Título: Governo quer mais competição entre ferrovias
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 25/01/2008, Brasil, p. A3

O governo está preocupado com o custo dos fretes ferroviários e desenhou um plano para aumentar a competição no setor. Não se pensa tomar nenhuma medida de impacto no curto prazo, mas acelerar os estudos para a concessão de 4.100 quilômetros de trilhos em bitola larga que devem acirrar a concorrência entre as operadoras de ferrovias. O primeiro passo para isso é a edição de uma medida provisória nas próximas semanas para incluir os novos trechos no Plano Nacional de Viação, da década de 1970, ato sem o qual não se pode avançar nos estudos de viabilidade econômica e na elaboração de projetos básicos de engenharia.

O setor é dominado por três empresas - ALL, Vale e CSN - cujas malhas não competem entre si. Por isso, avaliam técnicos do Ministério dos Transportes e da Casa Civil, os valores do frete ferroviário acabam tomando como referência os preços cobrados pelos transportadores rodoviários - bem mais altos. Como não há concorrência, o governo acredita que as concessionárias cobram preços acima do que poderiam, apenas um pouco mais baixos do que aqueles cobrados para o transporte rodoviário.

Quatro ações estão sendo estudadas e algumas já entraram, inclusive, no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A primeira é a concessão do trecho sul, de 1.443 quilômetros, da Ferrovia Norte-Sul, de Palmas (TO) a Rubinéia (SP). O governo comprometeu-se a licitá-lo no primeiro semestre de 2009. A Vale já opera o trecho norte - Açailândia (MA)-Araguaína (TO) - e repassou recursos financeiros para que a estatal Valec faça o prolongamento da ferrovia até Palmas.

A segunda é a ligação da Nova Transnordestina - em obras pela Companhia Ferroviária do Nordeste (CFN), uma subsidiária da CSN - à Norte-Sul, entre Eliseu Martins (PI) e Estreito (MA). Outras duas obras planejadas são um ramal da Norte-Sul em direção a Rondônia, passando por Mato Grosso, e outro ramal em direção ao litoral da Bahia. O governo diz também que acertou com a ALL um aditivo ao contrato de concessão pelo qual a empresa se comprometeria a construir até o fim de 2010 o prolongamento da Ferronorte até Rondonópolis (MT) - um trecho de 260 quilômetros com investimento estimado em R$ 750 milhões. A ALL confirma as negociações com o governo e prevê um acerto final sobre cronograma da obra ainda no primeiro semestre de 2008.

Com a nova malha ferroviária, que o governo espera ver pronta no início da próxima década, espera-se estimular a concorrência entre as operadoras, principalmente na região de expansão do agronegócio. Hoje os produtores agrícolas do Centro-Oeste e do Tocantins têm apenas uma opção de escoamento. Em Mato Grosso, costumam usar a malha da ALL, que opera a Ferronorte e descarrega os produtos no porto de Paranaguá ou de Santos. No Tocantins, a única alternativa ferroviária é a Norte-Sul, até o porto de Itaqui (MA). Quando a Transnordestina ficar pronta, propiciará o escoamento de produtos agrícolas a produtores do Nordeste, incluindo a região oeste da Bahia, por Pecém (CE) e Suape (PE).

A integração das malhas vai dar ao agronegócio pelo menos duas alternativas de escoamento, por ferrovias e portos diferentes, gerando um ambiente de competição de tarifas onde hoje existe o predomínio de uma única concessionária em cada região.

O diretor-executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Rodrigo Vilaça, rejeita as afirmações de que o custo do frete tem sido manipulado pelas concessionárias e pondera que as grandes companhias do agronegócio pressionam muito por preços baixos. "As tarifas são equilibradas e monitoradas pela agência reguladora", ressalta.

Para o diretor da ANTF, que representa as concessionárias, as perspectivas de retomada da expansão da malha ferroviária são uma boa notícia, mas devem ser pautadas pelo próprio planejamento das empresas e do mercado, e não vir de cima para baixo, como uma imposição do governo. Ele destaca que as operadoras de ferrovias não devem ser "sacrificadas" para resolver o déficit de transporte causado pela baixa produtividade de outros modais de transporte. E lembra que esse tipo de planejamento pode tirar as empresas dos trilhos atuais - em que há um processo, ainda incompleto, segundo o executivo, de recuperação da malha atual.

Em 2008, adianta Vilaça, serão investidos "pelo menos" R$ 2,5 bilhões em manutenção e compra de material rodante (vagões e locomotivas), além de R$ 228 milhões em um programa de melhoria na sinalização das ferrovias. O ritmo de investimentos deve manter-se em patamar acima de R$ 2 bilhões por ano até 2012. Esses valores não incluem aplicações na construção de novas ligações ou ramais. Vilaça aponta uma contradição: enquanto aumenta a pressão por mais competição nas ferrovias e mais e investimentos do setor privado, o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit) vê seu orçamento diminuir, entre 2007 e 2008, de R$ 360 milhões para R$ 271 milhões, voltados a obras de contornos ferroviários em municípios cortados por trilhos em zonas urbanas.