Título: Hora de jogar na retranca
Autor: Pavini, Angelo; Daniele, Camba
Fonte: Valor Econômico, 23/01/2008, Eu, p. D1

A recuperação dos mercados financeiros ontem após o corte nos juros americanos - que fez o Ibovespa fechar em alta de 4,45% - não convenceu a maioria dos analistas do fim da turbulência provocada pelo receio de recessão nos Estados Unidos. Quase todas as corretoras que participam da Carteira Valor mantêm as posições do início do mês, quando já recomendavam cautela, pois novas quedas poderão ocorrer. Para quem já está na bolsa, a ordem é evitar mudanças. E aos mais corajosos, que querem aplicar agora, aproveitando a baixa, a recomendação é procurar papéis considerados defensivos. Petrobras e Vale são as ações mais recomendadas.

Eduardo Kondo, da Concórdia Corretora, é um dos que recomendam que quem pensa em entrar na bolsa o faça em doses homeopáticas. "O risco é perder o juro de um ano em uma semana, portanto o melhor é esperar o mercado se estabilizar", afirma. Ele se diz surpreso com a maturidade dos investidores pessoas físicas, que não estão saindo do mercado e estão até pedindo dicas para investir mais. E admite que o mercado, nos atuais 56 mil pontos, está atrativo para quem olha o longo prazo . "Considerávamos um nível justo em 59 mil pontos no fim de 2007."

Para Ricardo Tadeu Martins, chefe de pesquisas da Planner Corretora, a reação negativa do mercado foi exagerada neste começo de ano. "Está ficando demasiadamente atrativo aplicar para quem é investidor de longo prazo, mas segue um cenário perigoso para especuladores." Ele acredita que o mercado poderá ainda passar por maus bocados se não houver novo corte dos juros americanos na reunião regular do Fed, o banco central americano, na próxima semana.

Trabalhando com uma carteira defensiva desde o início do ano, Lika Takahashi, chefe de análise da Fator Corretora, arrisca um pouco mais apenas em commodities, com Petrobras. "O restante são empresas com boa geração de caixa, que sempre entregam resultados e têm boa gestão", diz. Ela também acha que a melhora de humor de ontem pode se prolongar com o Fed voltando a cortar os juros no dia 30. "Mas a grande questão é se o corte e as medidas de incentivo vão ser suficientes e a tempo de evitar uma recessão nos EUA", avalia. Por isso, o mercado inspira cuidados e não deve escapar de surpresas negativas nas próximas semanas. "Aplicar agora, só se for investidor de longo prazo, pois teremos mais volatilidade, uma vez que a correlação dos preços dos ativos aqui com os lá de fora aumentou", lembra. Lika mantém a projeção de Ibovespa em 75 mil pontos no fim deste ano.

Kondo, da Concórdia, mantém, sua projeção de 74 mil pontos. E se diz otimista com o setor de mineração, em que a Vale deverá conseguir mais um bom reajuste do minério, apesar da turbulência. Petrobras também é recomendada, pelas descobertas de jazidas. "Ambas servem de âncoras no nosso mercado", diz. Ele vê ganhos também com o setor siderúrgico, especialmente CSN e Usiminas, e papel e celulose, com Aracruz. "Papel e celulose podem ser a mineração do futuro", diz.

A turbulência externa deve se prolongar pelo menos até março, quando os primeiros números da economia relativos a fevereiro nos EUA poderão mostrar os efeitos da redução dos juros e que o risco de recessão será menor - ou não -, diz Marcelo Lima, analista da Unibanco Corretora. Ele lembra que os dados de dezembro levaram à forte venda de ações nesta semana e os de janeiro podem não vir muito melhores, por isso o momento é de cautela.

Lima recomenda que o investidor não faça grandes mudanças de carteira e espere pelo menos até a reunião do Fed do fim do mês. A quem pensa em entrar no mercado agora, ele recomenda além de Petrobras e Vale, Tractebel, pelas boas notícias trazidas para o setor pelo leilão da Cesp.

Já para Luciana Leocadio, chefe da área de análise da Ativa Corretora, a forte volatilidade no mercado poderá perdurar ainda por mais tempo, durante todo o primeiro semestre. "Mas, mesmo com as altas de ontem, no mês, Petrobras e Vale caem muito e, portanto, se tornaram papéis baratos." Embora com a alta de 9,76% da ação mais líquida da estatal do petróleo e de 4,09% da mineradora ontem, as duas companhias acumulam quedas de 17,16% e 14,78% no ano, respectivamente.

Para quem procura papéis mais defensivos, Luciana indica ações tradicionalmente boas pagadoras de dividendos. É o caso de Transmissão Paulista e Telesp. "Mas é bom lembrar que papéis que pagam bons dividendos tendem a não oscilar muito e, no caso de o Ibovespa voltar, não subirão tanto." Mesmo com toda a oscilação, a analista não reviu a projeção de 77.500 pontos para o Ibovespa.

Entre as preferências da corretora do Banco Real estão Vale, Petrobras, ações de bancos, siderúrgicas e papéis defensivos, como AmBev e Telesp. "Já estávamos levando em conta que a volatilidade iria continuar forte e, no começo do ano, recomendamos papéis com liquidez elevada, mais fáceis de negociar, e com sólidos fundamentos", diz o analista José Francisco Cataldo, que mantém a projeção para o Ibovespa na casa dos 73 mil pontos.

Nessa toada incerta, Martins, da Planner, recomenda ao investidor conservar em mãos os papéis mais líquidos, como Petrobras, Vale e ações de bancos. Mesmo que essas ações sofram com a saída dos estrangeiros, seus fundamentos justificariam uma arbitragem e retorno para preços mais justos, diz.

A Planner tinha previsão de que o Ibovespa chegaria a 82 mil pontos no fim do ano, mas a projeção será revista. Já a Bradesco Corretora, que tem perspectiva mais conservadora, do índice a 75 mil pontos, ainda não pensa em rever sua análise. A corretora considera que, apesar de a crise dos EUA respingar no Brasil, a pujança da economia nacional ainda preservaria bons retornos para diversas empresas da Bovespa. Carlos Firetti, chefe de análise da Bradesco, indica ao investidor procurar empresas mais ligadas ao mercado interno, como companhias do setor financeiro - Banco do Brasil e Porto Seguro - e do setor elétrico - principalmente Tractebel e Eletropaulo. "Não teremos descolamento perfeito, mas o mercado interno oferecerá boas compensações."

Também o chefe de análise da Link Investimentos, Celso Boin Júnior, recomenda papéis voltados ao mercado interno, como Itaúsa, Perdigão, CCR e B2W. Para ele, "a queda dos juros nos EUA aumenta a chance de a recessão americana respingar pouco nos emergentes."

Para o estrategista de renda variável para pessoa física da Itaú Corretora, Fábio Anderaos, a melhor carteira neste momento é aquela que mescle ações de empresa defensivas, como as boas pagadoras de dividendos AES Tietê e Light, com papéis de companhias que se beneficiem de eventos específicos, como Usiminas, além de ações que ganhem com a queda da taxa de juros dos EUA, como as de commodities. "A Petrobras deverá ganhar com as novas descobertas, além do petróleo que deve parar de cair; já a Vale tem tudo para se valorizar, com a possibilidade do minério de ferro subir pelo menos 35%, o que deve realmente acontecer se a economia americana não desacelerar demais", diz Anderaos.

O momento pode ser bom para se estabelecer em posições de longo prazo, dado o preço baixo das ações, diz Firetti, do Bradesco. Em uma bolsa que ficou quase 20% mais barata, não há por que sair, mas sim deve-se aplicar mais, diz Wagner Salaverry, chefe da equipe de análise da Geração Futuro. "É preciso aproveitar o momento para comprar ações que ficaram mais baratas." Ele justifica a indicação ao dizer que os fundamentos de longo prazo que apontam o bom momento das ações no país não desapareceram. "Não dá para considerar que o mundo vai acabar ou que a situação nos EUA não vai se recuperar", resume.