Título: Banco paga menos PIS/ Cofins que empresa
Autor: Watanabe, Marta
Fonte: Valor Econômico, 24/01/2008, Brasil, p. A4

Com a elevação de 9% para 15% na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) a partir de maio, as instituições financeiras prometem engrossar com uma discussão a mais o já extenso histórico de questionamento de cobrança de contribuições sociais pelo setor.

Nos últimos cinco anos, a arrecadação de Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) das entidades financeiras cresceu, a valores correntes, de R$ 3,7 bilhões para R$ 5,54 bilhões. O recolhimento do mesmo tributo pelas demais empresas cresceu de R$ 48,57 bilhões para R$ 96,92 bilhões. Com a contribuição para o PIS, a diferença de evolução foi semelhante. Os R$ 780 milhões recolhidos pelas financeiras em 2002 passaram para R$ 1,09 bilhão em 2007. Para as demais empresas, o crescimento foi de R$ 12,09 bilhões para R$ 25,62 bilhões. A explicação para o comportamento díspar da arrecadação não está somente no fato de a Cofins dos bancos não ter sido alterada como foi a das demais empresas. Durante o período, os bancos tiveram a alíquota da Cofins elevada de 3% para 4%. As empresas em geral, porém, passaram do cálculo de 3,65% de PIS/Cofins cumulativo para uma carga de 9,25% de forma não-cumulativa.

Segundo Marco Antonio Ruiz, titular da Delegacia Especial das Instituições Financeiras (Deinf) em São Paulo, o que fez diferença foi a adesão paulatina das instituições financeiras ao questionamento da base de cálculo tanto da Cofins como do PIS. "O recolhimento desses dois tributos tende a zero", diz o delegado. Ruiz explica que as instituições financeiras querem pagar as contribuições somente sobre os valores recebidos com a cobrança de tarifas. O cálculo defendido pelo fisco é o pagamento das duas contribuições sobre todas receitas, já descontadas as despesas de captação. "A base defendida pelos bancos é de algo em torno de 15% daquela cobrada pela Receita", diz o delegado adjunto da Deinf, Flávio Augusto Huttner Borges.

Segundo dados da delegacia, dos R$ 42, 29 bilhões em discussão judicial e administrativa de tributos pelas instituições financeiras de São Paulo, R$ 8,58 bilhões correspondem à Cofins. O número leva em consideração não só o valor do principal, como também de multa e juros.

Com a discussão judicial, lembra Ruiz, a contabilização da arrecadação de PIS e Cofins não chega a acontecer nem por via dos depósitos judiciais. Os valores em juízo atualmente compõem as receitas do Tesouro, mas nem todo o valor questionado é depositado. "Apenas cerca de 30% dos valores consolidados em discussão tem depósito."

A preocupação da Receita não está somente no PIS e Cofins que os bancos deixaram de recolher nos últimos anos. Em ação judicial que aguarda julgamento na Justiça Federal em São Paulo, o ABN Amro Real, por exemplo, pede na Justiça ressarcimento de R$ 1,4 bilhão em PIS/Cofins que teria sido pago a mais entre 2000 e 2006. O processo aguarda decisão na 12ª Vara da Justiça Federal em São Paulo.

O delegado da Deinf se recusa a comentar casos específicos, mas diz que há muitos processos relevantes que solicitam a devolução de valores pagos anteriormente.

Segundo especialistas que assessoram bancos, os valores maiores são solicitados pelas instituições financeiras que chegaram a pagar o PIS e a Cofins conforme exigido pela Receita e passaram a questionar o cálculo dos tributos mais recentemente. Isso teria acontecido, porque em 1998 houve uma espécie de "acordo de cavalheiros" entre a Receita e os bancos. Nesse acerto, os bancos passariam a pagar a Cofins. Até então, eles estavam livres dessa contribuição. Em troca, a CSLL das instituições financeiras, então de 18%, foi reduzida para 8%, a alíquota vigente na época para as demais empresas.

Com a onda de aquisições, porém, o acordo acabou sendo rompido por algumas instituições, que levaram para a Justiça o cálculo do PIS e da Cofins. Como resultado, a Receita Federal passou a arrecadar um volume menor de CSLL e não obteve o recolhimento total do PIS e da Cofins dos bancos. O Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não decidiu qual deve ser efetivamente a base de cálculo do PIS/Cofins dos bancos.

Ao elevar a CSLL dos bancos de 9% para 15%, o minipacote tributário acabou por trazer para as instituições financeiras, a partir de maio, uma diferenciação de alíquotas já experimentada pelo segmento no passado. "Não estamos contando com essa arrecadação adicional de CSLL, porque sabemos que a nova alíquota será questionada", diz Ruiz.

Os tributaristas confirmam. Por enquanto, diz Vinicius Branco, do Levy & Salomão, as entidades financeiras estão em compasso de espera em relação à Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) do Democratas (DEM). Caso a decisão do STF na Adin não seja favorável aos bancos, caberá a cada instituição decidir se o assunto será levado ao Judiciário. Resta saber como será a receptividade da Justiça quanto ao argumento de que não pode haver diferenciação de alíquotas da CSLL.

A desigualdade de alíquotas da CSLL já foi questionada pelos bancos durante a década de 90, quando as instituições financeiras pagavam alíquota maior do tributo. Enquanto as empresas em geral pagavam 8%, os bancos estavam sujeitos a 18%. Houve época em que a alíquota dos bancos chegou a 30%, embora a cobrança efetiva fosse de 23%, porque a CSLL era dedutível de sua própria base de cálculo.

As ações judiciais que contestaram desde então o tratamento diferenciado também não tiveram ainda julgamento definitivo no Supremo. Uma delas é o do Banco do Estado de São Paulo, hoje integrado ao Santander. O banco teve recentemente decisão desfavorável do Tribunal Regional Federal em São Paulo. Na ação, que discute cobrança estimada em mais de R$ 1 bilhão, o banco alega que a discriminação de alíquotas fere o princípio da isonomia. A sexta turma do tribunal, porém, entendeu que as "instituições financeiras auferem lucros elevados em relação à maior parcela da sociedade" e, por isso, não há qualquer proibição constitucional para a tributação diferenciada.

Branco diz que as decisões dos tribunais regionais em São Paulo e Rio, onde concentram-se as ações contra diferença de alíquotas da CSLL dos grandes bancos, não são favoráveis às instituições financeiras. "Os magistrados acreditam numa notória capacidade contributiva dos bancos que justificaria esse tratamento", afirma. "Mas a discussão não está esgotada e será definida somente pelo STF."

O advogado admite que o argumento do tratamento diferenciado perdeu parte da força para o aumento de alíquotas que poderá vigorar a partir de maio. Isso porque uma emenda constitucional de 1998 possibilitou a diferenciação de alíquotas de contribuições sociais por atividade. "Há, no entanto, um argumento importante que ainda não foi analisado. O de que a diferenciação da CSLL só poderia ser justificada caso o setor provocasse um dispêndio maior para a seguridade social." Procurados, o ABN e o Santander não se manifestaram.