Título: Empresas fecham contratos sob regras da Lei da Biodiversidade
Autor: Carvalho, Luiza de
Fonte: Valor Econômico, 23/01/2008, Legislação, p. E1

Ainda que lentamente, as empresas começam a se adequar à chamada Lei da Biodiversidade - a Medida Provisória nº 2.186, de 2001 -, que impôs uma série de condições para o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional de comunidades nativas brasileiras. A Natura é a empresa pioneira no campo e já possui oito contratos de repartições de benefícios estabelecidos com comunidades detentoras desses conhecimentos e três processos de acesso ao conhecimento tradicional em trâmite no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen) do Ministério do Meio Ambiente. Já para as empresas de menor porte, que não têm condições de arcar com os custos de negociações deste tipo, a saída são as instituições fornecedoras - empresas que estabelecem contratos com as comunidades nativas em troca da matéria-prima e vendem os produtos naturais para as indústrias farmacêuticas e de cosméticos. É o caso da multinacional Croda do Brasil e da empresa brasileira Beraca, que estão adequando contratos pré-existentes à legislação.

Uma das principais mudanças estabelecidas pela Medida Provisória nº 2.186 foi a própria criação do Cgen, órgão responsável por analisar todas as solicitações de acesso ao patrimônio genético (o isolamento da propriedade funcional de uma matéria-prima) e ao conhecimento tradicional (a obtenção de informação sobre a matéria-prima) brasileiros e gerenciar os contratos de repartição de benefícios com as comunidades. Hoje há em trâmite no órgão 70 processos que pleiteiam o acesso a componentes do patrimônio genético, 13 pedidos de acesso ao conhecimento tradicional e 14 tentativas de autorização envolvendo ambos. De acordo com dados disponibilizados no site do Cgen, das 46 autorizações de acesso concedidas até agora, 27 envolvem o conhecimento tradicional - todas, no entanto, concedidas a universidades e museus para fins de pesquisa científica.

Há uma série de procedimentos exigidos pelo Cgen para se obter a autorização - por exemplo, a comprovação da titularidade das áreas que se pretende acessar e um projeto detalhando as etapas e resultados esperados a partir da amostra. No entanto, para se obter todos os documentos exigidos, é preciso fazer um trabalho intenso junto às populações locais, o que envolve profissionais como antropólogos, advogados e tradutores. Ao que se sabe, o primeiro relacionamento de uma empresa com as comunidades em conformidade com a medida provisória no que se refere ao patrimônio genético ocorreu em 2001, quando a Natura iniciou as negociações com uma comunidade do Amapá para que esta permitisse o acesso a um ativo chamado breu branco - foram cinco anos de trabalho até a autorização sair, em 2005. Desde então, a empresa firmou outros sete contratos de repartição de benefícios, envolvendo, por exemplo, o acesso ao cupuaçú em uma comunidade de Roraima e a um extrato aromático de erva-mate no Rio Grande do Sul.

Já o acesso ao conhecimento tradicional é feito de forma mais cautelosa - os três processos da Natura em tramitação no Cgen são os únicos envolvendo empresas no país. Em um deles a empresa negociou com erveiras de Belém do Pará a manipulação de ervas que contêm essências aromáticas. Os outros dois casos envolvem uma comunidade de quebradeiras de coco no Maranhão e uma associação de Nova Califórnia, em Rondônia, para o preparo do óleo de cumaru. Segundo Paulo Lalli, vice-presidente de operações e logística da Natura, em muitos casos a remuneração às comunidades não fica apenas em uma parte do lucro da venda do produto que contém a substância acessada, mas também envolve a criação de fundos de desenvolvimento sustentável.

Apesar do baixo número de contratos regulados pela medida provisória até agora, uma forma alternativa de acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional tem ocorrido por meio de empresas fornecedoras de insumos que estabelecem relacionamentos com as comunidades e transformam os componentes genéticos em produtos naturais prontos para serem vendidos a indústrias de cosméticos e farmacêuticas. Um exemplo disso é a multinacional inglesa Croda do Brasil, que antes mesmo da atual legislação tem contratos com comunidades que fornecem buriti, andiroba e cupuaçú. "Estamos em fase de adequação desses contratos à medida vigente", diz Sérgio Gonçalves, gerente de marketing da empresa. A fornecedora brasileira Beraca também tem contratos com as comunidades anteriores a 2001 e acessa o conhecimento tradicional referente ao uso do buriti, murumuru, açaí e andiroba. Segundo Lívia Sabará, assessora jurídica da empresa, a Beraca capacita profissionalmente uma comunidade de mulheres "andirobeiras" da Ilha de Marajó.