Título: Fed avalia até onde deve cortar os juros para ajudar a economia
Autor: Coy, Peter
Fonte: Valor Econômico, 19/02/2008, Finanças, p. C16

Enquanto o presidente do Federal Reserve (Fed), Ben Bernanke, e seus diretores avaliam até onde devem cortar as taxas de juros, eles estão ouvindo longos discursos de todos os lados. Cortem drasticamente as taxas para impedir que o sistema financeiro congele, dizem alguns "passageiros do banco de trás". Não, afirmam outros, ainda não há sinais de que a economia como um todo está com problemas suficientes que justifiquem cortes mais profundos.

A discussão sobre o que fazer em seguida está amarrada a um debate diferente, sobre a possibilidade de o Fed ter cometido um erro e reduzido demais as taxas de juros em 2003 e 2004. Na ocasião, sob o comando de Alan Greenspan, o Fed derrubou a taxa dos "fed funds" - a principal taxa de juro de curto prazo que o banco central gerencia - para 1%. Ao fazer isso, ele evitou o colapso econômico que muitos economistas previam depois do estouro da bolha tecnológica e da queda do mercado de ações. Entretanto, os críticos alegam que o volume de dinheiro que o Fed injetou no mercado foi tão grande que levou a uma nociva especulação no mercado imobiliário residencial. Stephen Roach, economista do Morgan Stanley, diz que o Fed se tornou um "soprador de bolhas serial".

Os investidores parecem esperar que grandes cortes vão resolver o problema. Segundo cálculos da Bloomberg Financial Markets, até 13 de fevereiro, o mercado futuro dos fed funds apostava que a taxa seria cortada de 3% para 2,5% na próxima reunião do Fed, marcada para 18 de março. Indo mais adiante, o mercado futuro antecipa que o juro básico americano vai cair para 2% até junho.

Robert DiClemente, diretor de análises econômicas e de mercado do Citigroup para os Estados Unidos, prevê que os juros poderão cair até 2,25%, mas admite que eles poderão baixar bem mais. DiClemente diz: "Existe essa química detestável entre a fraqueza econômica e a instabilidade financeira e vice-versa.

Elas se alimentam uma da outra enquanto o Fed não rompe o círculo". Um dos maiores otimistas de Wall Street, David Rosenberg, economista do Merrill Lynch para a América do Norte, acredita que o juro básico vai cair para 1%.

Certamente a notícias financeiras ruins continuam aparecendo. Em 11 de fevereiro, a American International Group (AIG) anunciou que será forçada a reduzir o valor contábil de seus instrumentos financeiros relacionados aos financiamentos imobiliários em quase US$ 5 bilhões. Em 13 de fevereiro, a maior seguradora de hipotecas dos Estados Unidos, a MGIC Investment, anunciou um prejuízo trimestral recorde de US$ 1,47 bilhão por causa do grande aumento da inadimplência.

Não há sinais de uma retomada nos mercados de crédito. Os bancos estão sobrecarregados com empréstimos alavancados que eles não conseguem vender. Eles estão endurecendo bastante as condições para a concessão de empréstimos à área imobiliária comercial, que até agora vem se saindo muito melhor que área residencial. E o grande declínio nos preços das residências, que desencadeou o aperto de crédito e não dá sinais de terminar, continua sendo motivo de preocupação.

Bernanke e os outros diretores do Fed estão atentos e sintonizados em relação aos riscos. Grande estudioso da Grande Depressão, Ben Bernanke vem deixando claro em pronunciamentos sua determinação em não permitir que o aperto de crédito arraste toda a economia para o buraco. Um influente presidente regional do Fed, Frederic Mishkin, disse em 11 de janeiro que os formuladores de política monetária "poderão ter de reagir agressivamente" em períodos de turbulências financeiras e adotarem medidas preventivas antes mesmo que os problemas macroeconômicos se tornem aparentes.

Mas isso não significa que grandes cortes de juros sejam uma decisão fácil. Bernanke enfrentou dissidências em cada uma das duas últimas votações que decidiram cortes nas taxas, do presidente do Fed de St. Louis William Poole, em 22 de janeiro, e do presidente do Fed de Dallar Richard Fisher, em 30 de janeiro.

Laurence Meyer, um ex-presidente regional do Fed que hoje é vice-presidente do conselho de administração da consultoria Macroeconomics Advisers, de St. Louis, prevê que o Fed vai cortar os juros em apenas mais um quarto de ponto percentual e que provavelmente estará aumentando as taxas novamente até o fim do ano.

-------------------------------------------------------------------------------- Stephen Roach, economista do Morgan Stanley, diz que o Fed se tornou um "soprador de bolhas serial" --------------------------------------------------------------------------------

Uma parte dos especialistas afirma que não há necessidade de se voltar a inflar bolhas, uma vez que a economia está fundamentalmente saudável e a inflação é um risco maior que a recessão. Incluindo-se os preços dos alimentos e da energia, o índice de preços ao consumidor subiu 4,1% em 2007, segundo observa Ken Mayland, presidente da ClearView Economics de Pepper Pike, Ohio. E em 13 de fevereiro o Census Bureau anunciou um aumento de 0,3% nas vendas no varejo em janeiro, alimentando as esperanças de que os consumidores conseguirão manter os Estados Unidos longe da recessão.

Tom Sowanick, diretor de investimentos da Clearbrook Financial, uma administradora da investimentos de Princeton, Nova Jersey, diz que a economia está obtendo toda a ajuda de que necessita nos cortes de juros recentes, no pacote de estímulo fiscal assinado pelo presidente George Bush em 13 de fevereiro e nas medidas corporativas, como a oferta feita pelo investidor Warren Buffett, em 12 de fevereiro, de fazer o resseguro de US$ 800 bilhões em bônus municipais para seguradoras que estão em dificuldades.

Grandes cortes nos juros seriam necessários, diz ele, apenas se a oferta de Buffett não for aceita pelas grandes seguradoras de bônus, o que levaria a uma série de rebaixamento de classificações, ou se ficar claro que as instituições financeiras ainda não revelaram tudo sobre a extensão de suas perdas recentes.

Os que estão céticos com os cortes no juros temem que o Fed possa exagerar na reação e conduzir a economia para uma nova rodada de especulações. Eles afirmam que em 2003 e 2004 o Fed se antecipou no estímulo, quando ele não era necessário, e preparou o caminho para a bolha imobiliária. "Tudo mundo se pergunta se aquilo não foi demais", diz Mayland. "Eu ficaria muito surpreso se chegássemos novamente a uma taxa de juro de 1%."

O ponto de vista alternativo é que os juros superbaixos de 2003 e 2004 não foram o verdadeiro problema. Em vez disso, o erro na política monetária foi subir os juros muito rapidamente depois. No espaço de apenas dois anos o Fed elevou as taxas em mais de 4 pontos porcentuais, mais rápido do que os mercados podiam se ajustar.

Em restrospecto, está claro que os juros mais altos tiveram um impacto negativo inesperado sobre o mercado imobiliário residencial. A partir do terceiro trimestre de 2005, os investimentos privados em novas estruturas residenciais começaram a se desacelerar rapidamente. Mesmo assim, o Fed não interrompeu a alta dos juros até junho de 2006. Como em geral é preciso de 12 a 18 meses para que os efeitos das mudanças nos juros sejam plenamente sentidos, o mercado imobiliário residencial estava sendo duramente atingido bem depois de ter iniciado uma desaceleração.

Parte do problema foi que os números oficiais eram enganosos na ocasião, mostrando um mercado imobiliário mais forte do que ele realmente estava. Por exemplo, quando o Fed subiu os juros em janeiro de 2006 - na última reunião do Fed com Greenspan como seu presidente -, os números disponíveis pareciam indicar que a construção de novas residências estava aumentando a uma taxa anual vigorosa de 11% no quarto trimestre de 2005. Na verdade, a taxa era metade disso, conforme ficou claro depois que todas as revisões foram feitas.

Os aumentos nos juros também tiveram um efeito perverso: os bancos estavam determinados a não perder clientes quando as taxas subiram, então eles afrouxaram os critérios para a concessão de empréstimos. A taxa de calotes sobre os empréstimos imobiliários concedidos em 2006 e 2007 foi muito pior que a dos empréstimos concedidos durante o período de juros mais baixos.

Os formuladores de política monetária do Fed rejeitam a idéia de que apertaram demais os juros de 2004 até 2006. Eles estavam preocupados com a aceleração da inflação e não viam um juro básico de 5,25% como sendo particularmente alto no contexto histórico. Por outro lado, eles rebatem a alegação de céticos, como Roach, de que o Fed afrouxou demais em 2003 e 2004. Isso é importante porque significa que Bernanke provavelmente não evitará cortar as taxas se o Fed acreditar que a economia está exigindo isso.

Quanto mais os juros vão cair? O quanto for preciso.