Título: Temporada de fusões e aquisições, forte em 2007, ainda não acabou
Autor: Madureira, Daniele
Fonte: Valor Econômico, 24/01/2008, Empresas, p. B5

O mercado de alimentos está em plena temporada de caça. Em outubro, a Perdigão comprou a Eleva, dona das marcas Avipal, de aves, e Elegê, de leite. Antes disso, em junho, adquiriu as margarinas Claybon, Doriana e Delicata, da Unilever, que também vendeu a Gradina, de panificação e confeitaria, para a Bunge, em dezembro. Um mês antes, a Vigor, de laticínios, foi alvo do frigorífico Bertin, que busca ganhar espaço sobre a JBS Friboi, que por sua vez se tornou dona da Swift, há oito meses. Para não ficar para trás, a Sadia anunciou este mês a compra da Excelsior Alimentos, de embutidos, e informou o interesse pela Goiaves. Em dezembro, a Sadia já havia diversificado ao comprar a Big Foods, de pães semi-congelados. Um pouco antes, em novembro, o grupo Bimbo, de panificação, adquiriu o Pastifício Laura e colocou o pé na fabricação de panetones, especialidade da Bauducco, que acaba de se associar à americana Hershey, de chocolates.

Um relatório da PricewaterhouseCoopers deixa claro o protagonismo das indústrias alimentícias em matéria de fusões e aquisições. Em 2007, este foi o setor que registrou o maior aumento no número de transações em relação ao ano anterior: um salto de 64%, chegando a 95 operações no ano passado, o que rendeu a alimentos a liderança entre todos os setores acompanhados pela Price (que incluem varejo, construção, serviços auxiliares, serviços públicos e química e petroquímica). "Os principais negócios de 2007 envolveram frigoríficos e usinas de açúcar e álcool, mas o ritmo deve se manter acelerado este ano e se estender para vários outros segmentos de industrializados - especialmente laticínios, biscoitos, pães, café e guloseimas", diz Raul Beer, sócio da Price.

Sílvio Barboza, da Accenture, também aposta nos laticínios. "É um mercado com muitas oportunidades de consolidação", diz ele. Para Rafael Cintra, analista da Link Corretora, esse é o motivo que vem chamando a atenção dos grandes frigoríficos. "É uma chance dessas empresas dependerem menos do negócio carne, que ainda enfrenta restrições em alguns mercados".

Com o aumento do poder aquisitivo das classes mais baixas, muitos segmentos alimentícios deslancharam e chamaram a atenção de grandes empresas. Além disso, segundo Edmundo Klotz, presidente da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia), há uma certa inquietude mundial acerca de uma possível escassez de alimentos. "Nesse cenário, é natural que o Brasil, como grande produtor agroindustrial, chame a atenção", afirma.

Extremamente pulverizado, o setor alimentício é composto por empresas familiares na sua maioria, que conquistaram competitividade nos últimos anos ao enfrentar a abertura de mercado, ganhando uma participação regional relevante. Das 43 mil empresas que compõem a indústria de alimentos, 85% são micro. Os cerca de 200 grupos associados à Abia, que reúnem 1,7 mil empresas, respondem por 70% da produção nacional e 75% do faturamento que, em 2007, foi de R$ 230,7 bilhões, segundo avaliação preliminar feita pela associação a pedido do Valor.

De acordo com a Abia, o faturamento médio das empresas associadas gira em torno de R$ 100 milhões. "Neste nível, não vale a pena partir para a abertura de capital, porque há papéis de empresas bem maiores, que chamam mais a atenção do investidor", afirma Marcelo Gil Souza, da Accenture. Sendo assim, as empresas de alimentos de médio porte se tornam um alvo ideal para as grandes companhias do setor, já capitalizadas. "Bem antes de qualquer uma delas pensar em fazer um IPO, já recebe uma tentadora oferta de compra", diz o consultor Winston Pegler, da Ray & Berndtson.

Quem está de maneira declarada à procura de oportunidades é a M. Dias Branco, gigante do Nordeste do país no ramo de massas e biscoitos. A empresa fincou o pé no Sudeste, principal mercado, em 2003, quando adquiriu a Adria. Agora, afirma o diretor de relações com investidores, Álvaro de Paula, está olhando algumas empresas entre as maiores do setor. "Queremos garantir maior participação de mercado, seja com uma marca forte, seja em uma região onde ainda não atuamos", diz Paula.

Na lista das dez maiores fabricantes do país, estão, além da própria M. Dias Branco, da americana Kraft Foods, da suíça Nestlé, da argentina Arcor e da Bauducco, as regionais Mabel (GO), Marilan (SP), Piraquê (RJ), Vitarella (PE) e Paraty (SC). "São estes os potenciais alvos de fusão ou aquisição", diz José dos Santos de Reis, presidente do Sindicato da Indústria de Massas Alimentícias e Biscoitos no Estado de São Paulo (Simabesp) e vice-presidente Associação Nacional das Indústrias de Biscoito (Anib). Em 2007, o mercado de biscoitos fechou uma receita de R$ 7,4 bilhões, com alta de 8% sobre o ano anterior, e uma produção de 1,13 milhão de toneladas, apenas 1,7% superior à de 2006.

No segmento de chocolates, a situação é bem mais complexa. Com um consumo anual de pouco mais de 300 mil toneladas, o Brasil é o quarto maior mercado mundial, atrás de Estados Unidos, Alemanha e Inglaterra. Mas está concentrado em Nestlé e Kraft que detêm, sozinhas, 90% do negócio, segundo uma fonte do setor. "Depois de terem perdido a Garoto para a Nestlé, as estrangeiras Hershey, Mars e Arcor terão que fazer operações bem ousadas para conquistar espaço significativo no mercado", diz a fonte, que não considera a parceria entre Hershey e Bauducco suficiente para movimentar este segmento. "Qualquer tentativa de ganhar mercado terá que se concentrar nos consumidores que ainda não estão incluídos, ou seja, na base da pirâmide".