Título: A revolução do ensino aberto
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 24/01/2008, Opinião, p. A11

Como fundadores das duas maiores plataformas de mídia de fonte aberta do mundo - Wikipedia e Connexions - temos sido, ambos, acusados de sermos sonhadores. Independentemente, fomos contaminados pela idéia de criar uma plataforma de web que permitisse a qualquer pessoa contribuir com seu conhecimento para a montagem de um acervo de recursos abertos e gratuitos de aprendizagem. Jimmy começou com sua enciclopédia gerada pela comunidade. Rich desenvolveu uma plataforma para que autores, professores e estudantes criem, recompilem e compartilhem cursos e livros didáticos.

Quase todo mundo declarou a irrelevância desses sonhos. Agora, com o apoio de legiões de participantes - de premiados com o Nobel a ginasianos, de Timor Leste a Los Angeles - a Wikipedia e a Connexions alastraram-se pelo mundo e são hoje bases orgânicas e crescentes de informação usadas por centenas de milhões de pessoas.

Queremos contaminá-lo com o sonho de que qualquer pessoa pode passar a fazer parte de um novo movimento capaz de mudar o mundo do ensino. Esse movimento pode redefinir para sempre como o conhecimento é criado e usado.

Hoje, alguns alunos de escolas comunitárias têm de abandonar a escola porque seus livros escolares custam mais do que o preço de seus cursos; e hoje, também, alguns estudantes precisam compartilhar seus textos de matemática porque não há exemplares em número suficiente para todos. Mas imagine um mundo onde livros-texto e outros materiais de apoio à aprendizagem estejam disponíveis, gratuitamente, para todo mundo, via internet - e a baixos custos de impressão.

Hoje, barreiras lingüísticas impedem que muitos pais imigrantes ajudem seus filhos com suas lições de casa porque os textos estão apenas em inglês. Mas imagine um mundo onde os livro didáticos estejam adaptados a muitos estilos de aprendizagem e traduzidos para uma infinidade de idiomas.

Hoje, Plutão permanece na lista de planetas em livros escolares de ciência, e quem sabe quanto tempo será necessário para que seja removido. Mas imagine um mundo onde os livros acadêmicos sejam continuamente atualizados e corrigidos por uma legião de colaboradores.

-------------------------------------------------------------------------------- Imagine um mundo onde livros-texto e outros materiais de apoio à aprendizagem estejam disponíveis, gratuitamente, para todo mundo, via internet --------------------------------------------------------------------------------

Um mundo assim era apenas um sonho uma década atrás. Mas, hoje, as peças do quebra-cabeças do movimento Ensino Aberto se encaixaram, de modo que qualquer pessoa, e em qualquer lugar, pode redigir, montar, adaptar e publicar seus próprios cursos ou livros escolares abertos. Licenças abertas tornam legal a produção e agregação de materiais. Inovações técnicas como o padrão XML para textos e a impressão sob demanda tornam a disponibilização desses produtos tecnicamente viável e barata.

Os novos modelos de desenvolvimento e distribuição estimulados pelo movimento Ensino Aberto representam uma evolução natural e inevitável da indústria editorial educacional. Trata-se de uma evolução paralela à evolução do setor de software (rumo ao Linux e outros programas de fonte aberta); a indústria fonográfica (por exemplo, a recente opção de download "pague quanto quiser" da banda Radiohead); e a publicação de ensaios acadêmicos (o governo dos EUA determinou recentemente o acesso público online a todas as pesquisas financiadas pelo National Institutes of Health - um montante total de US$ 28,9 bilhões neste ano).

O que há de apaixonante na iniciativa de Ensino Aberto é que o acesso gratuito é apenas o começo. O Ensino Aberto promete converter o sistema de criação e produção de livros escolares num ecossistema vasto e dinâmico de conhecimento em constante estado de criação, utilização, reutilização e aperfeiçoamento. O Ensino Aberto promete proporcionar às crianças materiais para aprendizagem personalizados para suas necessidades individuais, em contraste com os atuais materiais "de prateleira", aliados a circuitos de realimentação de conteúdos mais rápidos, produzindo um casamento mais direto dos resultados da aprendizagem com desenvolvimento e aperfeiçoamento de conteúdo. E o Ensino Aberto acena com a possibilidade de novas abordagens ao aprendizado colaborativo, alavancando a interação social entre alunos e professores em todo o mundo.

No fim do ano passado, na Cidade do Cabo, reunimo-nos com representantes de todo o mundo para chegar a um consenso sobre os ideais e abordagens ao Ensino Aberto, e nos comprometemos com eles na declaração de Ensino Aberto da Cidade do Cabo, que foi oficialmente publicado em 22 de janeiro. (Ver www.capetowndeclaration.org).

Todo mundo tem o que ensinar. Todo mundo tem algo a aprender. Juntos, podemos, todos nós, ajudar a transformar a maneira pela qual o mundo desenvolve, dissemina e usa o conhecimento. Unidos, poderemos ajudar a tornar realidade o sonho do Ensino Aberto.

Jimmy Wales é fundador da Wikipedia e da Wikia.

Richard Baraniuk, fundador da Connexions, é professor de engenharia na Universidade Rice. © Project Syndicate/Europe´s World, 2008. www.project-syndicate.org