentos sejam repassados e eventuais imperfeições sejam corrigidas¿, diz. Marco zero

O consultor destaca que o sistema de transmissão brasileiro é extenso e, cada vez mais, o país depende das grandes linhas de transmissão. Um dos novos linhões previstos para o Nordeste sairá justamente do marco zero do recente apagão, a usina Luiz Gonzaga, em Petrolândia. Seguirá por 390 quilômetros até a cidade de Pau Ferro, em Alagoas. ¿As linhas de transmissão têm dispositivos para dar proteção. Mas nada é 100% eficiente, nunca será¿, garante Areco. Uma sugestão para reduzir os riscos de apagão seria enterrar as linhas. Parece loucura? Na França existe um projeto para enterrar todas as linhas. Mas o custo é alto demais.

Para o presidente executivo da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Paulo Pedrosa, existe a necessidade de se reforçar a manutenção do sistema de transmissão e das subestações, sem se descuidar do impacto nas contas. Hoje, os encargos e impostos representam mais de 40% do total da conta de luz. ¿A energia no Brasil já é uma das mais caras do mundo¿, frisa Pedrosa.