Título: Em discussão novas políticas sobre o IDE
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Fonte: Valor Econômico, 24/01/2008, Opinião, p. A10

O ano fecha com bons indicadores na área dos investimentos internacionais. Em meados de outubro, como de hábito, a United Nations Conference on Trade and Development (Unctad) publicou seu relatório mundial sobre o investimento direto estrangeiro (IDE). Baseado em números de 2006, o relatório deste ano registrou a cifra fabulosa de US$ 1.306 bilhões, próxima ao recorde atingido no ano 2000 (US$ 1.411 bilhões). A tendência de crescimento foi confirmada, assim, pelo terceiro ano consecutivo.

Parte significante desse montante foi destinada à exploração de minérios, petróleo e gás natural, retomando-se a vertente interrompida durante as décadas de 1960 e 1970, quando investidores internacionais amargaram perdas com diferentes nacionalizações nessas áreas. Altos preços alcançados por esses recursos, ditados em grande parte pelo crescimento das economias asiáticas, atraíram US$ 380 bilhões para países onde esses insumos encontram-se disponíveis. Esses quase sempre são aqueles cujos nomes figuram entre os menos desenvolvidos do planeta, com os africanos encabeçando a lista.

A novidade de 2007, porém, pode ter ficado com algo menos visível que o relatório da Unctad. Nos dois últimos dias do mês de outubro, teve lugar uma conferência na Universidade de Columbia, em Nova York, onde foram debatidos tanto os novos rumos das políticas a serem adotadas com relação ao IDE como a possibilidade da revisão do corpo de regras jurídicas destinadas a regulá-lo internacionalmente.

Com relação ao primeiro item, levantou-se a bandeira de que a voz dos stackeholders não pode ser mais ignorada. Cabe relembrar que o fracasso do mais recente projeto de pacto multilateral sobre investimentos - a interrupção das discussões do Multilateral Agreement on Investment (MAI), no âmbito da OCDE, em 1998 - deu-se em virtude de manifestações da opinião pública européia, nas quais às vaias contra o investimento internacional juntaram-se discursos contra a globalização.

Com relação ao segundo tópico, qual seja, uma possível revisão das regras internacionais aplicáveis ao IDE, o cenário exige mais detalhamento. As três últimas décadas foram marcadas pelo crescimento inaudito do direito internacional dos investimentos. O lacunoso corpo legal constituído, no início da década de 1980, por normas costumeiras e menos de uma centena de acordos bilaterais sobre investimentos (os conhecidos como bilateral investment agreements, BITs), assinados entre países exportadores e importadores de capital, foi substituído, neste século XXI, por um caudaloso conjunto normativo.

Até o final de 2006, conforme números da Unctad, registravam-se 2.573 BITs. Entre eles, destacam-se aqueles assinados entre países em desenvolvimento (a chamada cooperação Sul-Sul), simbolizando a adesão destes últimos aos padrões daqueles instrumentos, estabelecidos pelos países detentores de capital. Somando-se aos BITs, até aquela data existiam 241 acordos preferenciais de comércio, com disposições detalhadas sobre investimentos. Esses números podem justificar uma consolidação. Mas isso não quer dizer que não existam dúvidas.

-------------------------------------------------------------------------------- O pacto multilateral em relação a investimentos mais recente fracassou por conta de manifestações da opinião pública européia --------------------------------------------------------------------------------

Para começar, será que essa consolidação é mesmo necessária? Não obstante o número expressivo de acordos, as disposições são mais ou menos convergentes, uma vez que elaboradas em cima de modelos. Além disso, apesar de eventuais divergências, certa homogeneidade é conferida pela denominada cláusula da nação mais favorecida, que amplia para todos as vantagens concedidas a alguns. Por isso, cabe perguntar se subjacente a tal consolidação não haveria, novamente, um projeto de acordo multilateral com relação à matéria. Depois do insucesso do MAI, o debate sobre as regras multilaterais sobre investimento, por decisão da OCDE, foi transferido para a Organização Mundial do Comércio (OMC). Esta, em um primeiro momento, já o tinha em sua agenda desde a primeira reunião ministerial de Cingapura, em 1996, mas o retirou posteriormente da pauta em razão dos impasses negociais frutos da reunião ministerial de Cancun, em 2004.

Seria autorizado indagar qual seria o fórum para debates dessa consolidação. Na citada OCDE (que, embora tenha aprovado diretrizes aplicáveis ao IDE, não teve sucesso em transformá-las em regras internacionais obrigatórias) ou no Banco Mundial (que, da mesma forma, editou uma coleção de princípios aplicáveis ao IDE, em 1992, como paliativo, em face da ausência de um tratado multilateral)?

Independente do locus desses debates vindouros, o valor do convite para o encontro na Universidade de Columbia poderia estar centrado, por um lado, na redefinição de IDE como alavanca do desenvolvimento, uma vez que esse conceito se expandiu para cobrir quase todo bem estrangeiro, a partir do tratado que criou o North America Free Trade Area (Nafta); por outro lado, na aceitação das mais recentes interpretações sobre o desenvolvimento.

Na trilha das análises do Prof. José Eli da Veiga sobre a emergência da matriz socioambiental ("A emergência do socioambiental", SP, Senac, 2007), será que a extração dos minérios na África pelas companhias estrangeiras irá reverter em melhoria dos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) dos países africanos? Será que as indústrias envolvidas na extração irão seguir as melhores práticas no respeito ao meio ambiente ou mais passivos ambientais serão criados? Será que os ativos ambientais africanos, finitos, receberão pagamento justo dos investidores?

Se nas discussões das políticas e das regras que afetam o IDE que ocorreram em Nova York esses quesitos tiverem sido lembrados, além de um novo capítulo no regime internacional dos investimentos, um passo em direção à redenção do continente em que a vida teve começo na Terra poderá ter sido esboçado.

Eugenia de Jesus Zerbini, Diplôme d´Etudes Approfondies em Direito Internacional, pela Universidade de Dijon e doutora em direito internacional pela Faculdade de Direito da USP. Sócia do escritório Almeida Guilherme Advogados Associados.